O comunismo na URSS só foi possível por este motivo bizarro

O comunismo enquanto modelo econômico é uma piada de mau gosto que ceifou milhões de vidas no século XX. Todo mundo já sabe disso. Porém, sua mensagem cria terreno fértil em mentes ressentidas e arrogantes até os dias de hoje. Dito isso, alguns pontos da história são interessantes de serem observados. De todos os locais onde o discurso comunista chegou, ele efetivamente se instalou nos governos de poucos países. O mais notório de todos foi a antiga União Soviética – por ora, vamos deixar a China de lado e retomaremos em uma análise futura.

É curioso notar como o discurso se alastrou como uma doença nos quatro cantos do mundo (mesmo tendo causado tantas mortes e miséria), mas apenas “brilhou” em um país que, na época da Revolução Russa, ainda vivia sob um feudalismo e recém começava a emergir no campo industrial. Muitos argumentam, inclusive, que foi esse contexto pobre e atraso que fez com que Lênin e sua gangue fizessem a festa no Gigante Gelado. Porém, o Tenente-General Ion Mihai Pacepa, que trabalhou no serviço secreto da Romênia (que viria a se tornar um braço da União Soviética) nos aponta para um outro motivo crucial para que o comunismo existisse no bloco. E essa razão está além de questões econômicas, políticas ou até mesmo religiosas, mas sim históricas e culturais que vão muito mais longe do que se pensa.

Dezinformatsiya

Em seu livro “Desinformação” (2015), Pacepa conta sua história enquanto chefe da espionagem romena até um evento traumático que o fez pedir asilo político nos Estados Unidos e recomeçar sua vida. Superada essa parte autobiográfica que preenche apenas algumas poucas dezenas de páginas iniciais da obra, o Tenente-General começa uma longa explicação de como funcionava (e ainda funciona) a mentalidade soviética com relação a inteligência.

Diferente de a maioria dos países do mundo, o serviço secreto soviético nunca esteve muito interessado em coletar e estruturar informações utilizando agentes, como espiões, para depois utilizar este conhecimento para fins táticos. Mas veja bem: não é que a URSS não tivesse espiões ao redor do mundo, pois eles tinham, mas não era uma das prioridades do governo soviético (ao contrário do que a cultura popular nos faz crer através de filmes e livros). Pacepa explica que a inteligência do bloco tinha como uma das principais metas as operações de Desinformação (ou dezinformatsiya como ele mesmo chama em seu livro).

Essas operações tinham diferentes frentes e objetivos. Um dos mais notórios era a sua guerra de assassinato de reputação da Igreja Católica e, principalmente, do Papa Pio XII (que estava no Trono de Pedro durante a Segunda Guerra Mundial). Pacepa explica que o cristianismo, mais precisamente o catolicismo, era uma grande “pedra no sapato” da mensagem comunista e servia quase como uma barreira cultural que impedia que o comunismo fosse disseminado na Europa e no resto do mundo. Dessa forma, uma das principais ambições tanto de Joseph Stálin quanto de seu sucessor, Nikita Khruschev, era “reescrever” a história do Papa Pio XII durante a Segunda Guerra Mundial.

Os altos escalões do serviço secreto soviético chamavam essa tática de “mudar o passado” de alguém de “enquadramento”. E não foram apenas grandes figuras públicas conhecidas pelo público que foram vítimas desse tipo de assassinato de reputação. Desafetos particulares dentro da política da URSS ou então figuras que não se tornavam mais relevantes para o regime eram “enquadradas” como traidores e seu destino poderia ser execução, os gulags ou um exílio forçado. Contudo, também poderia acontecer o contrário: figuras detestáveis poderiam ser “enquadradas” para que fosse melhor vista aos olhos do público.

Existiam diversas formas de produzir este tipo de desinformação, mas Pacepa chama a atenção para o fato de que todas as mentiras espalhadas pela URSS no mundo inteiro tinham que ter “um pouco de verdade”. Ele explica que uma história totalmente ficcional era muito fraca e não seria engolida por ninguém. E também era importante que tais desinformações deveriam ser veiculadas através dos meios certos, como veículos de comunicação (aparentemente) independentes, pois os “canais oficiais de comunicação” raramente são vistos como confiáveis pelas pessoas. Pacepa ainda afirma que, durante o século XX, as unidades de inteligência russa tinham cerca de 1 milhão de agentes no mundo inteiro especializados em espalhar desinformação, principalmente no Ocidente, afora os milhões de informantes.

Uma curiosidade: Pacepa afirma que um dos ex-chefes da KGB, Yuri Andropov, dizia o seguinte sobre a dezinformatsiya: “É como cocaína. Se você cheirar uma ou duas vezes, não vai acontecer nada. Mas se cheirar todos os dias, você vai se tornar um viciado e um homem diferente.”

Dessa forma, também encabeçado pela KGB, foram produzidas diversas obras culturais feitas com o objetivo de sujar a imagem do grandes figuras públicas, como o Papa Pio XII. Uma das mais importantes foi a peça de teatro “O Vigário”, na qual narra uma história que anda na corda bamba entre biografia e ficção – isso foi importante para que a mensagem tivesse sucesso. E apesar de ter só um autor assinando, Pacepa explica que foi fruto de um trabalho extenso da dezinformatsiya. Assim que chegou no Ocidente, o objetivo da peça foi cumprido, uma vez que muitos jornalistas, resenhistas e “intelectuais” teceram elogios a ela e alcunha de “Papa de Hitler” ficou marcada para denominar Papa Pio XII.

