A Bíblia não foi o primeiro livro impresso por Gutenberg

Aprendemos na escola e faculdade que Johannes Gutenberg inventou a imprensa no início da década de 1450 e que o primeiro livro feito através desse processo foi a Bíblia. No entanto, essa afirmativa é tão enxuta que pode acabar gerando alguns equívocos.

Antes de continuarmos, é importante saber também que Gutenberg não foi o inventor da impressão em si. Técnicas de reprodução mecânica de textos já haviam sido criadas há muito tempo na China e transportadas para o Ocidente através dos séculos, mas os métodos orientais eram pouco práticos dado ao grande número de símbolos gráficos da língua chinesa. Contudo o alfabeto romano contava com apenas um conjunto de duas dúzias de letras e sinais gramaticais que podiam ser combinados livremente para formar palavras, frases e parágrafos.

De acordo com Martin Puchner no livro “O Mundo da Escrita — como a literatura transformou a civilização” (2017), Johannes Gutenberg também não foi o primeiro a idealizar uma prensa móvel de maneira que os moldes das letras fossem alterados livremente. Contudo, ele tornou o processo possível através de uma técnica semelhante a utilizada para a fabricação de espelhos — que foi seu primeiro empreendimento. Vale destacar que, ainda segundo o autor, além de engenhoso, Gutenberg também era excelente em captar recursos de patrocinadores.

Com tais técnicas desenvolvidas para a fabricação de espelhos, um único forjador poderia também produzir mais de 1 mil letras de metal em um único dia (material mais resistente e adequado para várias impressões do que a madeira e cerâmica utilizada nas reproduções arcaicas). Além disso, Gutenberg também criou métodos para umedecer o papel antes de ser carimbado com o molde da página sendo auxiliado por uma prensa de fazer vinho.

Logo após a criação dos métodos básicos de produção, surgiu uma questão fundamental: o que imprimir? A obra precisava ter uma grande demanda e ser escrita em latim, pois este era o idioma comum para todos os europeus instruídos. A “Gramática Latina de Donato” dominava o mercado editorial da época há muito tempo e, portanto, deveria ser o primeiro livro a ser produzido. O tomo possuía apenas 28 páginas com 26 linhas cada e foi um grande sucesso comercial.

Contudo, logo viria a ocorrer algo inesperado.

Em 1453, chegou a Mainz (cidade de Gutenberg) a chocante notícia de que os turcos haviam tomado Constantinopla, que era o baluarte oriental do cristianismo. Logo surgiu o temor de que os invasores pudessem avançar por diversos pontos importantes da Europa, então a Igreja começou a se mobilizar em uma Cruzada. Foi prometida aos soldados a remissão dos pecados em troca da defesa da fé cristã, porém esse exército recém-reunido era caro e rapidamente foi descoberta uma maneira prática de arrecadar fundos. Aqueles que não pudessem lutar pessoalmente poderiam doar certas quantias que mesmo assim seriam perdoados, nascendo assim as indulgências.

Não demorou muito para que Gutenberg enxergasse uma nova oportunidade de negócios, pois os textos utilizavam da mesma fórmula latina e sua empresa poderia imprimir uma mesma página diversas vezes, deixando espaço apenas para alguns preenchimentos à mão. Além disso, o empreendedor também facilitou a mobilização contra os inimigos ao produzir e distribuir panfletos escritos na fórmula pouco comum de calendário lunar em que, a cada mês, um novo governante ou o próprio papa convocava os fiéis através de versos rimados.

Paralelamente a isso, foi dado sequência a outro projeto ainda mais ambicioso: uma versão impressa da Bíblia (as edições anteriores eram escritas à mão por copistas). O projeto era um grande desafio para Gutenberg e seus associados por conta do grande número de páginas do Livro dos Livros, então foram providenciadas mais prensas móveis e mais trabalhadores para a empreitada.

Além de questões técnicas, havia o receio de não saber qual seria a reação da Igreja perante o ato, uma vez que o Livro Sagrado seria reproduzido por uma máquina “sem qualquer vestígio de alma e vida”. Contudo, a Igreja aprovou o resultado final e imediatamente viu as vantagens que a impressão tinha. A principal delas era a minimização de erros que eram muito comuns de ocorrer quando eram reproduzidas por copistas (além da inegável estética superior). Isso proporcionaria uma maior qualidade e padronização da Fé, uma vez que os erros de cópia poderiam minimizar as interpretações equivocadas da Sagrada Escritura.

Precisamos entender que Gutenberg era, antes de qualquer coisa, um inventor e empreendedor tão visionário quanto os grandes nomes da atualidade. Ele não foi o criador da impressão, mas foi o primeiro a sofisticar o processo de uma forma minimamente exequível e comerciável. Além disso, a Bíblia não foi o primeiro texto reproduzido pela sua prensa móvel, mas sim foi um manual de gramática latina, indulgências e panfletos de convocação para guerra.

Do meu ponto de vista, o mesmo foi um grande empreendedor de seu tempo além de ser o criador de uma ferramenta revolucionária na história da civilização. Seria interessante se certos cursos e escolas desenvolvessem melhor essa parte tão importante da História, mas aparentemente explorar a Reforma Protestante parece mais interessante (e raramente fazem isso de maneira adequada).

2 comentários

  1. INTERESSANTE: a ‘forma de convencimento’ para que os soldados/governantes,..optassem em aderir ‘A GUERRA DOS CRUZADOS’ [guerra santa],..sempre pensei que fosse pela fé católica, deus, jesus cristo,..MAS POR MÊDO de não ser direcionado para o céu,..ENTÃO; matando pessoas, Pilhando em Nome da Santa Fé Católica Romana “sua Alma seria Limpa de Pecados,..e não Iria Para o Inferno.

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