“O Homem das Castanhas”: mais um capítulo no noir nórdico

As narrativas policiais já passaram por muitas fases e mídias ao longo das décadas. Desde contos, romances, séries e filmes, o gênero é muito bem consolidado na cultura popular até os dias de hoje. E mesmo que existam inúmeros clichês e tropos neste tipo de história, aparentemente o público não deixa de acompanhar e apreciar uma boa história de terror contada de traz para frente. Apesar de que, após tantas décadas, pouca inovação apareceu no gênero.

E dentre estas raras novidades, uma das mais curiosas foram as narrativas policiais escandinavas, também conhecido como “noir nórdico”. Apesar de serem histórias de detetive como quaisquer outras, elas apresentam alguns pontos peculiares. A ambientação nos países escandinavos, como Noruega, Dinamarca, Suécia e Finlândia, já nos apresenta uma perspectiva diferente, uma vez que tais locais são conhecidos por serem, ao mesmo tempo, pacíficos e inóspitos – e particularmente hostis quanto às mulheres. Não raro somos apresentados a uma protagonista feminina ou, pelo menos, uma mulher forte orbitando as tramas da narrativa. Temas como as contradições entre pacifismo e violência da Escandinávia, violência contra mulher, racismo e xenofobia também são frequentes. Jo Nesbø e Stieg Larsson talvez sejam os maiores autores referenciados no gênero, mas também para o audiovisual, como na série “The Killing – História de um Assassinato”. E assim, é seguro dizer que a série “O Homem das Castanhas” (2021), disponível na Netflix, é mais um passo nesta fase do noir nórdico.

A história, que é uma adaptação do romance de mesmo nome do escritor Søren Sveistrup, se passa em Copenhague, na Dinamarca, e se trata de uma série de homicídios contra mães solteiras desestruturadas e que têm um membro levado. Porém, a “assinatura” do criminoso é, na verdade, o homem de castanha (um tipo de boneco feito pelas crianças) que sempre aparece na cena do crime. Por mais que, no primeiro episódio, nós já consigamos entender aonde a série vai nos levar, alguns desdobramentos são confusos e um pouco difíceis de engolir.

Uma recomendação óbvia, mas sempre boa de reforçar, é a de assistir no idioma original, pois a dublagem brasileira, por melhor que seja, tira boa parte da essência dos atores. Estes, aliás, possuem um trabalho que pode ser considerado canastrão para a maior parte do público, uma vez que a frieza do povo escandinavo se transmite também, inevitavelmente, para sua forma de produzir qualquer obra. Como resultado, os atores parecem não mudar de expressão facial em quase nenhum momento dos seis episódios da série. Ironicamente, o único ator mais carismático é justamente o que faz o assassino por detrás de tudo – que deu um exemplo ótimo de como enganar o público e maquiar sua culpa.

Os personagens, por sua vez, são mais interessantes do que os atores que estão os interpretando. Ao contrário de “Mindhunter”, onde os dramas pessoais se sobrepõem ao desenvolvimento da narrativa investigativa, em “O Homem das Castanhas” os demônios particulares de cada um são deixados subtendidos principalmente na forma como trabalham. Assim, é quase como se pudéssemos entender como cada um é aos poucos, sem muita necessidade de que a narrativa seja interrompida para que essa demanda seja suprida. Porém, é difícil “passar o pano” para algumas atitudes tanto da dupla de protagonistas quanto dos coadjuvantes, uma vez que suas falhas se tornam claras até demais.

No início, era esperado algum tipo de desfecho mais dramático para a trama. Contudo, ninguém teve coragem para fazer algo do tipo. Digo isso porque, pelo perfil geral das vítimas, a protagonista Naia Thulin (Danica Curcic) se encaixaria perfeitamente como uma possível vítima do “Homem das Castanhas”. Quem sabe, talvez, seu parceiro, Mark Hess (Mikkel Følsgaard) decidisse fazer alguma atitude heroica para se redimir dos seus inúmeros erros passados. Porém, ambos terminam a história do mesmo tamanho de quando começaram. No fim, apenas personagens dos quais não nos importamos nenhum pouco acabam se tornando vítimas.

Um outro problema da narrativa, no meu ponto de vista, é o velho truque sujo que se tornou clichê no noir nórdico: “aponte para uma direção e corra para outra”. Este recurso chegou a ser ligeiramente satirizado em “Boneco de Neve”, de Jo Nesbø, mas dá para ver que se tornou um recurso inevitável para autores que se empolgam demais e não sabem mais como deixar a história intrigante. Em “O Homem das Castanhas”, isso também ocorre em mais de uma ocasião.

Porém, o mais irritante de tudo é a burrice da polícia e, em muitos momentos, da própria dupla de protagonistas. Caso vivêssemos no século passado, quando as técnicas de perícia não eram tão refinadas, alguns equívocos cometidos seriam perdoáveis. Porém, se passando nos dias atuais, tais atitudes são muito difíceis de serem engolidas até mesmo para uma história ficcional. É como se o roteiro estivesse exigindo que os personagens tivessem dificuldade em conectar os poucos neurônios na cabeça para que a história seguisse adiante. E além dos erros de procedimento, a própria inocência deles em muitos momentos, como em como abordar e interrogar uma pessoa, são quase cômicas.

Quem sabe, talvez, tudo isso demonstre o quanto países seguros deixam as autoridades “lerdas” e o quanto isso acaba sendo prejudicial em situações mais graves – e na vida real temos exemplos disso que estou me referindo.

Como era de se esperar, as motivações do assassino são mesquinhas e até mesmo caricatas. Logo no primeiro episódio, a série nos prepara para o fato de que as razões do criminoso sejam algum tipo de rancor deixado no passado dos envolvidos. Contudo, apesar da esperteza do “Homem das Castanhas” (esperteza essa muito superior a dos protagonistas, que só descobriram sua identidade devido ao acaso), é indigesto saber que atitudes tão cruéis foram cometidas por conta de desavenças, literalmente, infantis. Contudo, isso não é uma crítica de forma alguma: esses contrastes entre inteligência tática e imaturidade emocional em um único personagem o tornam interessante. Uma pena que, a partir do momento que temos conhecimento de sua identidade, quase mais nada é desenvolvido.

No fim, “O Homem das Castanhas” é uma série que eu recomendaria para quem gostaria de se livrar de qualquer “ressaca” literária ou cinematográfica. Também recomendaria caso, por algum motivo, se esteja “órfão” de qualquer outra obra policial e precise colocar alguma outra no lugar. Contudo, acho muito difícil que essa história esteja dentre as favoritas de alguém.

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