Labirinto Mortal: os ratos de túneis da Guerra do Vietnã

Um túnel sinuoso, com apenas 80cm de altura e 60cm de largura. Nenhum som além da própria respiração, escuridão quase total. Horas se arrastando nesse ambiente opressivo, com pouco ar e a morte espreitando à cada esquina.

Essa era a rotina dos “Ratos de túneis”: soldados especializados em detectar, explorar e destruir os túneis usados pelos combatentes vietcongues na Guerra do Vietnã, também conhecidos como Cuchi.

Uma nova forma de combate

Habituados às batalhas convencionais entre tropas na superfície, o exército americano se deparou com uma nova forma de combate na Guerra do Vietnã. O inimigo não se movia em grandes formações na superfície, nem atacava em frentes de batalha bem definidas.

Ele simplesmente parecia surgir e desaparecer sem deixar rastros, escapando da captura e atacando onde menos se esperava. Isso graças à complexa rede de túneis que eram usados pelas tropas vietcongues.

Cidades subterrâneas

As extensas e complexas redes de túneis não foram construídas do dia para a noite. Sua construção teve início ainda no fim da década de 1940, durante a primeira guerra da Indochina, como meio de comunicação entre vilas e também de evasão das incursões francesas. Mais tarde, foram sendo expandidas, criando complexas redes de túneis, bunkers e cavernas.

Na região de Cu Chi, as redes de túneis se expandiam por 250km, com até três andares de complexos que incluíam abrigos, cozinhas, hospitais, estoques de comida e munição, além de salas de treinamento e conferência, onde poderiam planejar os combates em segurança.

As entradas dos túneis eram habilmente camufladas em meio a mata, tornando quase impossível de serem detectadas. Eram muito pequenas, de forma a permitir apenas a entrada de um soldado vietnamita por vez, com muitos soldados americanos sendo incapazes de passar por espaços tão apertados.

Para lhes dar uma ideia da eficácia dos túneis na região de Cu Chi, os americanos instalaram uma base em cima da rede de túneis, e mesmo tendo helicópteros danificados por sabotagem, comida roubada, soldados mortos nos beliches, não conseguiam descobrir como isso ocorria sem ter o perímetro invadido. Isso porque não conseguiam encontrar as entradas camufladas dos túneis em meio a base, por onde os vietcongues tinham livre acesso ao local.

Mais tarde, a existência de túneis na região foi descoberta pelos americanos, e operações de busca e destruição dessas redes foram lançadas, como as operações Crimp e Cedar Falls. Mas o método empregado inicialmente, de tentar destruir as entradas dos túneis, se provou ineficaz, já que o solo da região possuía uma característica interessante: rico em ferro e com uma linha d’água que só surgia abaixo de 10 metros de profundidade. Assim, era fácil de escavar, mas uma vez em contato com o ar, ficava duro como concreto. Isso permitia que fosse construído sem necessidade de vigas de apoio e que resistisse aos bombardeios que visavam a sua destruição. Devido a esse problema, surgiu a necessidade de soldados capazes de adentrar esses túneis, eliminar ameaças e destruí-los.

Assim surgiram os “Ratos de Túneis”.

Esses soldados geralmente eram magros, baixos, de forma a caber nos espaços apertados dos túneis. Também precisavam ter uma resiliência mental enorme, para se arrastar por horas no escuro, onde a morte poderia estar espreitando a cada esquina.

E não só a possibilidade de encontrar inimigos nos túneis poderia causar terror nos soldados que se aventuravam nesses locais apertados, mas também outros perigos os aguardavam: aranhas, morcegos, armadilhas como estacas punji e granadas, túneis inundados, poços com cobras venenosas ou cobras amarradas em bambus nas paredes dos túneis, nichos com escorpiões e fios para liberá-los contra um invasor desavisado, túneis sem saída onde eram impossível voltar por serem apertados, condenando o soldado a asfixiar até a morte.

Peso leve: os equipamentos

Para enfrentar todos esses perigos, os Ratos de Túneis precisavam abandonar muitos de seus equipamentos, que seriam inúteis nos túneis e atrapalhariam a movimentação. Capacetes, cantis, fuzis, tudo era deixado do lado de fora.

No início, o equipamento de exploração dos Ratos consistia apenas em uma pistola ou revólver e uma lanterna, mais tarde passaram a usar também uma bússola, um fio para marcar o caminho e uma baioneta para testar a existência de armadilhas ou para quando a luta ficasse corpo a corpo nesses locais apertados, o que exigia reflexos tremendamente rápidos. Também tinham a opção de levar uma máscara de gás, mas muitos dos Ratos preferiam deixa-la do lado de fora, já que prejudicava a visão já precária na escuridão, diminuía a capacidade de ouvir sons nos túneis e atrapalhava a movimentação.

Um mortal jogo de gato e rato

Explorar túneis repletos de armadilhas, animais peçonhentos, inimigos e material era uma tarefa nova, para a qual não havia “manual de operações”. Coube a esses homens desenvolver as melhores táticas e procedimentos de exploração.

Como os túneis eram apertados, não havia a possibilidade de mais de um soldado se mover por eles ao mesmo tempo. Mas geralmente os Ratos entravam em duplas, um após o outro, normalmente um “novato” ia na frente, guiado pelo Rato mais experiente, que indicava o que deviam fazer.

Lentamente explorando, os Ratos tentavam mapear a forma das redes de túneis e anotar qualquer informação ou descoberta valiosa. Também tinham a tarefa de destruir qualquer estoque de comida ou munição que encontrassem nesses locais.

A tensão a cada curva, onde um inimigo poderia estar armando uma emboscada, era enorme, e os Ratos aprenderam a nunca disparar mais de três tiros sem recarregar, para evitar que fossem surpreendidos sem munição. Também passaram a usar lentes vermelhas nas lanternas, para diferenciá-los das luzes amarelas das velas e lanternas dos vietcongues.

Apesar de no início usarem pistolas ou revólveres em calibre .45, o alto barulho e o alto brilho do disparo tiravam dois importantes sentidos dos soldados por vários segundos: a visão e a audição. Em um combate nos túneis, segundos poderiam ser a diferença entre a vida e a morte, por isso muitos Ratos acabavam preferindo revólveres em calibres menores, espingardas de cano serrado ou então apenas uma baioneta ou faca, que era ferramenta de exploração, eliminador de cobras, desarmador de armadilhas e arma de combate que nunca falhava ou ficava sem munição.

Assim que a exploração terminava, os Ratos instalavam explosivos para selar os túneis, ou usavam químicos para tornar os túneis inabitáveis por meses. Em seguida, iam para o próximo túnel necessitando exploração. Era um trabalho terrível, psicologicamente impactante e insalubre, mas que não deixa de demonstrar a coragem e a tenacidade desses homens, que desafiavam a morte a cada segundo nesse jogo mortal de “Gato e Rato”.

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