O jornal mais sensacionalista do Brasil era anticomunista

Bebê diabo, mendigos se envolvendo com casadas, mulheres sensuais na primeira página, manchetes absurdas que não raro davam uma ideia errada de um tema, violência extrema… Estas são apenas algumas das imagens que vêm à mente do leitor quando citado o nome do clássico jornal Notícias Populares. Ao menos, os mais velhos que lembram do que um dia ele foi. Os mais novos provavelmente sequer ouviram falar deste periódico que é, no mínimo, peculiar e histórico na história do jornalismo e da cultura brasileira.

Seu slogan era “Nada Mais Do Que a Verdade”, mas entre o público, ele era conhecido como “Espreme Que Sai Sangue”. E isso traduz, em poucas palavras, o nível do sensacionalismo empregado em nas páginas do periódico. Este, aliás, é considerado por muitos acadêmicos como o mais sensacionalista que já existiu na história do mundo, vencendo até mesmo grandes clássicos do jornalismo britânico, americano e francês. Apesar desta classificação ser subjetiva, o fato é que o Notícias Populares estaria facilmente entre os cinco ou dez mais marcantes do gênero mundial.

Existem muitas palavras cuja compreensão é distorcida a partir do momento que entra em contato com um público maior. Um exemplo disso é o “sensacionalismo”. Já explicamos aqui no Cova Aberta que, diferente do que muitos pensam, esse estilo de jornalismo, apesar de mirar nas massas, é muito diferente do que se compreende atualmente. É claro que o conceito clássico do sensacionalismo dentro das teorias da comunicação pode ser revisado eventualmente, mas até o momento ele tem uma definição bastante clara. Ouso dizer que, se o termo não foi revisto, seria seguro dizer que ele “não existe” mais atualmente.

E se o sensacionalismo não é o que se costuma imaginar, então talvez a melhor forma de entender o que de fato é esse tipo de jornalismo seria analisar a história do maior jornal sensacionalista que já existiu. Ao menos, o maior que o Brasil já possuiu. Sua trajetória, por incrível que pareça, teve um início bem diferente do que se imagina quando se lê as principais manchetes e matérias que ficaram marcadas em sua biografia.

O romeno que fugiu do comunismo soviético

O Notícias Populares surgiu no conturbado contexto político e social brasileiro e mundial do século passado. Além disso, seu início era muito diferente do que ele acabou se tornando pouco tempo depois. Para resumir, o jornal nasceu com um único objetivo em mente: combater a mensagem comunista que o concorrente, Última Hora, empregava em suas publicações. Apesar de ter esse objetivo em mente, sua estratégia era curiosa, pois uma de suas políticas era evitar falar de política.

E nada disso teria sido possível sem as experiências e traumas do jornalista romeno Jean Mellé. Seu espírito anticomunista não era à toa: ele sentiu na pele a repressão e os horrores do regime soviético e chegou a passar 10 anos em campos de trabalho forçado na Sibéria. Seu nome de batismo era Itic Mellé e seu nascimento foi em junho de 1910, no seio de uma família judia e pobre, na cidade Iasi. Mudou de nome no final da adolescência, mas nunca se teve uma confirmação das razões da mudança.

Desde cedo, Mellé demonstrou aptidão para o jornalismo e eventualmente acabou criando o jornal Momentul, sendo que em menos de 10 anos era a publicação mais lida da Romênia, utilizando sempre de um grande senso crítico. Contudo, isso tudo acabaria chamando atenção do regime soviético. Os comunistas já estavam ocupando o país desde 1944, mas foi apenas em 1947 que as consequências chegaram diretamente até o editor. Após diversas investidas dos soviéticos, que culminou na abdicação do rei Miguel I, as políticas comunistas de exploração da Romênia despertaram a ira do editor, que publicou em uma edição a seguinte manchete: “Russos Roubam O Pão do Povo”. No dia seguinte, a caminho da redação, Mellé foi sequestrado por dois oficiais comunistas, que o sedaram com uma injeção. Quando acordou, estava em um trem em direção à Sibéria junto de diversos outros presos políticos que passariam anos nas minas de carvão.