Porém, nem a Igreja, nem intelectuais sérios e nem mesmo ex-nazistas ficaram quietos quando perceberam inconsistências e inverossimilhanças na obra. Pacepa cita exemplos como o fato de ter um padre jesuíta muito jovem e que ainda ostenta títulos de nobreza (algo inexistente), conversas e eventos que teriam ocorrido entre comandantes nazistas e a Igreja que nunca aconteceram. E por mais que tivessem sido levantadas dúvidas com relação a qualidade e credibilidade de “O Vigário”, de certa forma, como já foi dito: o trabalho de sujar a reputação de Pio XII foi cumprido.

Ainda falando sobre essa peça de teatro em específico, o Tenente-General mostra como os comunistas, de forma geral, gostam de cria um espantalho ou um pavão em cima de coisas comuns ou sem tanta importância. Exemplo disso, ele explica, são os supostos “arquivos secretos do Vaticano”, que na verdade eram documentos de acesso público e que na maioria das vezes eram apenas transcrições de discursos, atas de reuniões e encíclicas papais que não são tão secretos assim, nem mesmo de acesso restrito. Contudo, agentes soviéticos aprenderam a dizer coisas como “a descoberta de documentos secretos revelam que…” Esse tipo de coisa, inclusive, chega a ser comum entre comunistas de todo o mundo até hoje. Observe bem da próxima vez que ler notícias.

Pacepa afirma ainda que os Diários de Che Guevara também foram produtos da dezinformatsiya a fim de promover a imagem dele como uma figura importante para a Revolução Cubana. Porém, assim como no caso de “O Vigário”, as informações contidas nas obras são controversas e foram sendo questionadas ao longo do tempo. Só que, de qualquer forma, assim como existem pessoas que acreditam no “Papa de Hitler”, também há quem acredite que Che Guevara foi um herói.

Por que o comunismo se proliferou no Bloco Soviético?

Muito além de questões econômicas (afinal, o comunismo é um desastre sempre que é implementado), o regime soviético encontrou um terreno fértil na Rússia e arredores devido a um fato curioso: a longa dinastia de czares russos já utilizava da desinformação para controlar o povo há séculos. Dessa forma, a revolução liderada por Lênin encontrou todas as condições favoráveis, uma vez que o povo já estava propenso a ser enganado. Um casamento perfeito.

Pacepa explica em seu livro que a Rússia, antes mesmo da Revolução de 1917, “foi a primeira grande potência que transformou a mentira em uma política nacional permanente que visava distorcer todas as facetas da sociedade”. Ainda segundo o Tenente-General, os manuais secretos de desinformação da KGB afirmam que essa “ciência” nasceu, quase que literalmente, da relação amorosa entre Catarina, a Grande, e o príncipe Grigory Potemkin, que era seu principal conselheiro político e militar.

Em 1787, o príncipe era governador-geral da região que atualmente é a Ucrânia. Ele levou Catarina a um passeio na Criméia, região ao sul que havia sido tomada dos turcos quatro anos antes e era muito cobiçada devido sua posição geográfica estratégica desde tempos antigos. Potemkin fez com que falsas aldeias fossem erguidas na região onde o casal passearia. Uma dessas aldeias falsas chegou ao ponto de ter um arco triunfal para dar boas-vindas à imperatriz, dizendo ainda que aquele era “o caminho para Constantinopla”. Tudo isso era mero embuste de Grigory.

Ainda no século XVIII, o francês Marquês de Custine escreveu que “tudo é enganação na Rússia, e a graciosa hospitalidade do czar, reunindo em seu palácio seus servos, e os servos de seus cortesãos, é apenas uma zombaria”. Custine também observou naquela época que o despotismo russo não tinha o menor interesse em ideias e sentimentos, podendo moldar fatos e travar guerra contra evidências. Mesmo tendo escrito tal análise em seu diário com quase 200 anos de antecedência, ele praticamente descreveu com perfeição a própria URSS.

Mesmo com as mudanças radicais promovidas pela Revolução Russa, confiscando propriedades, dissolvendo instituições, assassinando o czar e sua família, a política nacional de desinformação foi conservada. Não se tem certeza se Lênin e seus asseclas tinham consciência prévia do potencial político e cultural das mentiras estatais russa, ou se apenas se depararam com uma oportunidade de ouro após assumirem o poder. Contudo, o fato é que a “ciência da desinformação” seguiu sendo uma das principais armas políticas dos comunistas no poder. E segue sendo, até os dias de hoje, uma das principais ferramentas utilizadas para levantar dúvidas que não deveriam ser levantadas e enganar os povos do mundo inteiro.

Pacepa ainda afirma que o Ocidente tem uma ideia errada do que é a “glasnost”, que ficou conhecida como a política de abertura promovida por Mikhail Gorbachev no fim da União Soviética. Segundo o Tenente-General, “glasnost” é um velho termo russo que significa algo como “polir a imagem do líder”. Em outras palavras, é uma manobra de desinformação voltada principalmente para promover a imagem de uma grande figura pública. A enciclopédia soviética oficial dos anos 1930 definia “glasnost” como sendo uma deturpação das notícias a serem lançadas ao público.

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