Quando o poder transforma o sábio em imbecil

Existem dois reis diferentes habitando o corpo do mesmo monarca: o que ascende e o que cai. Nunca são o mesmo, apesar de seguirem assinando com o mesmo nome no rodapé de qualquer decreto.

Então qual a diferença entre eles? É simples: o segundo se transformou em um retardado mental após experimentar o poder.

Algumas pessoas são mais resistentes aos efeitos inebriantes do poder, da mesma forma como alguns homens são mais tolerantes ao vinho do que outros. Porém, não existe um único ser humano que seja invulnerável aos efeitos de ser continuamente exposto a capacidade de fazer os outros fazerem o que se quer – bem como no caso do álcool. Caso não tenha acontecido isso, é porque o poderoso é uma pessoa mais tolerante ao poder e cedeu o posto antes de ser suficiente exposto a ele. São exceções em casos específicos. Em outras palavras, seria uma questão de tempo até que caísse em desgraça. Até mesmo Salomão, o mais sábio de todos os reis da história, sucumbiu eventualmente. E essa talvez seja uma das lições mais valiosas que se pode extrair do Antigo Testamento.

Isso ocorre em todos os setores do mundo: política, família, exército, negócios, tudo. E caso o leitor esteja duvidando do que disse, comece a prestar atenção nos sinais. Vamos começar pelo microcosmo, pois é mais fácil de entender dessa forma.

Atente-se nos chefes, encarregados ou gerentes (ou qualquer pessoa que tenha subordinados) de sua empresa. Busque saber quanto tempo eles estão no cargo para ter uma noção das coisas e qual é a opinião geral dos colegas com relação a essas pessoas – visões sinceras, não aquelas respostas-padrão que todo mundo dá para evitar problemas. Conforme o tempo passar, observe a forma como os poderosos lidam com o próprio trabalho.

Um cenário possível é que a prática levou tanto a perfeição quanto ao descuido e eles começam a cometer vários erros que normalmente não se espera que cometa após tanto tempo – não que alguém vá comentar isso em voz alta. Outra alternativa é parecida com a raiz do problema dessa primeira, mas não é exatamente a mesma coisa: o sujeito pode acabar relaxando na posição, delegando as coisas sem pesar muito as consequências, jogando a culpa nos funcionários abaixo dele e só murchando um pouco a própria postura quando encontra com clientes, patrocinadores ou então um possível superior.

Em todos os casos, quando algo se torna insustentável, esse tipo de poderoso tende a dar o famoso “carteiraço” quando sua competência é posta em xeque.

Esses cenários também se revelam nos Três Poderes de um país, com a pequena diferença que eles são mais evidentes. No caso, vale ressaltar também eles são mais fáceis de serem observados pelo fato de que a maioria das pessoas não está envolvida diretamente com a política e essa distância é boa para ver as coisas do ponto de vista temporal e dinâmico.

Observe os últimos presidentes e líderes mundiais, no começo e no fim de um mandato: eles não pareciam ser mais inteligentes antes? Não é só impressão, pois eles era de fato. Não é que “eles se revelaram ser incompetentes após serem eleitos” (discurso bastante apreciado pelos opositores), mas sim um efeito natural do poder. E sejamos justos: para chegar em um posto de poder, a pessoa precisa de um mínimo de inteligência, nem que seja para convencer uma massa de ignorantes a votar.

Por isso que, muitas vezes, as leis do poder nos orientam a prestar atenção não diretamente em um monarca ou líder, mas sim na corte que orbita ao redor dele. “Mais relevante que o rei é quem aconselha”, como diriam. Quem está envolvido com o poder em alguma medida e precisa ser ardiloso para com todos ao redor, mas ao mesmo tempo não tendo o poder de forma direta, geralmente é aquele tem as coisas funcionando da forma como quer, mas ao mesmo tempo sem emburrecer. É como o homem que bebe uma taça de vinho por noite todos os dia, ao invés de em uma única noite beber cinco garrafas de uma só vez.

O problema é que vez ou outra dá vontade de meter o pé na jaca até que finalmente acontece. E o inevitável também.

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