Histórias de detetive são histórias de terror contadas de trás para frente

Não é estranho que tenha sido um escritor de terror o primeiro a criar um conto policial clássico. Edgar Allan Poe em seu conto “Os Assassinatos da Rua Morgue” lançava as bases do que seria posteriormente imitado à exaustão por diversos outros autores que se debruçaram em cima do gênero.

E analisando a proposta do conto e suas obras produzidas até então, é possível entender algo que ele se deu conta: histórias de detetive nada mais são do que histórias de terror contadas de trás para frente.

Para expor esse ponto, vamos pegar um outro conto de Poe. O nome dele é “O Gato Preto”. Também presumo aqui que o leitor já tenha lido essa história e saiba do que se trate.

Com isso em mente, vamos imaginar a narrativa de “O Gato Preto” iniciada não no seu começo clássico, com o narrador-protagonista admitindo a culpa e querendo livrar sua mente da angústia. Ao invés disso, imaginemos um cenário hipotético no qual Poe resolvesse contar a mesma história, mas a partir do momento que um detetive resolve investigar o desaparecimento da esposa do criminoso.

No caso, a trama seria a seguinte: um detetive da polícia recebe a denúncia que há dias uma mulher em determinada vizinhança desapareceu após uma discussão violenta com o marido. O detetive vai investigar junto de seus colegas policiais, estranha a atmosfera do local, mas não encontra nada demais. Antes de irem embora, ouvem o som de um lamento tenebroso vindo detrás de uma parede e, quando vão investigar, encontram um cadáver feminino com um gato preto em cima de sua cabeça. Ao questionarem o homem, ele confessa que havia matado a esposa e ocultado seu corpo porque ela havia o impedido de matar justamente aquele gato.

Só que essa narrativa, caso fosse assim, seria muito banal, apesar de interessante e de grande apelo popular devido a morbidez. Histórias dessa natureza são facilmente encontradas nas páginas dos jornais (digo por experiência por ter trabalho em uma redação). Contudo, Poe se deu conta de que, se pegasse uma história de terror que culminaria em um crime, e a contasse a partir da descoberta do crime em si e fizesse o caminho reverso, um novo gênero literário seria criado.

Não seria de se surpreender caso Poe tivesse imaginado “Os Assassinatos da Rua Morgue” em um primeiro momento em uma estrutura muito similar a uma história de terror tradicional, tal qual as que tinha escrito até então. Pessoalmente penso que essa versão seria tão boa quanto “O Gato Preto”, mas talvez fosse algo “mais do mesmo” e, ao que tudo indica, não era isso que o autor queria.

Nessa situação, não seria de se surpreender caso ele tivesse pensado em inverter o ponto de vista, o que é algo bastante comum de se fazer enquanto se cria histórias — e, novamente, também digo isso por experiência, uma vez que também sou escritor. E aí que nasceu a genialidade de Poe que, apesar de hoje em dia parecer algo óbvio, era inovador para a época. Além disso, existe todo aquele clichê de que as ideias mais geniais são as mais simples.

Honestamente, me questiono o que Poe pensaria ao ver que sua ideia foi levada ao extremo nos dois séculos seguintes. Até hoje as narrativas policiais são consumidas usando a mesma fórmula de uma história de terror narrada de trás para frente, apesar de que atualmente seja mais comum acompanhar seriados do gênero. Vira e mexe também me pego perguntando se a maioria das pessoas, em algum momento, se deu conta disso. Ainda mais quando dizem que não gostam tanto assim de terror.

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