Vamos fazer um exercício mental: imagine, por um momento, uma fusão do Twitter com o 4Chan. Caso tudo isso seja fundido em algo só, dessa forma, é possível ter uma noção do que era o Secret. Essa rede social que teve seu auge em 2014 e era acessada através de um aplicativo baixado para celular e reunia o “melhor” desses dois mundos: microtextos publicados pelo usuário, de forma anônima, mas sem ter aquela estética arcaica e agressiva dos fóruns que são pouco utilizados hoje em dia, mas que ainda predominam em certos cantos estratégicos da internet.
Provavelmente os criadores do Secret não tinham a menor ideia de como sua invenção se tornaria um dos maiores problemas daquele ano. A coisa toda fugiu tanto do controle que foi uma das primeiras redes sociais ativamente banidas de diversos países.
No Secret, o usuário tinha a oportunidade de publicar e ler pequenos textos escritos de forma completamente anônima em uma timeline, assim como a maioria das redes sociais. Porém, apesar de ser “anônimo”, existia uma forma de saber se quem tinha publicado aquele texto era alguém próximo. O aplicativo era vinculado aos contatos salvos no celular do usuário, além do Facebook e do Instagram da conta cadastrada. Dessa forma, o aplicativo mostrava, no canto inferior da postagem, se o autor era um “amigo” ou se foi um “amigo de amigo”. Assim, todo mundo poderia ter uma “noção” de quem havia publicado. Além disso, o aplicativo também triangulava o alcance das publicações com base na localização do usuário, ou então mostrava as mensagens que haviam repercutido mais, já que era possível também comentar de forma anônima em postagens.
E para quem não entendeu até agora, uma simplificação: os criadores desse aplicativo tinham criado um ambiente perfeito para o caos.
Pense assim: ainda existem fóruns na internet que é possível publicar de forma anônima, mas esses locais, como o já citado 4Chan, além de serem “polêmicos”, todo o layout e a forma como funcionam é pouco atraente para um grande público. Enquanto isso, uma rede social “comum” é fácil de usar, mas tudo ali é mais fácil de ser rastreado, até mesmo se o usuário criar um perfil falso. Por isso que havia dito antes que foi unido o “melhor” de dois mundos.
Bom, não dá para quantificar quanta polêmica isso causou, mas foram muitas. O que começou uma simples zoeira entre as pessoas começou a ser utilizado para causar intrigas e até calúnias, fofoca e contar segredos de outras pessoas, reclamar de chefes e colegas… Conforme o aplicativo ia ganhando mais e mais usuários, pior se tornava. Vários relacionamentos e amizades foram desfeitas por conta desse tipo de postagem e algumas pessoas chegaram a perder seus empregos. Isto é, em alguns casos publicações que falavam de coisas que essas pessoas faziam ou falavam, seja isso verdade ou não, ou então por coisas que os autores das publicações divulgaram e acabaram sendo descobertas. Algumas fotos íntimas também foram vazadas, vale dizer. Mas o principal problema do Secret foi o cyberbullying entre os mais jovens, principalmente ambientes escolares.
Dá para imaginar o tamanho do estrago que esse aplicativo teve. Só no Brasil, foram feitos diversos boletins de ocorrência de pessoas relatando casos de abuso, difamação, dentre outras situações complicadas. Inclusive, na época, o Fantástico chegou a fazer uma matéria sobre pessoas que tiveram problemas com o Secret. Isso foi chegando ao ponto que o aplicativo foi proibido no Brasil, sendo que essa medida que também foi adotada por diversos países.
A proposta do aplicativo chegou até ser alterada posteriormente, virando uma espécie de chat privado, mas isso não vingou. O negócio foi ficando insustentável até que, fatalmente, em abril de 2015, o aplicativo foi desativado.
Esse não foi o único aplicativo ou rede social do tipo que existiu, mas sem dúvida foi a que mais fez estardalhaço. Para citar como exemplo, tinha o Ask.FM, o Sarahah (que ainda existe, mas é pouco utilizado atualmente) e o Curious Cat. Uma rede social que fez bastante sucesso entre os universitários norte-americanos foi o Yik Yak, que funcionava quase como o Secret, mas seu alcance era determinado pela localização do usuário. Isto é: ele só veria publicações de outros usuários em um raio de 8 quilômetros. Isso acabou gerando vários problemas similares a do Secret, mas de forma mais localizada e específica em ambientes como os campi das universidades e escolas. Como resultado, ele acabou sendo descontinuado em 2017.
Em 2016, um dos criadores do Secret, o David Byttow, deu algumas declarações falando que o Secret iria voltar por causa do “momento que a internet estava vivendo” e que a plataforma era “muito importante para não existir”. Só que esse projeto não saiu do papel.