Há alguns anos, o subgênero “found footage” foi incansavelmente explorado por Hollywood. Esse estilo de filmagem que simula uma gravação real surgiu há muito tempo, mas voltou aos holofotes em 2007 com a franquia “Atividade Paranormal” e logo virou tendência principalmente com filmes de terror. Além de ser barato de se produzir, esta estética, que busca trazer uma semelhança com a realidade, casa muito bem com terror — tanto que acabou por ficar totalmente saturado.
Felizmente agora em 2024, o filme “Late Night With The Devil” traz um novo respiro a essa técnica.
Em 1977, na noite de Halloween, o apresentador de talk show Jack Delroy, começa uma edição especial do seu programa, entrevistando um médium, uma parapsicóloga e sua protegida que estaria possuída por um demônio — e, é claro, um cético para fazer o contraponto. O que vemos é um documentário que resgatou a gravação desse programa e se propôs a exibir ela na íntegra.
O filme começa com uma pequena narrativa nos contextualizando do cenário atual e expondo a busca incessante de Jack Delroy por ser o número 1 na audiência. Dessa forma, o filme expõe logo de cara o seu assunto principal: o sensacionalismo e a ganância.
Durante boa parte de sua rodagem, o filme se dedica a assumir esse formato de talk show, no qual é sustentado pelo carisma de David Dastmalchian como o protagonista. Ele interpreta o típico apresentador desse tipo de programa alternando entre ser um comediante e um entrevistador. Todas as técnicas desse tipo de programa televisivo é usado aqui para te manter preso no filme e funciona ao mesmo tempo como uma crescente de tensão.
O programa começa leve, com o médium fazendo uma sessão de adivinhações, algumas piadas surgem aqui e ali até que as coisas aparentemente saem do controle. E por mais que essa sequência seja logo no início, após isso ainda tem muita água para rolar por baixo da ponte, ainda existe aquela sensação de tudo ser uma farsa, do apresentador estar manipulando tudo pela audiência e esses momentos são tensos pela dúvida mas ainda carregam em si o tom mais leve do filme.
Dito isso, o longa não é só daqueles com ritmo lento que tanto se fala, mas sim vai além e acaba por ser um filme de pura construção de atmosfera para ter um momento de ápice.
Essa fórmula de construção de tensão é de fazer terror com o ambiente em volta, não seria um problema se o ápice final fosse recompensador. Recentemente falei aqui sobre “Speak no Evil” e de como o final é tão chocante que te deixa em silêncio, isso acontece por conta da recompensa do que é desenvolvido ao longo do filme.
Em “Late Night With The Devil” a construção é melhor que a recompensa.
O que vale pontuar de mais importante, e é o que leva a construção ser tão boa, é a química entre todo o elenco fazendo crer realmente que aquelas pessoas gravam diariamente um episódio para a TV. Em especial a atuação de Ingrid Torelli como a garota possuída, que é tão boa de uma forma que é exagerada e sutil ao mesmo tempo — você percebe que é só uma garota, mas que tem algo de errado com ela. Muito da expectativa criada em volta do surgimento do tal demônio é mérito da atriz, que nos dá pequenas dicas com a atuação corporal e sutis mudanças no tom de voz.
Além de vermos o programa no formato gravado para a TV, também temos, durante os comerciais, trechos de bastidores em preto e branco. Esses trechos tiram um pouco da imersão do aspecto de found footage, mas são essenciais para amarrar e dar o grau de severidade dos eventos que estão acontecendo sem toda a polpa da TV, são nesses trechos que temos a certeza do que foi falso e real e também onde vemos o protagonista deixando a ética de lado em nome da audiência.
Juntando essas cenas, com a crescente falta de controle do programa, se cria toda a expectativa para a grande revelação: o demônio presente na garota. Talvez seja redundante o que eu vou ditar aqui, mas a construção da tensão em volta do demônio, ele sendo real ou não, é tão bem feita que nenhum desfecho seria totalmente satisfatório.
E esse é o maior defeito do filme.
Com essa cara de filme independente e um conceito experimental, “Late Night With The Devil” é uma interessante experiência que traz um respiro para o found footage e para os filmes de possessão demoníaca de forma geral.
Infelizmente, a obra está disponível no serviço de streaming britânico Shudder, que não está disponível no Brasil e que muito faz falta na nossa terra, já que abrange obras de terror tão únicas quanto “Late Night With The Devil”.
