A puberdade do terror

O cinema no início dos anos 2000 parecia buscar sua identidade visual própria – bem como qualquer adolescente. Não é à toa que a cultura pop era inundada por visuais sombrios e couro, mas ao mesmo tempo buscava nos clássicos uma reafirmação das suas raízes. Isso refletiu na onda de refilmagens que tivemos na época que a ideia era, basicamente, pegar uma história clássica e deixá-la mais sombria.

Quem deu início a isso foi o “Massacre da Serra Elétrica” de 2003, que contava com um aspecto mais sujo e um vilão ainda mais inexpressivo. A versão de 2009 de “Sexta-Feira 13”, vindo nessa pegada de humanizar os vilões, focou em mostrar comportamentos do personagem Jason, que ele não apresentava antes, tal como correr atrás de suas vítimas e montar armadilhas para facilitar seu trabalho.

Contudo, outro filme que melhor trouxe essa diferença de geração foi o “Hora do Pesadelo” de 2010. Saiu de cena tudo aquilo que deixava o vilão Freddy Krueger um personagem memorável, sua personalidade forte e sua característica falante, para um ser mais sério de poucas palavras. Além disso, o filme transformou a história de Krueger em algo mais grotesco. No original, o personagem sequestrava crianças e o filme deixa em aberto o destino das mesmas. Na refilmagem, o personagem era, inegavelmente, um pedófilo que foi caçado pelos pais das vítimas. Apesar de ainda manter forte o elemento sobrenatural, esse aspecto faz perto de uma tentativa de deixar esses vilões mais humanos.

Em suma essas mudanças visuais e de personalidades poderiam ter vindo para agregar bem mais no impacto desses personagens para o começo dos 2000. O grande problema foi que, no final das contas, o que essas refilmagens fizeram foi tirar tudo o que tinha de original no filme e padronizar ele de forma que ficasse mais datado do que os originais dos anos 1970 ou 1980.

Ainda teria muito o que falar sobre refilmagens, pois o início do século 21 também foi marcado por versões hollywoodianas de diversos filmes de terror asiáticos. Porém, existem outras vertentes que são interessantes de serem exploradas.

Entre a juventude que busca seu lugar pra marcar a geração sempre a aqueles que teimosamente insistem em ir pra caminhos diferentes. Seriam esses os rebeldes, então seguindo essa lógica os filmes “rebeldes” dessa época não estavam preocupados com a estética sombria, ou com jaquetas de couro, ou com rock progressivo, muito menos com vilões mais humanos: o que eles queriam mesmo era violência.

No eixo hollywoodiano, nos anos 90 a franquia “Pânico”, com sua metalinguagem que satirizava os clichês do gênero slasher, marcou de vez uma nova fase onde um assassino comum não era suficiente, pois tudo que viria depois tendia a ser comparado com a nova franquia que estava nascendo. Tivemos então, “Premonição”, onde a própria morte é o assassino, “Pânico na Floresta”, com caipiras canibais completamente deformados. Todos viraram franquias com as próprias regras e os próprios clichês, sem se importar em humanizar vilões e focando na violência.

“Jogos Mortais”, de 2004, é um grande exemplo dessa rebeldia da época – apoiado em sadismo a simples morte de personagens não era o suficiente. Os filmes são sádicos ao encurralar suas vítimas e eficiente em criar uma história de investigação com direito a reviravolta no final. O cineasta James Wan comandou o filme com takes rápidos para transmitir desespero e tensão, ao mesmo tempo que acompanhamos a busca de um detetive ao vilão do filme – algo parecido com terror giallo, gênero surgido na Itália que misturava terror sobrenatural com filmes noir americanos. Wan, mais tarde, homenagearia o gênero com o filme “Maligno”, de 2021.

Saindo um pouco dos Estados Unidos, mas seguindo na ideia dos filmes rebeldes, na França surgia um movimento chamado de New French Extremity, uma resposta transgressora ao terror que estava em alta na época. Aqui, além do grande teor de violência surgia também a necessidade de algo a mais na história. No filme “A Fronteira”, de 2007, um grupo de jovens realiza um assalto em meio a uma revolta política que estava ocorrendo na França na época, o grupo planeja buscar apoio na fronteira do país com a Holanda. Porém, eles entram no caminho de uma família que se diz patriota, mas não são nada além de sádicos. É importante ressaltar que em pleno 2007, os franceses já faziam terror e horror que a história contava com cunhos sociais e políticos – algo que o cinema de Hollywood só faria anos depois e após passar por uma fase extensa de terror sobrenatural onde o jump scare e o avanço tecnológico dominavam a tela.

Depois de 2010, podemos dizer que veio um “amadurecimento”. Em 2014, na Austrália, estreava O “Babadook”, um filme de terror sobrenatural que ao mesmo tempo falava sobre luto e estresse pós-traumático. Nos anos seguintes, já nos Estados Unidos, chegava aos cinemas “A Bruxa”, priorizando a atmosfera sinistra e o pânico religioso. A mesma ideia de terror atmosférico foi aplicada em “Hereditário”, de 2018, junto com também a ideia de luto e fardo familiar.

Seguindo até os dias de hoje, essa fase de amadurecimento, traz mais pano pra manga para debates, filmes cheios de camadas onde o terror vem de elementos, infelizmente, cotidianos, como observado em filmes do diretor Jordan Peele, usando o racismo em “Corra!”, de 2017, disparidade social em “Nós”, de 2019, e o sensacionalismo é opressão da mídia em “Não! Não Olhe”, de 2022.

Claro, toda regra tem exceções, ao longo dos anos surge filmes fora dos padrões da época esperando seu lugar de brilhar. Mas a visão que podemos apresentar sobre as épocas é sempre no marco, desde sua busca por identidade, passando pela rebeldia e finalizando no amadurecimento. O que vem a seguir eu posso apenas especular, mas eu diria que daqui a um tempo não falaremos mais de terror puro, apenas pelo terror. Em 2023, Ari Aster, diretor de Hereditário e “Midssomar”, promete lançar “Beau is Afraid”, com Joaquin Phoenix. Um filme que vem com a premissa de ser um terror com comédia, em uma pegada menos lúdica.

Se der certo, a transgressão do movimento atual, talvez seja a mistura do terror com outros gêneros mais inusitados, mostrando assim a sua versatilidade e chamando atenção até de vencedores de Oscar como o próprio Joaquin Phoenix.

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