Curiosamente, sua estadia não foi obediente. Várias pequenas insurreições e revoltas entre os prisioneiros foram lideradas por Mellé na prisão, o que casou muita dor de cabeça aos guardas. O editor diversas vezes foi torturado por conta disso, mas não sucumbiu como diversos outros. Além disso, os carcereiros não podiam simplesmente matá-lo para evitar de criar um mártir.

Sua libertação só viria em 1958, durante o governo de Nikita Kruschev, que atendeu ao apelo do presidente norte-americano, Dwight Eisenhower, para que libertasse presos políticos. Mellé esteve entre alguns da primeira leva e foi transportado até a Áustria. Porém, ele seria preso ainda por mais um ano durante uma ponte aérea em Bucareste, antes de sua liberdade definitiva. Neste meio tempo, ele descobriu que a esposa e o filho haviam se mudado para a França e construíram novas vidas. Conformado com isso, ele resolveu se mudar para a Itália após sair da prisão e viver também uma nova vida. Não se tem certeza do porquê Mellé acabou vindo para o Brasil em 1959, mas o fato foi esse.

No Brasil, ele acabou encontrando um ex-funcionário seu que trabalhava no Momentul e descobriu que o homem estava trabalhando como jornalista no jornal Última Hora. Assim, em dado momento, Mellé também acabou indo parar no periódico, onde aos poucos foi ganhando confiança dos colegas, apesar de seu português, até aquele momento, não ser bom.

Com as turbulências políticas do início da década de 1960, Mellé percebeu diversas semelhanças dos rumos que o governo brasileiro estava tomando com o comunismo soviético que viveu enquanto ainda era editor-chefe do Momentul. Além disso, ele aos poucos foi se dando conta que o jornal Última Hora compactuava em demasia com o comunismo. Desta forma, aliado com o antigo desejo de comandar seu próprio jornal, Mellé passou meses compondo a ideia de um jornal político de viés conservador para combater a mensagem propagada pelo Última Hora. Assim, para poder financiar o projeto, ele procurou Herbet Levy, que era dono da Gazeta Mercantil, presidente da União Democrática Nacional e deputado federal. No final, Levy acabou gostando da ideia do romeno e concordou em patrocinar a empreitada. Em abril de 1963, surgia o Notícias Populares.

Política sem política e o início do sensacionalismo

Uma das propostas do jornal era transmitir uma mensagem política sem falar sobre politica de forma ativa. Em outras palavras, o objetivo era contra-atacar o Última Hora com sua mesma fórmula, mas com um viés conservador. E essa receita se resumia a sexo, crimes, esportes e sindicatos. Naquele primeiro momento, Levy e Mellé sequer estavam pensando no lucro do Notícias Populares, pois seu objetivo era simplesmente roubar o público do concorrente e evitar a mensagem comunista nas massas trabalhadoras e iletradas. Também não buscaria tentar “formar opiniões” como o Última Hora, mas sim “reestabelecer a verdade distorcida”.

A fórmula que Mellé tomou do concorrente também foi adicionada ao que aprendeu durante anos comandando o Momentul. Manchetes curtas, chamativas (e muitas vezes apelativas), acompanhadas de letras garrafais foram parte do que o editor trouxe para o novo periódico. Aos poucos, todos estes elementos foram chamando atenção do público, mas o Notícias Populares entraria em evidência na cultura brasileira em novembro de 1963. O motivo disso foi sua exaustiva e frenética cobertura a respeito do assassinato do presidente norte-americano John F. Kennedy e seus desdobramentos. Inclusive, uma das manchetes mais famosas do momento (Jacqueline no Brasil) distorcia a verdade com relação ao fato (a esposa de Kennedy não viria às terras tupiniquins, apenas foi convidada por João Goulart para substituir o marido na visita que ele faria).

Apesar disso, é inegável que Mellé foi um competente administrador ao transformar a precária estrutura inicial do jornal em algo respeitável até mesmo para os padrões da época. Além disso, de acordo com relato de colegas e subordinados, ele foi visionário ao prever que, no futuro, haveria três edições diárias de um mesmo jornal, enxutas, mas mais dinâmicas com os acontecimentos do dia (ele quase previu, basicamente, como seria o jornalismo digital que temos atualmente). Um dos méritos do Notícias Populares também foi na cobertura de desastres naturais – principalmente enchentes –, porque parte da equipe foi afetada por parte deles. Histórias da época contam que diversas reportagens sobre alagamentos de São Paulo foram escritas por jornalistas do NP que tiveram que trabalhar de cueca e gravata, pois precisaram atravessar a água para chegar no trabalho. Este tipo de cobertura não era comum na época nos demais periódicos e foi eficiente na tarefa de dar representatividade ao cidadão comum.

