Minha professora da oitava série devia estar presa

Têm certas coisas que só vamos assimilar com clareza anos mais tarde. Meu pai, que faleceu quando eu tinha 12 anos, disse coisas que só foram fazer sentido para mim aos 18 ou 20 anos, por exemplo.

Mas esse não é um texto sobre melancolia ou moralidade. Quero contar da vez que minha professora de português da oitava série deveria ter sido presa por uma coisa que fez. E só fui me dar conta da malícia depois de adulto.

Antes de tudo, quero deixar claro que entendo as boas intenções de professores que tentam trazer atividades divertidas e inovadoras para sala de aula (apesar de achar que a maioria ganha o salário que merece). Só que educadores também são seres humanos passíveis de erros e ideias equivocadas, muitas que poderiam ser evitadas se parassem para pensar por um único minuto.

O jornalismo ensina isso muito bem, pois temos que escrever tudo tão claramente ao ponto de que um orangotango cognitivo possa compreender, pois uma única vírgula errada pode acabar fazendo com que se entenda algo errado. Para citar um exemplo bíblico de como isso pode render interpretações erradas observe essas duas frases:


“Em verdade te digo hoje, estarás comigo no Paraíso.”
“Em verdade te digo, hoje estarás comigo no Paraíso.”


Para a surpresa de muitos, a frase dita por Jesus ao bom ladrão é a primeira, e não a segunda, ao contrário de como se coloca em muitas edições da Sagrada Escritura. A segunda dá a entender que Cristo esteve junto do Pai no mesmo dia de sua morte, o que não aconteceu. Mas uma única vírgula colocada no lugar errado rendeu toda essa interpretação equivocada.

Agora, se uma vírgula errada pode render erros desse nível, o que podemos dizer de uma ideia que parece inocente, mas que carrega em seu cerne uma conotação controversa, ainda mais dentro de uma escola de ensino fundamental? O irônico da coisa toda é que a proposta foi feita por uma mulher que ensinava português, que inclui interpretação de texto.

A ideia da nossa querida Professora G. era a seguinte: fazer uma brincadeira de amigo secreto entre os alunos da oitava série cujo objetivo seria presentear os coleguinhas com “presentes de zoeira”. Ela citou como exemplo dar coisas como uma tiara com pompons cor-de-rosa para um menino, ou então qualquer besteira dessas.

Até que ela sugeriu que também pudesse ser dado “algo que a pessoa adoraria receber”, dando a entender que poderia ser algo que reforçasse algum tipo de estigma ou semelhante. Basicamente, o resultado foi um dos episódios mais bizarros da minha vida escolar, mas que no dia achei muito engraçado.

Já deu para imaginar onde isso vai dar…

Acho que se a brincadeira fosse feita entre adultos, o resultado não teria sido tão extremo. Mas crianças são maldosas. E eu mesmo peguei muito pesado. O colega que eu tirei no sorteio foi um cuja fama era de que tinha feições de rato, então dei para ele um pedaço de queijo de presente. Uma menina gordinha recebeu uma caixa de chá de emagrecimento. Um colega que era mais velho e tinha a fama de “pegador” ganhou um pacote de camisinhas. Outra menina, que já estava mais ou menos assumindo que era lésbica, ganhou uma cueca com uma tromba de elefante na região da pélvis. E eu, como era o único aluno que ainda era levado e buscado mãe, ganhei uma mamadeira e uma chupeta.

O pai de um dos meus colegas chegou a achar aquilo muito estranho e quis tirar satisfação com a professora quando percebeu que, em casa, havia um óculos de sol cor-de-rosa. Mas não passou disso e a reclamação não ocorreu de fato. De resto, todo mundo na época achou aquilo tudo engraçado, apesar de que ninguém realmente estava contente com o próprio presente (não sem razão).

Hoje em dia me pergunto se a Professora G. não parou para pensar por um minuto que sua brincadeira inocente renderia essa situação constrangedora que praticamente reforçaria e daria uma licença poética para que as crianças se magoassem os colegas. Presentes têm um peso simbólico na cultura humana como um todo, como se condessasse em um objeto ou gesto aquilo que desejamos ou gostaríamos para a pessoa. Por isso, inclusive, que dar dinheiro como presente é algo tão vago e sem graça, como se fosse uma obrigação.

E se por um momento se decide usar desse gesto para demonstrar algo pejorativo na pessoa? Lógico que, de certa forma, o bullying pode até ajudar os mais novos a lidar com as intempéries da vida, mas isso quando há possibilidade de se revidar e reagir de qualquer forma. O que se pode fazer quando a vergonha vem em forma de um “presente”?

Eu penso que a Professora G. nunca mais fez aquilo, ou então fez mais algumas vezes até perceber o que isso estava causando. Do contrário, já teria recebido a notícia disso enquanto escândalo. Bom, mas pelo menos serviu para dar umas risadas na época e render esse pequeno relato.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *