Os bizarros casos de roubo de feto

Nenhuma mãe gosta sequer de imaginar o cenário que seus filhos são sequestrados. Inclusive, não raro pais cujos filhos estão desaparecidos falam que isso é ainda pior do que se soubessem que eles morreram, pois a angústia de ficar no escuro é insuportável. E o pior de tudo é que sequer é possível dar a criança como morta, pois existem casos que o reencontro acontece anos depois, com ela já adulta e tendo sido criada por outra família.

E se para uma mãe a ideia de ter seu filho arrancado da sua vida já é perturbadora, imagina quando esse cenário se torna literal e muito mais sangrento? É disso que se trata o roubo de fetos. Apesar de perturbador, felizmente estes casos são bastante raros na prática. Esse crime acontece quando uma mulher grávida é vítima de um sequestro e tem seu feto removido à força. Esses casos são altamente e impactantes, pois a mulher tem a barriga aberta com uma lâmina e o filho é arrancado.

Números e dados

Existem algumas divergências nos números referentes aos casos de roubo de fetos justamente pelo fato de serem casos raros. Até o fechamento desta matéria, não existe um consenso para o número total de casos no mundo. Nos Estados Unidos, o Centro Nacional para Crianças Desaparecidas e Exploradas afirma que entre 1987 e 2023 foram registrados 21 desses crimes, sendo que em nove dos casos os bebês acabaram morrendo e em 19 casos as mães morreram. Ou seja: essa situação é bem mais perigosa para a mulher grávida, do que para a criança que é roubada.

Mas para se ter uma ideia do quanto esses dados são desencontrados, existe um artigo de outubro de 2022 publicado na revista Minerva Forensic Medicine que vai um pouco mais longe. Eles destacam que 1974 e maio de 2023 foram registrados 36 casos de roubo de fetos no mundo inteiro e 28 ocorreram nos Estados Unidos. No restante do mundo, foram registrados um total de oito casos, sendo três deles na África do Sul e dois no Brasil – mas recentemente tivemos um terceiro em terras tupiniquins.

Porém, esse número está também desencontrado, pois o próprio estudo admite que esses casos são apenas os registrados pelas autoridades e certamente os roubos de feto ao redor do mundo são bem maiores. Eles destacam que como esse tipo de crime é algo incomum e não previsto pela legislação, geralmente quando acontecem as autoridades não colocam como “roubo de feto” ou algo assim. Portanto, é um problema mais burocrático do que prático.

Encontramos também uma informação de que existe uma equipe de pesquisadores brasileiros, ao lado de uma equipe americana, que está examinando nove casos em todo o Brasil e espera divulgar o primeiro estudo que entrevista as infratoras, em vez de depender de tribunais.

Um crime majoritariamente feminino

Nós citamos as “infratoras”, não é mesmo? No feminino. Pois é, este é outro dado bastante curioso: até agora, todos os casos de roubo de fetos foram cometidos por mulheres.

Os motivos para esse tipo de crime, até o momento, são bastante nebulosos. Uma das principais razões apontadas são problemas mentais ligados ao desejo de terem filhos, mas que por algum motivo elas eram inférteis e não conseguiam engravidar. Porém, essa hipótese é questionável por alguns especialistas.

Como apontados pela mesma publicação da Minerva Forensic Medicine, muitas das criminosas já eram mães na época que roubaram o feto de outra mulher, sendo que 16 das 36 analisadas no estudo já tinham ao menos um filho e apenas 11 tinham algum caso confirmado de infertilidade. Dessa forma, uma das hipóteses levantadas neste mesmo estudo é que essas criminosas acreditam, de alguma forma, que uma nova criança vai fortalecer ou manter o relacionamento com o parceiro atual, principalmente quando fingem uma gravidez. No estudo, é citado o exemplo de uma mulher que já tinha três filhos de relacionamentos passados e fingiu uma gravidez para o namorado, mas quando chegou a época de dar à luz, acabou raptando uma mulher grávida e roubou o feto dela.

A psicóloga forense Theresa Porter, que é especialista em violência feminina, afirma que o motivo do sequestro fetal vai muito além do desejo de ter um bebê. Ela diz que o narcisismo e os delírios de grandeza como uma explicação para o crime, já que não há nenhuma evidência de que eles tenham um vínculo com os bebês que sequestram. Ela continua dizendo que a maioria dessas criminosas têm deficiências psicológicas, mas a maioria não é psicótica e todas costumam ser vigaristas radicais em suas vidas.

