O terror de uma guerra urbana

Ao longo dos séculos, a doutrina militar tinha uma máxima que costumava ser respeitada pela maioria dos reis e generais: evitar a todo custo um combate em ambientes urbanos. Isso é tão evidente que, ao longo da literatura a respeito de estratégias de guerra, sequer eram citadas estratégias de luta em cidades, uma vez que essa medida era altamente desencorajada. Táticas de cerco, no caso de localidades muradas, eram frequentemente debatidas, mas uma luta dentro de uma cidade era algo a ser evitada a todo custo.

E os motivos para isso não faltam: combates urbanos são um verdadeiro inferno na terra para qualquer exército. Porém, a maior dificuldade está para a força que precisa tomar a cidade onde o conflito se desenrola. Enquanto isso, os defensores possuem diversas vantagens a seu favor neste tipo de ambiente.

Mas então como dominar uma cidade? A verdade é que não existe uma resposta definitiva para isso e tudo depende de diversos fatores – o que, até aqui, nada difere de uma guerra em qualquer outro ambiente.

Após dominar um bairro ou área, o exército invasor precisa checar casa por casa, prédio por prédio, para assegurar uma dominação completa. Nesta tarefa existem desafios como a diferenciação entre civis e combatentes, risco constante de armadilhas e emboscadas, comunicação, opinião pública e resiliência.

O que não se pode negar é que uma guerra travada em uma cidade pode se tornar um verdadeiro terror para todos os envolvidos.

Complexidade do terreno

Cidades são assentamentos complexos e confusos até mesmo para moradores e gestores.

Dependendo do local, é possível que uma pessoa more em um mesmo local durante toda uma vida e não conheça totalmente. Para se ter uma ideia do quanto uma cidade pode ser desconhecida até mesmo para os próprios cidadãos, existem os relatos dos motoristas de aplicativo desde que estes entraram em evidência. Não é raro ouvir histórias da descoberta de lugares que nunca se imaginava que poderia existir mesmo vivendo em um mesmo local por tanto tempo. Além disso, essa experiência mostra também a ineficiência no planejamento urbano de determinados locais, criando assim ruas com sentidos confusos ou sem saída.

Dessa forma, se já é difícil para os próprios moradores terem noção de como as cidades são em sua totalidade, imagine o quão difícil é para um exército invasor.

Evidentemente que existem diversos dados e informações disponíveis na internet a respeito de mapas e fotos de ruas e prédios de grande parte das cidades do mundo. Contudo, tais conhecimentos podem se mostrar inúteis ou ineficientes quando aplicados na prática.

A título de exemplo, existem unidades de treinamento dentro de países membros da Otan, em especial no Reino Unido e na França, que são especializadas em treinar soldados para lutar em ambiente urbano de diferentes países. Para isso, são construídos cenários que emulam com precisão o ambiente de tais nações, muitas vezes contratando atores que falam a língua local. Existe um esforço para que até mesmo o cheiro seja o mais semelhante possível para esses locais. Isso tudo serve para aclimatar o soldado para o tipo de ambiente que terá que combater, uma vez que não são raros erros de manobra pelo fato de os combatentes não terem qualquer noção de como se luta neste tipo de ambiente – mesmo que se tenha estratégia e equipamento sofisticados.

Outro problema constante, que se torna um verdadeiro inferno para quem quer invadir uma cidade, é a mobilidade. Cidades costumam ser demasiadamente assimétricas, o que torna a manobra de infantaria e cavalaria um desafio. Em outras palavras, é difícil de trafegar a pé e com veículos terrestres e aéreos. É possível que se tenha áreas abertas e estreitas em um mesmo bairro, o que deixa a tarefa de defender uma posição mais fácil do que invadi-la. De brinde, os defensores possuem a vantagem prévia de conhecer o terreno, o que facilita emboscadas e armadilhas.

