Em matéria de trabalhos acadêmicos, o Brasil convive com uma contradição. Somos um dos países que mais publica artigos científicos no mundo, sendo que em 2023 lançamos ao público 156,8 mil textos. Contudo, a relevância deste material é bastante questionável, pois de acordo com o Scimago Institutions Rankings, que classifica instituições de ensino superior e de pesquisa, o Brasil ocupa a 34º posição dentre os 49 países analisados. Essa constatação veio após se verificar que os artigos brasileiros são pouco citados em outros trabalhos acadêmicos ao redor do mundo. Porém, nossa situação poderia ser pior, pois abaixo vêm países como Rússia, Arábia Saudita, Índia e Polônia.
O que podemos ver, ainda observando a listagem divulgada pela Scimago Institutions Rankings, é que a quantidade de artigos publicados não significa qualidade científica produzida. O que prova isso é o fato de a Suíça ter uma produção acadêmica menor que a brasileira em números totais, mas estar em primeiro lugar nos países mais citados em outros textos. Os Estados Unidos, que estão em primeiro lugar em produção, ocupam o quinto lugar em relevância.
Poderíamos passar dias discutindo os motivos que expliquem esta realidade, mas existem alguns indícios que nos dão pistas. No dia 17 de outubro de 2024, uma polêmica tomou conta das redes sociais e da mídia quando uma dança erótica foi performada pela historiadora e cantora Tertuliana Lustosa na Universidade Federal do Maranhão. O incidente aconteceu durante o “I Encontro de Gênero do Grupo de Pesquisa Epistemologia da Antropologia, Etnologia e Política (Gaep)”. Lustosa subiu em uma cadeira, levantou o vestido, expôs suas partes íntimas e ao final da performance, ela ainda declarou: “Educando com o cu”.
Este pode parecer um episódio isolado e extremo, mas já nos dá uma dica do que pode estar acontecendo na universidade brasileira – mais precisamente dentro das ciências sociais. Dessa forma, o editor do Cova Aberta levantou a seguinte questão: “ora, se esse tipo de baixaria está sendo explicitamente exposta em um evento universitário, o que mais se pode encontrar no mundo hermético dos trabalhos acadêmicos?” Com esta questão em mente, foram feitas pesquisas utilizando algumas palavras-chave específicas nas principais plataformas de publicações acadêmicas. E o resultado foi curioso, para dizer o mínimo.
Vale destacar que nossa pesquisa foi um apenas um “sobrevoo” inicial dentro deste universo das pesquisas acadêmicas “inusitadas”. E, por óbvio, nós pinçamos apenas aqueles que mais se destacaram dentro deste mundo delimitado pelas palavras-chave escolhidas. Contudo, enquanto íamos atrás deste tipo de conteúdo, também pudemos constatar outros pontos além da pesquisa.
Mesmo quando o tema abordado tenha algo a ver com algo pouco convencional para o ambiente acadêmico, como pornografia, os textos são minimamente sóbrios e tentam manter a seriedade. E talvez seja justamente esse o problema. Para exemplificar o que queremos dizer, é como se o pesquisador tivesse dedicado meses ou anos estudando uma única das seis patas de uma formiga preta para tenta provar que ela é cinza. Em outras palavras, dentro das ciências sociais, existe uma problematização e investimentos excessivos dentro de temas irrelevantes para a sociedade. Pode ser que tais assuntos sejam pertinentes para algum grupo específico, mas o ponto é que gastar dinheiro público (pois a busca se restringiu às universidades federais) com pesquisas inócuas é no mínimo problemática.
Exemplo: um dos trabalhos que o editor se deparou se chama “Race Fucker: representações raciais na pornografia gay” (2012), do autor Osmundo Pinho, da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. E convenhamos: será que tal trabalho seria sequer encontrado se não fosse a curiosidade mórbida de alguém em procurar saber o nível da produção acadêmica no Brasil, ou então meia dúzia de pesquisadores com “preocupações” similares? Dentre todos os problemas que os homossexuais sofrem, não me parece que esta produção vá ajudar em alguma coisa.
A impressão que fica é que a produção científica brasileira, especialmente no campo das ciências sociais, virou uma espécie de “fábrica de títulos e diplomas” para uma parcela significativa da população que fica parasitando a academia sem dar retorno, seja para a sociedade, seja para o pagador de impostos. Evidentemente que existe o discurso de que “o pesquisador é responsável por colocar um tijolo apenas na construção de uma casa”, mas dá para ver que a maioria sequer isso está fazendo.
