Quando a internet foi usada para roubar um banco

Quando se pensa em um roubo a bancos, normalmente se lembra de cenas épicas de filmes que abordam o tema. Nesses filmes, os criminosos arquitetam um grande esquema que envolve infiltração, sabotagem e quem sabe até mesmo uma fuga épica que envolve trocas de tiro com a polícia. Ou então, quem sabe, os bandidos podem escavar um túnel até o cofre do banco e roubar o dinheiro manualmente, como ocorreu em agosto de 2005 no estado do Ceará.

O fato é que quase ninguém pensa, a princípio, que um roubo a banco pode ser feito através da internet, apesar de hoje em dia ser algo relativamente “óbvio”. Afinal de contas, furtos em contas bancárias de correntistas é algo que acontece praticamente todos os dias no mundo inteiro, além de clonagem de cartão de crédito. Este último, inclusive, é alvo de algumas polêmicas, pois alguns afirmam que o roubo de cartão de crédito é algo que os bancos podem tirar proveito ao diluir a cobertura dos prejuízos com uma margem de “lucro” entre todos os clientes – o jornalista britânico Misha Glenny expõe isso no livro “Mercado Sombrio: o Cibercrime e Você” (2011).

Então, se atualmente o roubo a bancos usando de meios digitais é algo comum, como foi a primeira vez que isso aconteceu e quem foram os responsáveis? Tudo começou em 1994 e envolveu o russo Vladimir Levin e o banco norte-americano Citibank.

Não existem informações muito concretas sobre quem ele é, mas o russo teria nascido em 1971 e desde muito jovem demonstrou interesse e talento para mexer com computadores e programação. Aliás, existem diversos desencontros sobre a formação do hacker, pois na época que o caso do roubo do Citibank veio à tona, a mídia informou que ele era bioquímico e matemático. Contudo, em 2005, um suposto membro do grupo que participou do esquema de roubo afirmou que Levin era, na verdade, um administrador de sistemas e não tinha nenhuma formação na área das ciências exatas.

Em 1993, dois hackers russos começaram a explorar uma rede de internet chamada Sprintnet que estava conectada em diversos países, estados e empresas dos Estados Unidos. Em determinado momento, eles obtiveram a localização de mais de 300 computadores do Citibank que estavam conectados nesta rede. Contudo, a maioria dessas conexões não permitia que se fizesse muitas coisas ou então estavam protegidas por senha. Até que, um dia, eles conseguiram entrar em um desses locais que pedia senha de acesso, pois provavelmente o usuário original esqueceu de se desconectar. Assim, eles exploraram a conta e conseguiram ver qual era a senha do usuário e consequentemente obtiveram outras.

Explorando as novas contas que tinham acesso, eles eventualmente acabaram se deparando com um computador que era responsável por fazer a transferência de dinheiro do Citibank. Contudo, eles perceberam que fazer essa movimentação financeira não passaria despercebida pelo banco e resolveram não arriscar. Porém, um deles era amigo de Vladimir Levin e em uma conversa ele acabou contando o que havia descoberto. Levin pagou uma quantia equivalente a US$ 100 pela lista de login e senha que eles haviam conseguido e resolveu explorar esse sistema.

Levin não teve tanto receio quanto seus amigos hackers em fazer uma transferência bancária ilegal. Quando se deu conta do que poderia fazer, ele começou a arquitetar um plano para fazer o roubo. Ele enviou um amigo à Finlândia e fez uma transferência de US$ 400 mil para que fosse retirado em um banco local e depois voltasse para a Rússia.

Apesar de o Citibank lidar com mais de US$ 500 milhões em transações diárias, é claro que um grande valor desses não passaria despercebido. Eles perceberam que tinha algo de errado acontecendo e rapidamente acionaram o FBI. Tanto a equipe do banco quanto as autoridades chegaram à conclusão de que os criminosos eventualmente fariam uma nova transferência ilegal e precisavam estar preparados para interceptar e identificar onde estavam acontecendo.

Enquanto isso, em São Petersburgo, Vladimir Levin entrou em contato com um amigo que era neurocirurgião e distribuidor de computadores e contou sobre o que havia feito. Esse homem era ligado a pessoas da gangue Tambov, que era formada por ex-lutadores que formavam bandidos de rua comuns e agiam como uma espécie de milícia, vandalizando e roubando proprietários de casas e comerciantes a não ser que fosse paga uma “taxa de segurança”. Basicamente, Levin, o neurocirurgião e representantes dos Tambov arquitetaram um plano que envolvia enviar membros da gangue em diversos países, abrirem contadas bancárias que seriam usadas para transferir o dinheiro e então voltariam para a Rússia com o valor em espécie. Os cúmplices viajaram para países como Argentina, Israel, Holanda e Inglaterra e executaram o plano.

Porém, tanto o Citibank quanto o FBI estavam monitorando a situação e estavam prontos para interceptar essas transferências. Em dado momento, um dos membros da gangue foi preso em Israel junto da esposa. Com a pressão da polícia, ele admitiu o esquema, mas as autoridades ainda não tinham provas substanciais do que estava acontecendo. Até que eles organizaram uma ligação que o membro da gangue ligaria para Levin e faria com que ele falasse a respeito do crime – o que de fato deu certo. Eles emitiram então um mandado de prisão, mas devido às relações difíceis com a Rússia, eles não conseguiriam uma extradição.

Ao longo dos seis meses seguintes, Levin seguiu fazendo transferências, mas dessa vez tanto o FBI quanto o Citibank estavam atentos a essas movimentações. Ao mesmo tempo, as autoridades estavam mantendo membros dos Tambov trabalhando para eles para descobrir alguma forma de prender o chefe daquele esquema todo. Até que, em determinado momento, foi descoberto que Levin iria fazer uma viagem até a Holanda, mas precisaria pegar ponte aérea no Reino Unido. Rapidamente, o FBI entrou em contato com a polícia local e Levin foi preso no saguão do aeroporto.

Paralelamente a isso, a polícia russa havia prendido diversos membros da gangue Tambov e acabaram encontrando os computadores pessoais de Levin, inclusive o que era usado para fazer as transações. Nesse momento, as autoridades dos três países passaram a cooperar no caso. Após 30 meses preso no Reino Unido, Levin foi deportado para os Estados Unidos e vendo como tinha uma quantidade grande de provas contra ele, acabou se declarando culpado.

Estima-se que Vladimir Levin roubou um total de US$ 10 milhões neste esquema. O FBI e o Citibank conseguiram recuperar boa parte deste montante, mas ainda sobraram US$ 400 mil que nunca foram recuperados e ninguém sabe aonde foi parar. Existe uma suspeita de que esse valor foi utilizado para comprar armas e drogas para a gangue Tambov.

Vladimir Levin foi solto três anos depois e não se tem certeza do seu atual paradeiro ou se ainda está vivo. Existem algumas especulações de que ele retornou para a Rússia, ou então estaria em algum lugar do Leste Europeu, como em Praga, na República Tcheca. Também há a possibilidade de ele ter mudado sua identidade para prosseguir com sua vida, pois seu nome acabou entrando para a história dos crimes cibernéticos.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *