“A Substância”: o filme que me deixou de joelhos – literalmente

Em um outro texto, eu falei sobre a importância da repercussão em festivais de cinema. Filmes com destaque nestes eventos ditam o tom do longa e carimbam a qualidade dele, visando buscar um público com uma visão mais elitista e quem sabe garantir espaço em premiações até conseguir chegar no Oscar. Então, imaginem a minha surpresa ao saber que o grande vencedor do melhor roteiro no festival de Cannes desse ano era um body horror.

“A Substância”, dirigido e escrito por Coralie Fargeat, se consagrou vencedor de melhor roteiro em Cannes. E já nos primeiros minutos você entende o motivo, o longa é uma aula de apresentação de personagens e de como contar uma história.

Na sinopse, sabemos que vamos acompanhar Elisabeth Sparkle, uma atriz que já passou pelo seu auge e está perdendo espaço. Esse início de premissa nos é apresentado nos minutos iniciais ao mostrar sua estrela na calçada da fama, o tempo vai passando e ela vai ficando cada vez mais mal cuidada e desgasta, chegando até a rachar. Porém, tudo muda quando Sparkle aceita fazer parte de um experimento, ao tomar a tal substância que dá título ao filme. O produto a divide em duas, sendo uma a versão original, essa conhecida como matriz, e a cópia mais jovem e perfeita.

Antes do longa adentrar nos elementos de horror e ficção científica, a temática de perfeição, beleza e exploração do corpo está presente em todo enquadramento. A diretora monta suas cenas com uma perfeita simetria dos elementos que a compõem, fazendo alusão a essa ideia que simetria é sinônimo de perfeição, ao mesmo tempo que tudo simétrica causa uma estranheza, como é usado em “O Iluminado” de Stanley Kubrick.

Além disso, o personagem de Dennis Quaid, produtor do programa de TV que decide que a protagonista está velha demais para o show, é mostrado como um homem nojento durante uma cena de almoço, onde ele cobra juventude e perfeição da personagem, coisas que ele mesmo não tem, e Fargeat foca a cena em todos os aspectos nojentos, ele comendo de boca aberta, com a mão ou limpando na toalha da mesa.

Após a introdução, o elemento de ficção científica entra no filme. As regras do produto são explicadas de forma direta, minimalista e simples de entender. As duas partes, matriz e cópia, precisam viver em harmonia, uma semana para cada uma e, enquanto uma fica acordada outra fica em estado vegetativo se alimentando por uma sonda, esse tempo de uma semana precisa ser respeitado para tudo dar certo.

A atriz da protagonista é a Demi Moore. Moore já é uma veterana do cinema, e com os seus 62 anos sua história se casa com a da protagonista, mas aqui a extensão de sua atuação é mostrada. Como eu disse no inicio desse texto, “A Substância” é um filme de body horror. Traduzindo, é um filme de horror corporal, onde o foco é a violência gráfica e esse subgênero é conhecido pelo absurdo e os efeitos práticos.

Conforme a trama avança, a personagem de Moore vai sentindo os efeitos colaterais, físicos e psicológicos da dominância de sua contraparte. Misturando drama, com horror psicológico, vemos sem declínio mental representado pelo seu declínio físico, a medida que vai se transformando a atuação de Moore vai ficando mais monstruosa e bizarra, bem diferente dos filmes de romance do resto de sua carreira.

Por outro lado, a cópia é interpretada por Margaret Qualley. O trabalho de Qualley pode parecer mais simples, mas não menos importante. A cópia busca ter de volts a relevância na mídia que tinha a protagonista no passado, então ela é escolhida para fazer parte de um programa de TV. O tal programa é apenas uma desculpa para mostrar o corpo das mulheres, no início Qualley quase não tem falas, mas precisa transmitir toda sua personalidade ambiciosa.

Através do olhar e da movimentação, sabemos de todas as intenções da cópia. E conforme sua dominância fica aparente, a personagem fala mais, age mais, se impõe mais e se, como dito no início, as duas partes são uma pessoa só e precisam viver em harmonia, acaba que elas se tornam completas opostas.

Falando assim sobre a trama, ou toda simbologia que a diretora coloca nas cenas, nem parece que a parte do horror vai ser grande, mas é aí que o filme te pega. Quando as coisas começam a dar errado, e não é spoiler as coisas precisam dar errado para termos um filme, se cria um contraste com o visual limpo do filme.

Todas as qualidade de um bom body horror estão presentes: a maquiagem, o visual que é tão estranho que causa náusea e aquela pitada de ficção científica. Não vou citar muito sobre detalhes dessa parte, pois a surpresa é essencial para a experiência e presenciar o quanto as coisas escalam é essencial.

“A Substância” é o primeiro trabalho de Carolie Fargeat em Hollywood. Antes disso ela dirigiu um longa francês chamado de “Vingança” onde ela já mostrou seu talento para o gore. Agora, com seu longa atual, ela eleva o nível, indo a fundo tanto no gore, quanto no seu talento para escrito. Nos dando então, uma ótima opção de horror que sabe equilibrar um bom roteiro enquanto entretém os fãs do gênero.

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