Filmes de terror que falam sobre filmes de terror

Mudanças curiosas acontecem com os gêneros de arte com o passar do tempo. Conforme seus clichês vão se estabelecendo, o processo natural na evolução é a subversão desses gêneros, mas existe um caminho paralelo: a metalinguagem. Por definição, ela é um meio de usar a linguagem para se referir a ela mesma. Como por exemplo um filme que é sobre fazer um filme, mas podemos ir mais a fundo nisso e procurar obras que levantam discussões sobre o gênero, mesmo que de forma sutil.

Antes de começarmos, vou passar rapidamente por algumas menções honrosas. No filme “X – A marca da morte” de Ti West, a personagem da Jenna Ortega seria o estereótipo de um final girl pura e inocente, porém, isso vai por água abaixo na cena em que ela transa com um ator pornô do longa. Essa cena carrega as duas questões, subversão do estereótipo e o uso da metalinguagem para isso, pois na trama do longa, eles gravam um filme pornô e discutem sobre como vão revolucionar o gênero.

Outro que vale o comentário, é se fosse melhor na execução faria parte da lista, é “O Exorcismo” lançado esse ano em 2024. No longa, o personagem de Russel Crowe interpreta um ator que vai fazer um papel de um padre em um filme sobre exorcismo, mas acaba sendo possuído de verdade. Não que esse longa esteja preocupado em fazer um comentário sobre o gênero de exorcismo, ou sobre a indústria no geral, ou até mesmo sobre histórias de filmes amaldiçoados. Não: a preocupação aqui é fazer tudo mais clichê possível para tornar o filme comercial, ainda assim é divertido ver as cenas em que o protagonista está possuído e todos acham ser parte da interpretação dele.

Agora sim, tirando umas menções do caminho, vamos ver de verdade os longas que são sobre o próprio filme e o gênero terror.

O Novo Pesadelo – O Retorno de Freddy Krueger

Antes de começar a falar sobre o filme, uma pequena contextualizada. Wes Craven, diretor e roteirista criador da franquia “A Hora do Pesadelo”, teve uma ideia ambiciosa para o terceiro filme da franquia: fazer uma história onde o personagem Freddy atacava equipe e elenco durante as gravações do primeiro longa.

    Na época, a ideia foi descartada pelo estúdio e a franquia seguiu sem Craven. Porém, após o sexto filme, onde seria o último, o produtor Robert Shaye entrou em contato com Craven achando que a franquia merecia um final digno pelo seu próprio criador, (isso, e, claro, os outros executivos do estúdio New Line, estavam com saudades da franquia). Sendo assim, foi dado o sinal verde para uma trama fora da cronologia da franquia e que trazia Freddy atacando o set de filmagens de um longa sobre si próprio.

    O sétimo filme da franquia traz de volta a atriz Heather Langenkamp, a protagonista do primeiro filme, interpretando a si mesma, assim como Robert Englund, ator que da vida ao Freddy e o filme vai mais longe ainda trazendo até Wes Craven e o produtor Robert Shaye para a história. Na trama, Langenkamp é convidada para um retorno em um novo longa da franquia, porém rapidamente mortes começam a acontecer atribuídas a produção, começando pelo seu marido que era o técnico de efeitos especiais , assim como o marido de Langenkamp na vida real.

    Apesar da ideia interessante, Craven não vai tão afundo na trama, fazendo o longa rapidamente cair para a mesma matança de sempre, mudando apenas o contexto. Porém, essa experiência serviu para ser amadurecida e ganhar forma na franquia que sim, eu considero sua obra prima.

    Pânico

    Eu nunca sei ao certo se as pessoas não dão o devido valor para essa franquia ou se eu a valorizo demais. Fato é que todos os filmes da franquia “Pânico” possuem grandes comentários sobre a indústria. Também escrito e dirigido pelo Wes Craven até o quarto filme, após isso Craven veio a falecer em 2015 aos 76 anos, o longa é como muitos outros slashers.

    Na trama, um grupo de jovens é perseguido por um assassino mascarado. Mas o charme da franquia está em dois grandes aspectos. O primeiro é a figura do assassino, que ficou conhecida depois por “Ghostface”, que é mais humana que os demais e se valia de jogos psicológicos ao ligar para suas vítimas. O segundo aspecto é o que importa nessa lista, comentários e paralelos sobre o gênero do terror e a indústria do cinema.

