As consequências do fim

Vocês podem imaginar um milhão de maneiras para o fim do mundo, cada uma mais específica que a outra, mas eu tenho certeza que pelo menos dois elementos esses cenários vão ter em comum: medo e paranoia.

Um é consequência do outro e em um cenário de caos generalizado evidentemente que iremos encontrar eles. Porém, poucos realizadores conseguem conduzir de forma tão cativante esses sentimentos como Sam Esmail fez em “O Mundo Depois de Nós”. No longa, uma família aluga uma casa em uma região rural para passar férias, até que uma série de acontecimentos faz com o que o proprietário da casa e sua filha precisem buscar abrigo, e agora duas famílias precisam conviver para tentar entender o que está acontecendo e o que é real ou não é.

A certa altura do filme, a situação está tão ruim que sabemos que o mundo está acabando, ou pelo menos, está para essas pessoas. Nesse contexto de isolamento e cenário intimista é onde o filme encontra se força, mostrando em uma escala menor os efeitos de acontecimentos em grande escala. A escolha de mostrar o tempo o que acontece numa vizinhança rural enquanto o verdadeiro caos se concentra na grande cidade é um recurso narrativo para expor o verdadeiro tema do filme, o comportamento humano.

É fato que acompanhamos diferentes gerações reagindo às mesmas situações perturbadoras, mas tendo comportamento divisório, não só isso, mas também pessoas da mesma geração que possuem visões distintas.

Para começar, o casal protagonista, Clay, vivido por Ethan Hawke, é um professor universitário que parece sempre ver o lado bom das pessoas, é calmo e otimista fazendo proveito dessas qualidades para apaziguar a situação, mas ao mesmo tempo demonstra uma dificuldade em tomar decisões. Isso faz dele um personagem simpático, porém ambíguo, mas não sabemos se as decisões ruins fazem parte da sua índole ou de uma ansiedade a frente a cenários tortuosos.

Sua esposa é Amanda, aqui interpretada por Julia Roberts, que quase se passa por um completo oposto do seu marido. Sendo uma mulher organizada e controladora que vive com seu nível de desconfiança sempre no alto. A constante falta de confiança da personagem a leva por um caminho de antipatia, que parece se esforçar para dificultar a cooperação, principalmente para pessoas um tanto quanto diferentes fisicamente.

Dois personagens da mesma geração, potencialmente criados de formas diferentes em época onde, ou você se prevenia para tudo ou você procurava a melhor forma para acalmar os nervos frente a uma potencial guerra nuclear nos anos 80.

Seus filhos são Rosie e Archie. Rosie sendo a mais nova, tendo por volta dos seus 13 anos, interpretada por Farrah Mackenzie, faz parte de uma geração que nasceu com o celular na mão, não só isso, mas também cresceu vendo seus pais focados em telas, sendo para trabalho ou lazer. Nutrida de um potencial insuficiência emocional, o pior cenário possível para essa personagem é a perda do Wi-Fi e não poder ver o final de sua série favorita. Claro, olhando isso de fora pode parece banal, porém não existe medidor de força para a paranoia, e o destino final da personagem mostra a busca de preencher um vazio emocional que a pequena buscava na ficção.

Archie, já um adolescente, vivido por Charlie Evans, não consegue, por mais que se esforce, parecer um adulto. Querendo constantemente demonstrar uma calmaria que não existe, se apoia em brincadeiras voláteis e uma indiferença resultante de sua rebeldia devido à fase da vida que se encontra.

Não o bastante esses personagens, ao fim do primeiro ato o filme nos apresenta G. H. Scott e Ruth Scott. Pai e filha que surgem no longa como uma visão de pessoas, digamos assim, mais privilegiadas de certa forma, pois possuem a tranquilidade de saber que caso algo aconteça, possuem uma casa grande e abastecida para emergência. O longa, porém, não demora para mostrar que nada disso importa quando o medo se instaura, mostrando os personagens preocupados e tensos mais que a família visitante.

Ruth Scott, já uma jovem adulta, demonstra entender bastante e levanta várias teorias ao longo do filme, não somente sobre o que pode estar acontecendo mas também sobre as pessoas à sua volta, a levando a crer que seja uma sabe-tudo. Sua intérprete, Myha’la consegue transmitir a quebra de expectativa que a personagem sofre ao longo do filme, e a terrível verdade de descobrir que não, ela não sabe e não está preparada para tudo.

Já G. H. Scott aparentemente é o personagem mais sem graça do filme. Mahershala Ali está sempre posturado em seus personagens, mas aqui essa postura surge como uma forma de autopreservação, o personagem é cauteloso e está sempre esperando um certo preconceito das pessoas ao saberem que um homem negro é dono de uma mansão. Essa cautela é o que conduz o filme até seu desfecho, por mais irônico que pareça, o coadjuvante ser aquele que movimenta a trama, mas esse é mais um artifício que o diretor usou para mostrar como o desespero e o medo, travam até mesmo aqueles que deviam ser os heróis da trama.

Nessa altura vocês devem estar se perguntando o que diabos está acontecendo com o mundo nesse filme. A resposta é bem simples: não importa. Isso mesmo. Ao final das, mais ou menos, duas horas e dez minutos de filme, o motivo e a causa são os elementos que menos importa. Faltando um pouco menos de 30 minutos para o fim, somos brilhantemente apresentados ao personagem de Kevin Bacon, o típico caipira estadunidense em que paranoia faz parte de um traço de personalidade, o personagem possui um bunker equipado para as mais diversas situações. Ele surge como sendo uma aparente luz no fim do túnel, aquele que vai explicar tudo o que está acontecendo, porém sua resposta é dúbia e o final da cena exalta aquilo que já esperávamos: o maior inimigo de todos no fim do mundo é o próprio ser humano.

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