Mas precisamos ser justos: não é apenas o Brasil que tem sua cota de bizarrice na produção acadêmica. Na França é possível encontrar este tipo de artigo de relevância questionável no campo das ciências sociais. Os Estados Unidos também contam com suas peculiaridades “científicas”, mas lá também é possível ver mais casos no campo das ciências naturais – o que chega a ser ainda mais curioso. Pesquisas milionárias sobre macacos transgênero, efeito de ioga em cabras e música para vacas leiteiras são apenas alguns dos exemplos.
De qualquer forma, vamos pinçar algumas das pérolas produzidas pelas universidades públicas do Brasil. E novamente: estes são apenas alguns dos exemplos que conseguimos pinçar em uma primeira exploração utilizando palavras-chave específicas em buscadores de artigos acadêmicos. Porém, alguns dos textos expostos foram encontrados por outros meios, como sugestões de terceiros que ficaram sabendo de nossa apuração (que posteriormente foram verificados para atestar sua existência). Também foi feita a leitura, completa ou parcial, de cada um dos textos verificados, uma vez que um título inusitado não significa necessariamente um conteúdo inusitado.
Educando com o Cu: Introdução às pedagogias do corpo e do prazer
Resumo: O presente texto busca iniciar um debate levantado através da aula “Educando com o cu: traveco-terrorismo e descolonialidade de gênero na arte”, para pensar implicações do prazer e do corpo enquanto potências pedagógicas e artísticas. Sendo assim, foi transcrita toda a introdução da aula realizada na Escola de Dança da Universidade Federal da Bahia (UFBA), que discute inclusive sobre a resposta midiática e a sua recepção no espaço público. O texto transpõe a oralidade enquanto mecanismo de produção de conhecimento, sendo assim, o que foi escrito surge do ato oral. E, por fim, o texto traz uma conclusão escrita sobre os temas apresentados, pensando ainda em visões e perspectivas dissidentes de pesquisadores brasileiros sobre o tema.
Autora: Tertuliana Lustosa
Labirintos conceituais científicos, nativos e mercadológicos: pornografia com pessoas que transitam entre os gêneros
Resumo: O objetivo deste artigo é discutir como a pornografia, em especial a pornografia envolvendo pessoas que transitam entre os sexos/gêneros, lida com uma das questões mais características das ciências sociais: a tensão entre as categorias científicas, concepções nativas e classificações mercadológicas. No cada vez mais saturado e competitivo mercado mundializado da pornografia, a difusa fronteira entre a universalidade científica e a regionalidade nativa mostra-se como um vasto território a ser colonizado pela lógica da indústria pornô.
Autor: Jorge Leite Jr
Mulheres perigosas: uma análise da categoria piriguete
Resumo: Esta dissertação tem por objetivo analisar as representações sobre as piriguetes, focalizando a estética e a moda associadas à determinadas mulheres rotuladas ou acusadas de serem piriguetes. A piriguete representa, primeiramente, uma mulher que não se adéqua às normas de conduta feminina – ela expressa sua sexualidade e seu desejo, sua liberdade e seu poder. Pretende-se entender como o mundo do funk carioca se tornou o sustentáculo desse tipo de representação do feminino no qual se cria um modo ou moda piriguete e, posteriormente, como essa representação foi dissociada do mundo funk. Para tanto, foi analisada a representação da piriguete na mídia, especialmente a partir das personagens Suellen, da telenovela Avenida Brasil, Fatinha, do seriado Malhação, e Lurdinha, da telenovela Salve Jorge. Também foi analisada a construção da categoria “coroa piriguete” como uma categoria de acusação que se articula a diferentes operadores sociais da diferença, tais como gênero, sexualidade e idade. De um conjunto de características relacionadas às piriguetes podem-se apreender duas ordens de problemas sociológicos: a primeira delas aponta para uma forte demarcação de gênero e interdição da sexualidade e a segunda para o estigma relacionado ao peso acusatório das falas e das representações negativas sobre o que é ser piriguete.