    Aqui, Craven foi mais a fundo e traz personagens quase que autoconscientes. Ao parecer saberem que estão em um filme, estabelecem regras para si explorando clichês do cinema. O primeiro filme faz homenagem aos grandes clássicos e fala sobre, nunca beber, nunca fazer sexo e nunca sair sozinho falando “volto logo”.

    Já o segundo traz regras de uma continuação, tudo maior e melhor, o dobro de sangue e assassinatos.

    No terceiro, os personagens estão convencidos que estão numa franquia e agora tudo pode acontecer. Esse inclusive se passa em um set de filmagens onde gravam um filme sobre o primeiro “Pânico”, trazendo personagens dos filmes e atores que os interpretam, fazendo uma divertida dinâmica.

    O quarto filme demorou um pouco para sair, mas quando foi lançado o cinema passava pela onda de remakes sombrios, e esse foi o tema, os assassinos buscam uma repetição do primeiro longa, com um elenco mais jovem. Os dois mais recentes, e os primeiros sem o Craven na produção, foram lançados com um pequeno intervalo então eles falam sobre o mesmo assunto. Os filmes legados aqui são referenciados, uma espécie de mistura de reboot com remake, como foi feito com “Halloween” e até mesmo filmes que não são de terror como “Star Wars”.

    Na franquia “Pânico”, Craven trabalhou bem a ideia e trouxe um significado ao fazer do próprio filme um personagem em seu roteiro. Com essa subversão e um pouco de bom humor, a franquia continua viva até hoje, trazendo coisas novas em cada lançamento.

    Rubber – O pneu assassino

    Eu sei: ninguém em sã consciência daria play em um filme com esse título e esperaria extrair algo de relevante, mas me acompanhem.

    A trama é exatamente o que o título apresenta, temos aqui um pneu que desperta no meio do deserto e munido de poderes telecineticos faz vítimas que entram em seu caminho, começando com insetos e evoluindo até humanos. Em certo ponto, a jornada do pneu é interrompida e vimos que tem pessoas o observando de longe. Essas pessoas são acompanhadas por um apresentador que precisa explicar o que está ocorrendo e suprir suas necessidades, o tempo todo elas reclamam de fome.

    Em outras palavras, as pessoas são o público que consome o filme, exigindo explicações e tramas mais fáceis. Assim como também faz uma sátira a outros filmes de assassinos improváveis como “A Bolha Assassina”, “Brinquedo Assassino” e até mesmo “Tomates Assassinos”.

    O Segredo da Cabana

    Chegamos no filme que me fez escrever essa lista. “O Segredo da Cabana” causou um alvoroço quando foi lançado, carregado de diversas referências a outros filmes de terror e com um trama que beira a paródia, o longa se tornou um clássico imediato. A trama é aquilo que já conhecemos: um grupo de jovens vai passar um fim de semana em uma cabana no meio da floresta, rapidamente o grupo desperta uma força adormecida e passam a ser aterrorizados pelos monstros do local.

    É normal estranhar o início do filme, já que ele destoa do restante. Com o passar do tempo vimos que todos os eventos na cabana são orquestrados por pessoas que precisam seguir regras para agradar deuses antigos.

    Regras essas que são os clássicos clichês, um grupo de jovem que precisa conter: o atleta, o sábio, o tolo, (que traduzindo ao popular seria aquele personagem maconheiro e alívio cômico), a meretriz, (que seria a personagem ousada e sexy que sempre mostrava os peitos nesses filmes), e por último a virgem, ou final girl. Sabendo disso é fácil perceber que as pessoas orquestrando tudo são os roteiristas, diretores e produtores que fazem os filmes e o deuses são o público que fica furioso caso algo não saia como esperado.

    É interessante também a quantidade de detalhes do longa. Sabendo de todos os clichês que os personagens são forçados a carregar, a primeira cena de cada um deles é focada em subverter o estereótipo. A protagonista, que teoricamente seria a Virgem da história, é exposto que teve um caso com seu professor da faculdade, a meretriz, que devia ser a mais confiante, fica insegura com sua cor de cabelo, o atleta que deveria ser o mais ignorante, aparece trazendo e recomendando livros de filosofia para o trabalho de faculdade, o sábio, que devia ser o nerd do grupo, é apresentado como um jogador de futebol americano. Por fim, o tolo, esse demora um pouco para mostrar a que veio, mas é o primeiro a perceber o que acontece na trama, sendo que deveria ser o desatento e piadista. Outro detalhe é o quadro de monstros que aprece no filme. Muitos são referências de outros longas, assim como os objetos que os invocam.

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