Vale destacar que o Notícias Populares coincidiu de existir durante o regime militar. Então, algo deve estar martelando agora: como um jornal com chamadas sensacionalistas conseguiu coexistir com a censura? Eles não foram afetados por ela? A resposta tem diversas camadas. Vale lembrar que a mensagem anticomunista do jornal foi um fator atenuante para que os censores fizessem vista grossa para essa característica. Porém, apesar disso, até mesmo o periódico teve problemas com a censura em alguns momentos. Existiam alguns termos e pautas evitadas, principalmente com relação a algumas ações da polícia que poderia ser interpretada como uma crítica ao Departamento de Ordem Política e Social (DOPS). Então, para resumir: a relação dos jornalistas com os censores era relativamente boa, desde que tomadas certas precauções. Além disso, quando Mellé se tranquilizou com a parada do avanço comunista no Brasil, o periódico passou a se concentrar em temas populares que eram pouco ameaçadores para o governo em vigor. Curiosamente, os maiores problemas que o jornal enfrentou foram após a redemocratização, com ações judiciais arbitrárias e processos movidos por pessoas públicas que, inclusive, se beneficiaram do espaço promovido pelo jornal – como o rei Roberto Carlos.

Durante os anos de existência, o jornal passou por diferentes comandos. Além disso, o Notícias Populares acabou sendo vendido para o Grupo Folha posteriormente. Jean Mellé morreu em março de 1971 e o jornalista Ebrahim Ramadan assumiria o comando no ano seguinte, após meses de uma experiência desastrosa do jornal sob o comando de Armando Gomide. Ramadan ocuparia o cargo até 1990, quando pediu demissão. Na década final de existência, o periódico teria diferentes editores afrente da publicação. O último chefe foi José Vicente Bernardo, que assumiu em outubro de 2000, poucos meses antes do fechamento definitivo do Notícias Populares, em janeiro de 2001. Seu fim se deu porque as vendas não se sustentavam mais, uma vez que o público passou a dar mais valor para programas televisivos com teor sensacionalista.

Mendigos com mulheres casadas não é coisa nova

Essa história pode soar familiar. E as semelhanças não são apenas iniciais, pois o desenrolar e o desfecho foram muito iguais. Algumas das melhores histórias do jornalismo brasileiro e mundial são conquistadas pela boa relação que muitos repórteres e editores têm com policiais. Diversos dos mais notórios furos de reportagem foram conseguidos de tal forma.

E o caso envolvendo o mendigo Pelezão não foi diferente.

Em uma madrugada no final de agosto de 1984, o fotógrafo Tarcísio Motta foi acordado com um telefonema dos policiais de um distrito policial de São Paulo alegando que tinham uma boa história. O caso envolvia uma relação sexual entre um mendigo e uma psicóloga em frente ao sopão dos indigentes, no bairro Cambuci. E, aparentemente, tudo foi realizado em público, com direito a diferentes testemunhas oculares. Até que a obscenidade foi interrompida pela polícia, que levou a dupla até a delegacia. A mulher parecia estar alterada, mas foi liberada após o pagamento da fiança pelo marido. O mendigo também foi liberado após os próprios policiais levantarem um valor para a fiança. No dia seguinte, o fotógrafo chegou com a história para Ramadan, que deu seu toque especial na narrativa e ainda deu um apelido para o indigente: Pelezão (mais pelo fato de ser negro do que qualquer outra coisa). A manchete? “Psicóloga Pega Na Marra e Violenta O Indigente”

As vendas do jornal dispararam e, ao perceber o interesse do público, foi dada sequência na história. Entrevistas com a nova celebridade foram feitas e o mendigo cujo nome era Paulo Gonçalves, passou a ser reconhecido nas ruas. “Pelezão É o Novo Ídolo Das Madames”, dizia uma das manchetes seguintes. A exposição rendeu até mesmo um emprego como porteiro de luxo em uma boate de São Paulo ao ex-mendigo. Sua fama era tanta que Pelezão chegou a aparecer no quadro “Perdidos na Noite”, do Faustão. O assunto rendeu um total de 11 manchetes e 14 chamadas de capa nas edições do Notícias Populares.

