Todo mundo tem um assassino dentro de si?

Nunca me esqueço dos comentários de Umberto Eco a respeito da importância e complexidade ao se dar nome para uma obra literária. Ele expôs sua visão a respeito disso ao justificar o porquê de ter chamado seu romance mais famoso de “O Nome da Rosa”, quando tal título parece muito distante da narrativa ali contida. Devo dizer que a tarefa de dar nome às coisas é mais difícil do que aparenta e com mais camadas do que se imagina. Alguns escritores, jornalistas, filósofos e comentaristas só conseguem dar início ao texto após saberem como ele vai se chamar. Outros decidem para condensar tudo depois de concluído. Há também quem fique no meio do caminho.

Não há uma receita pronta para dar nome às coisas.

Contudo, concordo com o comentário de Eco quando ele diz que o nome de um livro pode acabar “induzindo” o leitor a ter um determinado tipo de visão a respeito da obra. Isso pode ser muito útil em casos como “Dom Casmurro”, de Machado de Assis, pois o próprio nome do romance é uma brincadeira com o caráter do protagonista. Em outros, o título pode ser mera decisão comercial por parte de alguma editora, pois é notório como um bom nome pode ajudar a vender – até onde se sabe, até mesmo “Anna Karienina”, de Liev Tolstói, acabou levando esse nome por decisão editorial.

“Ok, mas aonde tu quer chegar com toda essa conversinha a respeito de nomes de livros?”

É que a primeira coisa que me chamou atenção em “O Assassino em Mim” (1952), de Jim Thompson, foi justamente o título. E aqui devemos dar um pouco de crédito à Darkside Books: seus editores sabem adaptar bem títulos para torna-los atraentes para o público brasileiro (mesmo quando essa adaptação distorce muito além do aceitável o sentido da obra, apesar de não ser o caso deste). Após o título ter me instigado, busquei procurar saber mais a respeito da sinopse. Achei a ideia interessante e, quando vi que a aquisição de um exemplar estava dentro de meu orçamento, resolvi encomendar.  

Lembro bem de ter comentado com um amigo que, após ler quase metade do livro, parecia a “escrita de um adolescente prodigioso”. Quando finalmente concluí a última página, me dei conta de que minha impressão não estava equivocada. Embora Jim Thompson não fosse mais tão jovem quando compôs esse seu romance, a história conta com certa juventude que pode empolgar ou entediar.

O que quero dizer com isso? Basicamente, a narrativa é simplória e até mesmo imatura: um policial no meio de uma cidade pequena do Texas, nos Estados Unidos, que possui um passado sombrio e um instinto assassino que se revela em determinados momentos. Todos os demais desdobramentos do livro se baseiam nessa premissa de “violência gratuita” e acontecem, ao que parece, para que o autor pudesse chegar nestes momentos. Ao terminar de ler, a impressão que temos é que Jim Thompson tinha um assassino, os alvos e os momentos de suas mortes em mente – em outras palavras, diferentes temperaturas de clímax. Todo o restante do desenvolvimento da história serve para preencher e justificar tais momentos.

E isso convence? Em parte.

Apesar de a premissa parecer ter saído da mente de um adolescente com desejo de escrever histórias de terror após entrar em contato com os primeiros textos de Stephen King e Edgar Allan Poe, ainda assim parece que é um jovem com um mínimo de discernimento para entender que essa ideia é simplória. Quem sabe isso tenha acontecido pelo fato de o autor já não ser mais tão novo no momento da escrita do romance, como se fosse uma ideia tida ainda jovem e trabalhada anos mais tarde. Dessa forma, os acontecimentos que nos são apresentados entre os momentos pretendidos de morte e violência são minimamente maduros e verossímeis. As ações de Lou Ford, o protagonista, também não são livres de consequência e atenção dos demais personagens, o que faz com que seja quase um “livro de detetive sob a perspectiva do criminoso”.

Além disso, de brinde, tais desdobramentos servem para alimentar a curiosidade e tensão para o que vem a seguir. Apesar disso, acho difícil chamar isso de “desenvolvimento” que resume os assassinatos pretendidos, tal como Stephen King costumava fazer em seus anos dourados. Assim, me parece que essa instigação acaba ocorrendo como consequência e não como intensão.  

Como todo o romance é narrado em primeira pessoa, estamos imersos nos pensamentos cínicos e até mesmo infantis de Lou Ford. No entanto, tais comentários e descrições podem, como já disse, ou interessar ou entediar o leitor. Ou então um meio-termo entre estes dois – sabe-se lá como é possível, mas foi a minha própria sensação. A edição da Darkside Books de “O Assassino Em Mim” é aberta com o prefácio do próprio Stephen King que não hesita em tecer elogios para a escrita e história de Jim Thompson nesse aspecto. Confesso que tais comentários foram suficientes para me convencer de que a história valia a pena, mas não compartilho da mesma opinião. No entanto, as pequenas sacadas de humor macabro do protagonista, de fato, são interessantes.

Vale a pequena observação de que, provavelmente, o autor começou a ter diferentes ideias para o próprio romance da metade para o fim. O que me leva a acreditar nisso é o fato de que, quase nas últimas páginas, Lou Ford começou a esboçar traços de delírios que podem colocar toda a narrativa em xeque. Isto é: todo narrador-protagonista é, de certa forma, “não confiável”. Além disso, em alguns momentos se tem a impressão de que o livro é uma espécie de confissão, mas depois parece que Jim Thompson abandonou essa ideia e converteu em algo diferente.

Novamente: estas características são típicas de um autor jovem e iniciante, ou então quando a obra é muito longa. “O Assassino Em Mim” não é um livro longo nem escrito por um adolescente.

No final das contas, um dos questionamentos levantados pelo livro é: será que conhecemos de verdade todas as pessoas ao nosso redor? Qual segredo maligno se esconde por detrás de um sorriso e atitudes cordiais de um cidadão respeitável, como um policial? E será que nós mesmos não somos capazes de fazer coisas do tipo?

De um nome interessante a um comentário empolgante de um escritor famoso, considero que “O Assassino Em Mim” serve ao menos para divertir caso o leitor queira curar alguma ressaca literária, ou quando não tem nada mais interessante para ler no momento. Sugiro apenas observar o valor do exemplar, pois caso seja comprado em uma promoção, é capaz de valer a pena – ao contrário de seu valor integral que é alto demais para a qualidade da história. A edição da Darkside Books, como sempre, é muito bonita e bem trabalhada para atender às demandas do mercado brasileiro e a qualidade da tradução e revisão são aceitáveis – apesar dos deslizes e frases confusas principalmente nas últimas páginas.

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