Autora: Larissa Quillinan Machado Larangeira
A folia dos cus prolapsados: pornografia bizarra e prazeres sexuais entre mulheres
Resumo: A “temática anal” aparece como critica as epistemologias científicas que pressupõem que neutralidade e universalidade são atributos que se estendem tanto àqueles e àquelas que produzem conhecimento quanto àquilo que é produzido. Nessa perspectiva, o cu tem sido utilizado, metaforicamente, em discussões político-epistemológicas que reivindicam a desconstrução da norma heterossexual contribuindo para a produção de saberes implicados pela erotização corporal, como também, para a criação de políticas que privilegiam o prazer anal e criticam a reprodução da divisão “norte-sul”, no âmbito das teorizações queer. No entanto, as metáforas, muitas vezes, parecem produzir certa facticidade do uso sexual anal, relacionado à penetração e à passividade. A encenação do prolapso no pornô, quase exclusivamente realizado por atrizes, nos fez questionar se a pornografia pode ir além do sentido de “pedagogia sexual” e caracterizar-se como um campo de potência imaginativa e, nesse caso, de criação de possibilidades corporais que desafiam verdades anatômicas e fisiológicas. Nos interrogarmos também sobre o fato de que a penetração anal seja comumente o único referente do prazer sexual anal e, consequentemente, a base para que se possa pensar as relações sexuais a partir da binaridade “atividade/passividade”. Assim, elegemos como objetivo primordial analisar as disposições de sexualidade e erotismo acionadas pelo prolapso pornográfico no site prolapseparty.com. O material de pesquisa constituiu-se de textos, elementos gráficos e vídeos apresentados no site Prolapseparty.com que foram problematizados a partir de uma perspectiva pós-estruturalista de inspiração Foucaultiana. Consideramos que as fantasias nesse site podem ser vivenciadas pela criação de elementos que incentivem a imaginação de que os atos sexuais podem ir além da tela do computador e fazer parte do cotidiano. Os usos sexuais do ânus, nesse sentido, não envolvem a penetração ou a inserção anal, mas, a exploração da capacidade de elasticidade e excrescência que levou-nos a argumentar que as imagens engendram “prazeres sexuais de superfície”. Outro elemento importante foi a menção à relação de proximidade entre as atrizes que funciona como forma de denotar que o deleite sexual proporcionado pelo deslocamento do reto se diferencia de um ato de “violência”. Assim, a exibição das técnicas que deslocam e criam genitálias e ânus prolapsados abdicam da naturalidade corporal e, consequentemente, enfatizam que o prazer sexual é fabricado.
Autora: Luciene Galvão Viana
“Agora eu fiquei doce”: o discurso da autoestima no sertanejo universitário
Resumo: Este trabalho analisa o discurso das canções do sertanejo universitário no que tange à temática da autoestima masculina e feminina como constituição e expressão de identidades sertanejas contemporâneas. Enquanto no sertanejo de raiz as letras abordam temas como os prazeres e as dificuldades da vida no campo, no sertanejo romântico, os temas centrais são o amor não correspondido e a traição. Já os “universitários do sertão” cantam sobre prosperidade, baladas e poligamia, com um evidente enaltecimento à autoestima. Tendo consciência de que nas letras de canções encontramos “concepções de enorme importância para os ouvintes como meio de transmissão de novos ou tradicionais valores em curso” (MEDINA, 1973, p. 22 apud ROCHA; FERNANDES, 2009, p. 1224), é possível afirmar que, ao analisar as canções, podemos entrar em contato com os valores sociais vigentes. E mais: em se tratando de cultura de massa, como é o caso do sertanejo universitário, essa exposição da realidade se dá de forma muito mais ampla. Tendo a Análise Dialógica do Discurso como embasamento teórico, adentra-se o universo do discurso e entende-se o enunciado, o signo ideológico, a cultura e o(s) sujeito(s) expressos nas canções que constituem o corpus de pesquisa, formado por três canções (interpretadas por sujeitos masculinos) e quatro respostas a estas canções (interpretadas por sujeitos femininos), publicadas no site de vídeos YouTube.
Autor: Schneider Pereira Caixeta
Experimenta-te a ti mesmo: Felipe Neto em performance no YouTube
Resumo: Procuramos compreender, ao longo desta dissertação, de que maneira Felipe Neto em performance no YouTube estabelece uma mútua responsabilidade com as audiências que se formam em seu entorno. Buscamos evidenciar as dimensões espetacular e entretenida que a prática performática adquire nessa ambiência midiática ao atrelar-se às lógicas midiática e mercadológica. Procuramos observar, também, em que medida as audiências dos vídeos se configuram na dinâmica comunicacional investigada. Nossa argumentação está centrada no corpo em ação como locus de realização do ato performático, bem como a coparticipação das audiências na performance. Para tanto, utilizamos a performance como operador analítico para entendermos o tipo de comportamento exibicionista realizado por Neto. Recorremos às categorias analíticas gestualidade e vocalidade para analisarmos o corpus que delimitamos, bem como propomos uma categoria própria para a investigação de nosso objeto, o eu performático espetacular. Descrevemos o objeto escolhido e propomos a análise de alguns vídeos dos dois canais de Felipe no YouTube de acordo com o operador e as categorias analíticas elencadas. Nos atemos a três principais temáticas em pauta nos vídeos, identificadas por meio das palavras-chave (tags) utilizadas para categorizar o material audiovisual postado no YouTube. Realizamos a transcrição dos vídeos, com marcações dos gestos, movimentos de câmera e recursos técnicos empregados, como também, destacamos alguns quadros dos vídeos analisados, em que os gestos do performer podem ser visualizados.
Autor: Tiago Barcelos Pereira Salgado