“X” e “Pearl”: o início de um sonho

Um dos meus subgêneros favoritos do terror é o slasher.

Aqueles filmes com assassinos mascarados e mortes memoráveis, com o passar dos anos algumas convenções do gênero foram se moldando e se aperfeiçoando. Algumas das mais comuns são o elemento da “final girl”, que consiste na protagonista feminina que sobrevive ao final e que essa final seria a virgem, a mais pura por assim dizer.

Sendo assim, em 2022, o diretor Ti West iniciava sua trilogia slasher, subvertendo as convenções do gênero de maneira mais subjetiva e mirando diretamente na essência do filme.

“X – a marca da morte”, como foi conhecido no Brasil, acompanha uma equipe de filmes adultos que se instalam em uma fazendo para gravar um de seus longas, porém em uma reviravolta os moradores do local passam a ameaçar a vida da equipe.

É inegável que o primeiro ponto que chama atenção é: “por que justo um filme pornô?” Uma dessas convenções do gênero era justamente as cenas de sexo, seja por apelação para mostrar os seios de alguma atriz, ou para mostrar uma característica de assassinos como Jason de “Sexta-feira 13”, popularmente Jason sempre matava quem transava pois, supostamente, odiava o ato por ter sido criado por uma mãe fanática religiosa.

Porém, em “X”, o sexo deixa de ser algo pontual para ser usado em cenas específicas e passa a ser tratado de maneira banal. Deixando de lado a “pureza” do longa e dificultando a identificação da final girl.

Em certo momento, a personagem de Jenna Ortega parecia cumprir todos os requisitos dos clichês de uma final girl, até que ela se interessa por uma cena do filme adulto e decide por si só, grava uma sequência de sexo. Fazendo isso, o filme desmoralizou a personagem, e cravou que, se existe uma final girl, ela não é a habitual.

Além disso, o fato de estar acontecendo atos sexuais na fazenda é o que desencadeia a matança do filme. Indo ao contrário do brutamontes mascarado que seria o comum nesse tipo de filme, aqui temos uma mulher idosa como algoz, sua motivação sendo o fato de que ela não tem mais a mesma aparência de antes.

A luxúria então passa ser o tema central, e a protagonista, Maxine, interpretada por Mia Goth, passa ser elemento essencial para isso, literal e subjetivamente. Afinal em uma sequência de diálogo entre ela, e a idosa assassina, Pearl, é exposto para nós que a psicopata sempre sonhou em ser uma estrela e que, um dia, já foi bonita como Maxine.

Em uma sacada muito boa do diretor, a personagem Pearl também é interpretada por Mia Goth, fazendo paralelos entre as duas personagens, ambas sonhavam ou sonham em ser grandes estrelas e se apoiavam na sua aparência jovial para isso. É como se víssemos passado e presente na tela.

Apesar de “X” ser uma experiência única de como encarar o gênero slasher, todo resto do roteiro que não envolva Pearl e Maxine, e por consequência a atriz Mia Goth, deixa um pouco a desejar.

Temos algumas sequências de humor que em certo nível até funcionam, porém estão concentradas no início do filme, dando a impressão que ele está adiando o momento decisivo. O resto dos personagens são explorados no mínimo necessário, sendo suficiente a gente saber o que motiva eles.

Quando começam as cenas de gore é recompensador. O filme entra numa espiral de autorreflexão que até parece que nunca vão chegar no ponto da violência. Quando chega é um contraste tão grande que, mesmo não sendo tão violento como outros longas, acaba nos surpreendendo e valendo a jornada.

Apesar de ter sido lançado em 2022, “X – A marca da morte” teve suas filmagens durante a pandemia de 2020, fazendo com que passasse por atrasos.

Durante a quarentena e presos em seus quartos de hotéis na Austrália, o diretor Ti West e a atriz Mia Goth começaram a trabalhar melhor para compor a personagem de Pearl, e nessa revisão de roteiros surgiu a ideia de fazer uma prequel, uma sequência que se passa anos antes, mostrando a juventude da personagem que se tornaria a assassina fria de “X”.

Com isso, no ano seguinte e aproveitando muito do set de filmagens de “X”, “Pearl” foi lançado.

Com uma proposta ousada e diferente do seu antecessor, “Pearl” faz um estudo de personagem, explorando camadas psicológicas e nos mostrando o que faz as pessoas irem até as últimas consequências.

Ambientando em 1918, a jovem Pearl vive na sua fazenda com sua mãe e seu pai deficiente enquanto aguarda seu marido voltar da guerra. No ambiente controlador a jovem fantasia com seu futuro, tendo a certeza que merece mais de sua vida.

As cores e o visual da época, junto com uma trilha sonoro cintilante, nos dá a impressão que estamos vendo um cinto da fadas. Aliás, a própria protagonista parece se ver como uma espécie de Cinderela, e sente repulsa ao ser obrigada a realizar tarefas da fazenda enquanto cuida do seu pai debilitado.

Aqui não é necessário qualquer tipo de contexto histórico, apenas entender que estamos numa época mais conservadora, onde a tarefa de Pearl como mulher comprometida era esperar seu marido voltar de seus deveres militares, como não existiam qualquer meio mais moderno de comunicação não era possível saber sequer se ele estava vivo.

Vivendo em angústia, Pearl fantasia com seu futuro promissor, aqui no longa apresentando sequências que transitam entre o real e o falso expondo a natureza hostil e instável da personagem. Pearl é como se fosse uma grande bomba relógio, a todo momento parece conspirar em sua própria mente sobre sua próxima ação, não sabendo se cede aos pensamentos ou se resiste, o que faz dela imprevisível.

Em uma cena de plano estático, temos um monólogo onde ela expõe todas as suas frustrações e confessa todos os crimes que cometeu até o momento. O texto e a interpretação de Mia Goth fazem a personagem parece muito mais complexa do que realmente é, nos apresentando conceitos antes dela cair na tentação de matar mais inocentes.

Apesar de acertar muitos pontos, “Pearl” não tem muito por onde caminhar que não seja tudo o que já foi visto em “X”. As ideias são boas e fazer um estudo de personagem sobre uma vilã faz do longa uma sequência ousada e que agrega na experiência de assistir o filme anterior através de seus conceitos.

Colocar Mia Goth para interpretar as duas personagens é um acerto, pois dá a impressão de um círculo sendo feito. Como se todo o conservadorismo é opressão sofrido por Pearl fosse se repetir com Maxine. Não por menos, o gatilho que ativa o instinto assassino de Pearl em X é a rejeição.

Ti West mostrou domínio na direção em ambos os longas, sacrificando parte do roteiro para exaltar sua protagonista, o que temos aqui são dois filmes de terror sem desviar do foco principal. A conclusão de seu discurso vem com “Maxxxine” onde mais uma vez fica claro a intenção de contar essa história, trazendo obsessão, violência e depravação para uma Hollywood dos anos 1980.

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