“Armadilha”: mais um filme de Shyamalan que não se sabe o que esperar

Muitas vezes é bom enxergar o filme de um modo externo. Conhecer um pouco a filmografia do diretor pode te preparar para o que está prestes a enfrentar, e um diretor que tem uma das filmografias mais inconsistentes que eu já vi é M. Night Shyamalan. Ele fez sua fama com “Sexto Sentido” e “A Vila”, filmes que fizeram ele ser conhecido pelas reviravoltas em seus longas, mas também nos entregou bombas como “O Último Mestre do Ar”.

Sendo assim, é sempre uma emoção assistir um filme de Shyamalan. E quando me deparei com “Armadilha”, literalmente qualquer coisa poderia acontecer. Na trama, Cooper leva sua filha, Riley, no show de sua cantora favorita, Lady Raven. Porém, rapidamente ele percebe que o show é uma armadilha orquestrada pelos federais, com o objetivo de prender um serial killer que estaria ali presente.

Apesar de ter tantos motivos de ficar com pé atrás em um filme do Shyamalan, eu gosto do seu estilo de direção. A maneira que centraliza os personagens nos takes em que estão de costas, ou como conduz a narrativa mesmo com alguns diálogos expositivos, seu estilo é tão único e o que faz seus filmes serem tão marcantes.

Porém, alguns pontos de seus roteiros exageram na artificialidade, exigindo muito da suspensão de descrença. Para quem não sabe, a suspensão de descrença é o que faz o público aceitar os absurdos e coincidências malucas que acontecem em obras em nome da experiência de acompanhar a trama. Mas, no caso do cinema, o tom do filme precisa andar lado a lado com a suspensão de descrença.

Assim que descobrimos o que o serial killer que os federais estão procurando é Cooper, o longa toma uma fachada de suspense e o personagem se transforma em uma espécie de “Hitman”. As semelhanças com o personagem da franquia de jogos eletrônicos são muitas, já que ele precisa passar despercebido e se disfarçar para escapar do local.

Acontece que “Armadilha” já exige demais do público ao tentar convencer que encurralar um assassino em série em um show rodeado de pessoas inocentes é uma boa ideia. Além disso, carregamos também o fato de Cooper possuir diversas habilidades que o fazem ser a pessoa menos suspeita do local sem nenhum motivo aparente.

O que carrega o filme nas costas é a atuação de Josh Hartnett como o protagonista. Ao buscar uma complexidade psicológica em Cooper, Hartnett o interpreta com variações de humor, tornando o próximo passo imprevisível e o diretor, Shyamalan, ao saber que esse é a principal característica do personagem, enaltece esses momentos em planos fechados. Tudo isso enquanto acompanhamos a narração de uma analista de perfil do FBI, que acerta tudo precisamente, funcionando como guia para entendermos melhor o personagem.

Sem exageros da minha parte: eu cronometrei e o filme me manteve entretido por exatos 40 minutos. Enquanto focava na tentativa de Copper no show, por mais absurda que parecesse, chegou um certo ponto que ficou divertido ver qual novo plano Copper bolaria ou que coincidência absurda o longa nos colocaria a seguir. Mas após esse início, o longa segue outra direção e, talvez em tentar ampliar a escala dos acontecimentos, nos envolve em uma teia de informações que se torna entediante de acompanhar.

O que poderia ser um suspense claustrofóbico, com certas doses de um drama entre pai e filha que poderia nos colocar em dúvida para quem torcer nessa trama toda. Se torna uma espécie de épico policial e do nada somos bombardeados por informações sobre o passado e o casamento de Cooper, que poderia ser mais interessante se fossem estabelecidas no início.

Além disso, a tentativa de fazer tudo mais grandioso que deveria, me colocou em dúvida se não estava vendo mais um capítulo da franquia de super-heróis de Shyamalan. Iniciada com “Corpo Fechado” seguida por “Fragmentado” e finalizada em “Vidro”. Se fosse o caso, toda a discussão que propus sobre suspensão de descrença iria pelo ralo, pois o tom do filme não estaria tão sério e o elemento sobrenatural o faria mais aceitável.

No final das contas, “Armadilha” tinha muitas direções para seguir, mas seja por ideias ruins ou uma visão única do realizador, tivemos uma colcha de retalhos, que pode até divertir, mas o caminho até lá é árduo e preguiçoso.

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