O bizarro mundo das lost medias

Não seria exagero dizer que a maioria das mídias produzidas pela humanidade está perdida para sempre. Desde simples pinturas rupestres até filmes mais modernos: grande parte de tudo que foi produzido nunca será visto. E esse fato causa certo fascínio por grande parte das pessoas.

Este é o universo das lost medias.

Uma lost media se refere a qualquer tipo de conteúdo, como filmes, programas de TV, músicas, livros e jogos que foi produzido mas que não está mais disponível ao público ou é extremamente difícil de encontrar. Esse conteúdo pode estar perdido devido a falhas de arquivamento, destruição deliberada, problemas de direitos autorais, obsolescência tecnológica, dentre outros motivos.

A busca e recuperação de lost medias é um interesse bastante comum entre historiadores, fãs e colecionadores, que muitas vezes trabalham para localizar, restaurar e disponibilizar esses conteúdos novamente. Porém, não apenas entre aficionados e especialistas que esse interesse ocorre. Internautas médios muitas vezes também se sentem impelidos a fazer buscas a respeito de conteúdos que, no passado, estiveram disponíveis, mas que atualmente são muito difíceis de serem encontrados.

Tentativas de preservação e recuperação buscam evitar a perda total das obras originais. Podemos citar iniciativas como o Lost Media Wiki, fundado por Daniel “Dycaite” Wilson em 2012, que liderou a busca por inúmeros exemplares de mídia perdida, principalmente programas de televisão obscuros ou não transmitidos, mas também de música, livros e jogos.

Armazenamentos em acervos, sendo um exemplo o Arquivo Mundial do Ártico, também costumam ocorrer. Este, aliás, foi escolhido para a preservação de códigos em repositórios públicos no GitHub, junto com uma ampla gama de dados de interesse de várias empresas, instituições e governos, incluindo as Constituições do Brasil e da Noruega.

Casos emblemáticos

Grande parte das mídias audiovisuais que foram produzidas antes do advento da internet estão perdidas atualmente devido a dificuldade de armazenamento desses conteúdos, que era feito através de fitas. Assim, existe grande esforço da comunidade online para tentar achar tais conteúdos, pois eventualmente pode ser que alguém tenha salvo uma cópia em um acervo particular e, posteriormente, possa disponibilizar para o público.

Exemplo disso são os vários episódios das primeiras temporadas do popular programa de TV britânico “Doctor Who” que foram apagados ou perdidos pela BBC nos anos 1960 e 1970. Apesar de alguns terem sido recuperados, muitos episódios da era do Primeiro e Segundo Doutores permanecem perdidos.

Também podemos citar mídias muito mais antigas, como o filme “Cleópatra”, de 1917, estrelado por Theda Bara, que se perdeu quase inteiramente. Apenas alguns fragmentos sobreviveram, tornando-o um dos filmes mais procurados da era do cinema mudo. Outro exemplo é o filme “London After Midnight”, de 1927, que foi um filme de terror mudo estrelado por Lon Chaney. Considerado um dos grandes filmes perdidos de Hollywood, todas as cópias foram destruídas em um incêndio no estúdio da MGM em 1967.

Apesar destes exemplos serem bastante antigos, existem conteúdos mais recentes que foram produzidos, mas que hoje em dia se encontram perdidos. Este é o caso de alguns jogos de videogames.

Um dos casos mais notórios é o “Resident Evil 1.5”, de 1996. O jogo foi quase concluído, mas Capcom decidiu refazê-lo do zero, resultando no que conhecemos como “Resident Evil 2” lançado em 1998. Partes do jogo original foram vazadas online, mas a versão completa nunca foi lançada.

Também de 1996, um jogo da franquia Sonic the Hedgehog era planejado para o Sega Saturn. Porém, ele foi cancelado devido a dificuldades técnicas e problemas de saúde da equipe, embora protótipos e imagens tenham aparecido online. Também podemos citar “Akira”, de 1994, que foi um jogo baseado no famoso filme de anime. Ele foi planejado para o Super Nintendo e Sega Genesis. No entanto, o desenvolvimento foi cancelado e apenas algumas imagens e vídeos de gameplay foram divulgados.

As músicas que ninguém sabe a autoria

Evidentemente que existem músicas que foram produzidas, mas que atualmente se encontram perdidas. Exemplo disso é o “The Black Album”, do Prince, de 1987. O artista retirou de circulação logo antes de seu lançamento oficial. Algumas cópias foram feitas e vendidas ilegalmente, mas o lançamento oficial só ocorreu em 1994. Algumas gravações e demos iniciais da banda Radiohead, feitas antes do lançamento de seu álbum icônico “OK Computer”, são consideradas perdidas ou nunca foram divulgadas publicamente.

Porém, existe um tipo de conteúdo musical que pode ser considerado uma “lost media ao contrário”, que são conhecidas como “lost waves”. A grosso modo, estas são músicas que circulam na internet, mas que ninguém sabe sua autoria verdadeira. Dessa forma, temos acesso ao material, mas não se tem ideia de quem é o criador.

Esse fenômeno é relativamente comum e pode envolver uma variedade de gêneros e estilos musicais. Essas músicas são compartilhadas em plataformas, redes sociais ou sites de streaming, muitas vezes com títulos e metadados imprecisos ou ausentes. Além disso, usuários podem erroneamente atribuir músicas a artistas famosos, especialmente quando as músicas têm um som similar ao do artista suposto.

Outros artistas podem também lançar músicas de forma anônima por razões artísticas ou pessoais, resultando em faixas cuja autoria nunca é conhecida. Em alguns casos, a música pode ter sido distribuída apenas em fitas ou discos que não foram preservados, deixando apenas gravações de baixa qualidade sem informações precisas.

O exemplo mais famoso é da “The Most Mysterious Song on the Internet”, também conhecida como “Like The Wind”. Uma faixa de new wave/synth-pop que foi gravada de uma estação de rádio alemã chamada Norddeutscher Rundfunk nos anos 1980, provavelmente após 1984, e compartilhada online. Apesar de muitos esforços de pesquisa, a identidade do artista ou banda permanece desconhecida.

De acordo com a história, um adolescente e DJ chamado Darius S. gravou a música de um programa de rádio na estação de rádio. Ele gravou a música em uma fita cassete e fez uma mixtape, que também incluiu músicas de XTC e The Cure. Para obter gravações limpas de músicas, ele removeu os diálogos dos apresentadores de rádio, provavelmente por isso que a data exata de exibição e o título são desconhecidos.

Os pesquisadores concordam que o cantor tem algum tipo de sotaque europeu, mas o tipo específico não é claro. Tem havido alguma especulação de que a música foi gravada em 1984, já que a maioria das outras músicas da fita cassete foram lançadas nessa época.

Durante anos, uma música brasileira também foi considerada uma lost wave, mas recentemente foi identificada e atribuída. “Feels Like a Wish”, anteriormente conhecido como “Fond My Mind” ou “A Música mais misteriosa do Brasil”, é uma música da dupla brasileira Station K., composta por Edde Edman e André Nóbrega. A música foi transmitida em várias rádios brasileiras durante o final dos anos 1980 e início dos anos 1990. Seus artistas e nome eram desconhecidos quando foi enviada para spiritofradio.ca, um site dedicado a ajudar a identificar músicas desconhecidas.

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