Alex Høgh Andersen interpreta o personagem Ivar, o Sem Ossos na série Vikings.

Os novos vikings, só que não

Sempre critiquei o trabalho de quem atue com especulação. Ou então quando um presumido especialista banca a Mãe Diná e usa um espaço ganho na mídia para falar sobre suas projeções para o futuro sobre algum assunto. Na esmagadora maioria das vezes, eles erram e seus acertos parecem mais fruto de um acaso do que de uma reflexão refinada.

Exemplo recente disso foram as expectativas americanas de que as tropas russas dominariam Kiev em 96 horas, quando na realidade, a “guerra relâmpago” se tornou uma “guerra de endurance” – quem cansar primeiro, perde. E esse é só UM exemplo dentre toneladas de vários outros ao longo da história humana. O futuro muda toda vez que se olha para ele.

E também é relativamente fácil analisar uma sequência de acontecimentos do passado e pensar que “era óbvio que X iria acontecer”, mas a verdade não é bem essa. No calor do momento nada está tão claro e essa “obviedade” que se evoca ao estudar história tem um nome: viés retrospectivo.

Outro exemplo recente que costumo dar é quando peço para pessoa lembrar de janeiro de 2018 e o que ela pensava sobre como seriam as eleições daquele ano. O que eu descobri com essa experiência é que muita gente não lembra sequer que, naquele exato período, Lula sequer tinha sido preso e ainda era um potencial candidato a presidência. Portanto, o passado também é perigoso quando se olha de forma incauta e pode nos implicar em erros parecidos, mas que vão em uma “via oposta”.

Mas mesmo desprezando qualquer tipo de futurologia, vou dar o braço a torcer que de vez em quando ela propõe ideias divertidas, quase dignas de ficção científica (apesar de ser um gênero de livros e filmes que também não me cativam tanto assim). E também vou ser um pouquinho hipócrita e dizer o que acho que vai acontecer sobre um tema específico.

Um tempo atrás li um texto da revista Unherd, cujo título era “Incels podem se tornar os novos Vikings” (artigo escrito em inglês, portanto o título foi colocado aqui em tradução livre). As informações científicas eram interessantes e consistentes, mas as conclusões da autora foram, ao meu ver, bastante problemáticas.

Vamos por partes.

A grosso modo, o texto expõe um fato biológico analisado em diversas espécies. Quando existe um número maior de fêmeas disponíveis do que machos, a tendência é que a população geral daquele grupo aumente com o passar do tempo, pois um único macho pode engravidar diversas fêmeas enquanto uma fêmea pode ter apenas uma gestação por vez. Porém, quando há um número maior de machos disponíveis, a tendência é surja um excedente que, como resultado, acabam entrando em uma competição agressiva pelo número limitado de possíveis parceiras sexuais.

E fenômenos parecidos são observados em sociedades humanas, sendo que um dos exemplos são os vikings. Uma dos fios condutores para as excursões escandinavas em ataques por toda a Europa foi o fato de haver esse monte de solteirões, uma vez que a sociedade da época permitia que um único homem tivesse várias esposas, mas cada esposa poderia ter só um marido. Aliado a isso, existia o fato de ser uma região pobre em recursos naturais e tecnológicos, o que limitava a possibilidade de enriquecimento pessoal e, por consequência, as opções de encontrar esposas.

O fato de que a maioria dos vikings terem sido compostos de homens jovens e pobres corrobora com tudo isso, pois o mais lógico que se encontrou a fazer na época era justamente buscar por esses recursos – materiais e até mesmo sexuais – em outras terras. E tudo, é claro, da forma mais violenta possível se fosse necessário. A cargo de curiosidade, isso corrobora com o pensamento de Jordan Peterson que um dia disse que a monogamia  é importante não só do ponto de vista moral, mas sim também por conta da estabilidade social que ela proporciona.

E antes de continuar, é bom expor um adendo: não é exatamente o número absoluto de machos e fêmeas que conta nessa lógica, mas sim o número de machos e fêmeas DISPONÍVEIS. Afinal, pode até haver um certo equilíbrio entre ambos os lados em números, mas não significa necessariamente que todos estejam dispostos a uma relação. E aqui que entra a pegadinha com os incels.

Nas últimas décadas, pelo fato das mulheres estarem cada vez mais inseridas no mercado de trabalho, nunca antes houve um contingente tão grande delas com autonomia financeira. No passado, se especulou que esse fato abriria margem para que as mulheres passassem a aceitar homens mais pobres ou com empregos mais simples, tendo mais tempo disponível para elas e para a família. Porém, não é isso que se observa na prática (especulações errando, como sempre).

Existe um fator chamado hipergamia, que nada mais é do que o fato de que as fêmeas de uma espécie buscam o melhor parceiro possível, aquele que possa proporcionar as melhores proles e maior segurança para todos. E no caso da sociedade humana, isso significa que as mulheres tendem a preferir homens ricos ou que possuam uma boa perspectiva de crescimento (não há nada de machismo nisso, antes que alguém reclame). Como resultado de décadas de inserção no mercado, mulheres com maior poder aquisitivo estão atrás de homens que ganhem tão bem quanto ou melhor do que elas. Esse cenário acaba limitando muito o número de “fêmeas humanas” DISPONÍVEIS em comparação com machos, uma vez que os critérios masculinos de escolha não costumam levar em consideração o nível econômico. Esse fator, vinculado ao fato de termos fácil acesso a internet, acabou unindo esse grupo de homens pobres em um celibato involuntário. Assim foi criada a “cultura incel”. Esse fenômeno se observa no mundo inteiro, como na Coreia do Sul, na China, na Índia, bem exemplificados no artigo.

O grande problema, ao meu ver, foi que a autora afirmou que todo esse contexto da existência dos incels poderia acabar gerando, no futuro, um ambiente de conflito, com guerras e invasões, principalmente se houvesse a perspectiva de que esses soldados possam obter parceiras sexuais nessas incursões. Confesso que acho essa ideia bizarramente divertida, principalmente porque imagino o fiasco que seria um regimento de incels no front em alguma guerra ou guerrilha – muitas pessoas só são corajosas atrás de uma tela, vale ressaltar. Além disso, apesar do risco de uma guerra eclodir ser sempre um fantasma na história da humanidade, a sociedade moderna é tão marcadamente  comercial que as virtudes guerreiras que foram tão cultivadas no passado já estão moribundas. Isso tudo sem contar com o fato de que os conflitos modernos são marcados por combates por bombardeios e cavalaria mecânica, portanto não sei se essa perspectiva, com diversos exemplos modernos, seria tão atrativa. Principalmente se for para demonstrar qualquer tipo de masculinidade.

E aqui entra a minha futurologia.

É claro que não estou descartando TOTALMENTE essa possibilidade, mas dentro da sociedade ocidental um cenário como esse, caso ocorresse, seria marcado por casos pontuais e isolados. Mas o que eu penso que pode vir acontecer, em médio e longo prazo, é que os homens passem a se casar mais tarde (quando já estiverem com maiores condições financeiras), com mulheres consideravelmente mais jovens. Dessa forma, pode ser que acabe se formando um contingente grande de solteironas de meia idade que vão se tornar “as novas incels”, principalmente se forem mães solteiras ou já não possuírem mais tanto dos seus atrativos de juventude. Todo esse processo vai atingir um ponto tão insustentável a um prazo ainda mais longo que as gerações posteriores voltem a preferir casamentos entre os mais jovens.

Mas como toda quase toda futurologia, essa projeção vai se mostrar incorreta.

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