Caso haja escombros de construções e estruturas destruídas, pior ainda – e ainda dá para o invadido a vantagem de poder se esconder enquanto elimina os inimigos. Esse foi um fator decisivo para que os alemães nazistas perdessem a Batalha de Stalingrado durante a Segunda Guerra Mundial, o que trouxe uma nova complexidade ao pensamento militar moderno. Dessa forma, por mais que bombardeios sejam uma realidade quando se quer dominar uma cidade, é necessário ter cuidado para que essa medida não acabe criando uma dificuldade a médio prazo.

Risco constante e terror psicológico

Tenha em mente o que se disse antes com relação armadilhas e emboscadas, pois este é um outro elemento complexo dentro da guerra urbana.

Devido questões que vamos abordar mais adiante, existe uma preocupação de minimizar os danos a população civil durante um conflito – sabemos que, na prática, isso é relativo durante o calor do momento, mas na teoria esse cuidado deve ser tomado. Assim, se torna muito difícil diferenciar quem é civil e quem é militar nas guerras travadas em cidades. Isto é: soldados podem se disfarçar de civis para emboscar forças invasoras, podendo fazer o jogo virar.

Armadilhas também se tornam um risco constante e temos exemplos recentes disso. Devido ao fato de que a infantaria precisa verificar pessoalmente diversos locais fechados para consolidar a dominação de uma área, como casas, prédios, esgotos, túneis, becos e fábricas, existe a chance de serem vítimas de armadilhas preparadas previamente pensando nesta possibilidade. No Oriente Médio, principalmente nos diversos conflitos entre Israel e Palestina, são comuns os relatos de soldados que morreram ou acabaram mutilados devido explosivos encontrados dentro de geladeiras, armários e aparelhos de televisão de residências de locais dominados. Assim, além de causar baixas e custar recursos médicos do inimigo, o moral dos combatentes acaba sendo abalado pelo temor constante de serem pegos em um momento de descuido.

Outro risco constante, que podemos observar na invasão russa na Ucrânia, são os caçadores e atiradores furtivos. Devido ao melhor conhecimento do terreno, os defensores podem posicionar diversos snipers para abrir fogo contra os invasores. Isso acaba limitando ainda mais a capacidade de dominação de uma área, uma vez que tanques e carros de combate têm a mobilidade reduzida em uma cidade, e os soldados a pé podem se tornar alvos de atiradores. Esses elementos acrescentam uma camada extra no terror psicológico.

Opinião pública e economia

Talvez uma das maiores dificuldades enfrentadas por um Estado que está em conflito com outro seja com relação a opinião pública, principalmente em países democráticos. O consenso costuma apontar para o fato de que um exército invasor tende a ser o “errado” de uma narrativa bélica – porém, esse juízo de valor sempre é mais complexo do que uma história de “bem contra o mal”. Assim, os governantes precisam estar preparados para enfrentar as diversas crises internas, críticas e atritos políticos que podem vir a serem desenrolados em seu próprio país, mesmo que não haja qualquer risco de confronto no próprio território.

Assim, com o auxílio da radiofusão e inclusão digital, o mundo inteiro ficaria vendo e sabendo dos desdobramentos do conflito. Imagens de destruição e morte seriam compartilhadas e noticiadas pelos principais veículos de comunicação. O terror, que é enfrentado pelos militares e pela população civil que é pega diretamente no fogo cruzado, acaba sendo compartilhado por outras pessoas que acompanham tudo à distância. É evidente que, dependendo de como o conflito se desenrola, o assunto pode acabar esfriando após algumas semanas, mas ele estará sempre em evidência de alguma forma.

Não é necessário dizer que uma guerra custa caro para qualquer nação. Desta forma, a pressão interna por uma resolução do conflito pode acabar partindo da própria população a partir do momento que as consequências começarem a afetar o bolso da maioria. Assim, instabilidade política pode acabar se desenrolando, o que pode acabar levando a ascensão de figuras controversas e que, a longo prazo, podem ou não piorar a situação. 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *