Livros físicos e digitais devem coexistir pacificamente no futuro

Diversos teóricos da comunicação do século 20 afirmavam que as novas mídias acabariam sufocando as antigas ao ponto de “matá-las”.

O tempo mostrou não só que essas impressões estavam equivocadas como também revelou que todas as fontes de informação e entretenimento coexistem em um grande ecossistema midiático. Além disso, não é raro ver casos em que dois ou mais canais acabam se complementando. Essa realidade também pode ser vista na literatura, pois os livros digitais tendem a ter uma convivência pacífica com os livros físicos – ao contrário do que muitos imaginavam.

Ao olhar os catálogos dos sites das principais livrarias e comércios eletrônicos, fica evidente a diferença entre os valores dos livros físicos e digitais. Em média, um consumidor pode comprar até oito e-books com o dinheiro que gastaria em um único volume de papel. Contudo, para a editora e escritora Cristina Lasaitis, isso não significa necessariamente que os livros físicos esteja com os dias contados.

– O que o crescimento do mercado do livro digital demonstra é que caminhamos para uma situação de coexistência entre os dois formatos, sendo que para ambos há público expressivo, com uma boa fatia dos leitores consumindo livros em ambos os suportes. O fortalecimento das livrarias virtuais, que conseguem vender livros por preços com os quais as livrarias físicas não têm como competir, atraem um considerável público de compradores. Eu acredito em um equilíbrio entre o mercado de livros digitais e impressos, bem como o triunfo das livrarias virtuais.

As lojas físicas devem ser as mais atingidas com essa nova realidade. Grandes redes do setor livreiro estão enfrentando uma crise que inclusive já fechou pontos de vendas, como o caso das livrarias Cultura e Saraiva. Para Cristina, isso é reflexo do deslocamento de consumidores para as plataformas digitais. A mesma ainda afirma que isso acarretaria em um afastamento com as pessoas.

– Eu temo pelo futuro das livrarias físicas por pensar em como seria o mundo sem elas. Perderíamos a principal forma pela qual se dá a aproximação do público leitor com as obras: a experiência sensorial da vitrine, do manuseio, do folhear casual, do livro como objeto atraente para o contato, a descoberta de novidades. Na ausência das lojas, talvez as bibliotecas e as feiras passem a ser os principais lugares onde é possível ter essa experiência. E muito embora eu seja uma autora que tem a vaidade de ver meus livros impressos, vejo com bons olhos o deslocamento das preferências para o livro digital, por uma mera questão de sustentabilidade.

Além dessa nova realidade do mercado literário, as consequências mundiais causadas pela pandemia também estão afetaram esse setor. Cristina Lasaitis explica que o mundo editorial é sempre um dos primeiros a serem afetados em qualquer tipo de crise econômica, pois o consumo de livros não vira uma prioridade dentro desse contexto. Apesar disso, os livros digitais devem ter alguma vantagem após esse período de turbulência.

– É um mercado que flutua muito e a todo momento há editoras e livrarias abrindo e fechando as portas. Em geral, quando uma crise se instala, as editoras sintonizam o “modo de sobrevivência” e se voltam para nichos mais essenciais e garantidos, como são os livros didáticos e paradidáticos, algumas áreas técnicas e os best seller. O cenário da pandemia mudou e vai mudar muita coisa no mercado editorial. A crise para as livrarias físicas e para o mercado do livro impresso em geral deverá ser grande, mas parece que o mercado de livros digitais vai sair fortalecido. Parece inevitável, no curto prazo, que os leitores que querem comprar o livro físico acabarão se voltando para as lojas virtuais, neste momento porque não podem ou não devem sair de casa e as lojas de rua estão fechadas.

O hábito dos leitores mais tradicionais de entrar nas livrarias para manusear as páginas também deve ser revisto. As mudanças também devem ser observadas na forma como os grandes eventos literários vão ocorrer nos próximos anos, como as feiras de livros e bienais.

Oportunidades para escritores iniciantes e independentes

Os novos formatos trouxeram oportunidades para autores iniciantes ou que buscam maior independência. Pelo fato do mercado tradicional ser muito mais flutuante do que outros setores econômicos, as editoras têm receio de investir em novos autores.

Sendo assim, vários escritores encontraram as plataformas digitais como alternativa. Mas apesar de ser atraente, essa forma de publicação requer um trabalho de divulgação tão grande quanto o próprio ato de produzir um livro. O escritor e revisor Jean Gabriel Álamo, conhecido por suas histórias de ficção científica, fala sobre a proximidade com seu público através das redes sociais.

– Assim como uma empresa precisa criar seu público-alvo a partir de uma prospecção de persona, assim precisa fazer o escritor com mais intensidade quanto mais inventiva sua obra for. No fim das contas, o livro, seja ele físico ou não, é um produto. Sendo produto, o leitor é o cliente. Portanto, o escritor, ou mesmo a editora pela qual ele eventualmente publique, precisa ter esse relacionamento positivo com quem compra as obras.

O autor também fala que os e-books podem acabar se tornando uma alternativa para que pessoas com baixo poder aquisitivo possam ter acesso à literatura. Além disso, Álamo ainda conta que a maioria dos consumidores de livros digitais lê através dos smartphones e não com o auxílio de um aparelho próprio para leitura – fator que costuma trazer muitas dúvidas com relação aos e-books.

– A forma como o e-book funciona hoje é similar, em termos de mercado, aos penny dreadfuls da Inglaterra Vitoriana e aos posteriores pulps (livros de histórias ficcionais produzidos com papel de baixa qualidade destinados para o consumo popular). Um formato barato, prático e que visa atingir a massa que não pode pagar dezenas de reais num único volume. Isso significa que, dispondo do valor de um único livro, o sujeito pobre ou de classe-média baixa pode manter um hábito de leitura. E pelo que percebo, dentro dessas massas, a grande maioria lê pelo celular. São leitores que querem ler durante a ida ao trabalho, antes de dormir, quando não querem ver TV ou se entreter com a internet mesmo. Essa critica com relação a necessidade de se ter um aparelho próprio para leitura sempre vem de gente que não tem o hábito de ler e-books.

Mesmo com essa opção de publicação que reverte a maior parte do valor da venda para o autor, Jean Gabriel Álamo afirma que viver exclusivamente de literatura depende de fatores tão instáveis que não é possível contar com essa possibilidade. Segundo o escritor, nem mesmo os autores mais conhecidos de nichos mais amplos conseguem se sustentar apenas da venda de livros.

Um autor de literatura de nicho dificilmente conseguirá viver apenas dos royalties de seus livros. Isso se aplica mesmo a autores publicados em grandes editoras no Brasil. Vide André Vianco e Eduardo Spohr, por exemplo, ambos de literatura fantástica, mas têm o grosso de seus rendimentos de oficinas de escrita. Ou meu caso, por exemplo, que, a cada livro publicado, tenho mais clientes em serviços de edição de livros de terceiros.

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