Porém, em janeiro do ano seguinte, o jornal noticiaria que Pelezão voltou a ser mendigo, por não se adaptar bem à vida de trabalhador. Ele, inclusive, seria preso pouco tempo depois por furto. Além disso, a psicóloga que deu início a sua fama teria, supostamente, o visitado na prisão, mas sem qualquer confirmação real – o que não impediu o jornal de publicar a manchete que dizia “Psicóloga Foi Matar Saudade de Pelezão”. No fim, não se sabe qual foi o desfecho real da história de Paulo Gonçalves, sendo que as últimas notícias a respeito de seu paradeiro, ele ainda estaria na prisão na década de 1980.

Sim, sabemos: tudo isso lembra um outro mendigo que ganhou fama recentemente…

O diabo nasceu em São Paulo

É quase impossível não falar do Notícias Populares sem citar seu caso mais famoso. Apesar de ser subjetivo o “ranqueamento” de casos bizarros envolvendo o jornal, este é sem dúvidas o mais lembrado. Mas é claro que tiveram outros. Exemplo disso foram manchetes distorcidas como alegando o desaparecimento de Roberto Carlos para depois reaparecer no dia seguinte – e tudo com base no fato de que a redação entrou em contato com o empresário do rei, mas ele afirmou que não conseguia falar com o cantor há algumas horas devido a falhas nas ligações. “Mulher Dá Luz a Uma Tartaruga”, “Broxa Torra o Pênis em Tomada”, “Kombi Era Motel Na Escolinha Do Sexo”, “Tarado Corta Pênis de 6 Garotos”, “Mulher Mais Bonita Do Brasil É Homem”… E por aí vai.

Mas vamos falar sobre o infame bebê-diabo.

Tudo começou em um sábado sem qualquer boa notícia para dar na edição do dia 11 de abril de 1975. A única coisa que tinha sido apurado foi o suposto fato de uma criança nascida em São Bernardo do Campo que tinha uma abertura no cóccix – condição médica facilmente resolvida com uma pequena cirurgia – e protuberâncias na cabeça que lembravam chifres. Assim, foi escrita uma crônica de terror dizendo que o diabo havia nascido em São Paulo e a criança havia nascido com um rabo e dois chifres.

Curiosamente, a matéria vendeu mais do que o esperado e apenas oito jornais restaram de toda a edição daquele dia. Os diretores do periódico, ávidos por continuar aquela história – mesmo a contragosto dos jornalistas – pediram por mais. E assim foi feito. No final das contas, vendo os desdobramentos posteriores, é quase como se a criatura tinha virado contra os próprios criadores. Um total de 27 manchetes foram publicadas envolvendo o tinhoso recém-nascido.

Não há como não considerar toda a história como bizarra e maluca, quase beirando a histeria coletiva. Os próprios leitores forneciam relatos supostamente avistando o bebê-diabo em diferentes áreas do ABC Paulista – mais precisamente nos telhados das casas –, sendo que até uma procissão foi marcada para expulsar o capeta. Supostamente, o bebê-diabo era responsável por atitudes como destruir terreiros e despachos de umbanda e causar acidentes de trânsito. E como se tudo não fosse mais maluco, feiticeiros e até mesmo o próprio Zé do Caixão entraram na caçada pelo mini tinhoso. Em dado momento, o bebê-diabo teria sido visto fugindo para o Nordeste, mas depois visto novamente no ABC Paulista…

Olhando de longe, toda essa história é no mínimo divertida, ainda mais quando se sabe que tudo isso foi publicado em um dos jornais mais lidos da época. Contudo, ao mesmo tempo, é deplorável ver até onde tanto o público quanto donos de jornais (que muitas vezes têm pouco juízo e muita ganância) são capazes de ir para sustentar uma história.

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