Um ponto em comum em quase todas as mulheres que praticam o roubo de feto é que elas fingem uma gravidez por meses antes de cometerem o crime. E em muitos casos elas costumam ir fundo neste teatro, mostrando até mesmo testes de gravidez positivados e forjam batimentos cardíacos de bebês para seus parceiros de alguma forma. Geralmente, essas mulheres tendem a escolher grávidas que têm alguma proximidade, sendo que a maioria são amigas, vizinhas, conhecidas, parentes. É mais difícil que a criminosa escolha uma desconhecida, mas existem registros disso. Na maioria das vezes, as “ladras de feto” enganam as vítimas de diferentes formas, como através de uma suposta negociação, convite para almoço, ou algo do tipo. Assim, elas ganham a confiança das grávidas até que finalmente consumam o crime.

Modus operandi

E falando do crime em si, quando as vítimas estão vulneráveis e bastante à vontade, a criminosa tende a incapacitar a grávida de alguma forma. Em alguns casos, elas usam armas de fogo para matar, mas também podem estrangular de alguma forma, ou então simplesmente espancam com algo pesado. Usando uma lâmina (que na maioria das vezes não foi feita para procedimentos cirúrgicos), a mulher corta a barriga da grávida, arranca o feto e foge com ele. Na maioria dos casos, a vítima é encontrada no local onde foi atacada e não raro ainda com vida, mas acabam morrendo logo em seguida devido a perda de sangue ou infecção.

Quando já têm o bebê em mãos, as mulheres costumam apresentar ele para todos os seus conhecidos como se ela fosse a mãe. Elas também tendem a procurar assistência médica logo em seguida, mas quando os médicos constatam que ela não pariu recentemente, logo toda a trama começa a se revelar. Assim, é bastante incomum que os casos fiquem sem qualquer solução.

Casos famosos

Nada mais justo do que a gente esmiuçar algumas histórias envolvendo roubo de fetos. E nada mais justo para abrir nossa coleção de casos do que falar de Lisa Montgomery.

Ela nasceu em fevereiro de 1968, no Kansas, Estados Unidos. Lisa cresceu em um ambiente problemático, marcado por abuso sexual, físico e emocional. O padrasto a violentava e ela enfrentou negligência e instabilidade familiar. Inclusive, ela já era mãe de quatro filhos e sempre esteve envolvida em relacionamentos conturbados, sendo que a história pessoal dela também foi marcada por dois casamentos difíceis.

Lisa se casou com o meio-irmão aos 18 anos, sendo que ele era o pai dos quatro filhos que ela teve. Em dado momento, após o caso que a deixou famosa, ele afirmou depois que Lisa era obcecada pela atenção recebida quando estava grávida e chegou a fingir a gravidez duas vezes (mesmo depois que ela passou por uma laqueadura). Eles se separaram nos anos 1990 e, nos anos 2000, ela se casaria novamente com outro homem. Nesse segundo casamento, ela viria a fingir outras gravidezes, mas o novo marido não sabia que ela tinha passado por uma esterilização.

O caso de Lisa Montgomery aconteceu em dezembro de 2004, quando ela entrou em contato com uma mulher de 23 anos chamada Bobbie Jo Stinnett. Elas se encontraram através de um fórum de internet a respeito de venda de cães de raça, mas, na verdade Lisa, já havia sondado a mulher meses antes em uma exposição de cachorros. Neste meio tempo, Bobbie afirmou no fórum que estava grávida e, provavelmente, a criança nasceria em janeiro de 2005. Dessa forma, usando um nome falso, Lisa falou que queria comprar um cachorro de Bobbie e, assim, elas marcaram um encontro na casa de Bobbie.

Lisa foi até o local, onde a estrangulou com uma corda e cortou sua barriga com uma faca, removendo a criança e a levando embora. A mãe de Bobbie a encontrou morta uma hora depois no chão da sala de sua casa e rapidamente chamou a emergência, dizendo que “sua filha havia explodido”.

A notícia do assassinato de Bobbie se espalhou rapidamente até mesmo no fórum de venda de cães. Nisso, um dos usuários procurou a polícia e falou sobre o encontro que ela teria com uma compradora naquele mesmo dia. As autoridades rastrearam o endereço de IP e chegaram até a casa de Lisa e encontraram ela e a bebê que havia roubado. Por incrível que pareça, a criança estava bem. Ela acabou confessando o que havia feito, o que deixou todos horrorizados, incluindo seu novo marido, que achava que a filha que tinha “nascido” era dele e de Lisa.

Os advogados de Lisa tentaram, de todas as formas, alegar insanidade e outros problemas mentais, mas o júri não se convenceu e a condenou à morte em 2007. Inclusive, os advogados tentaram aliviar a culpa de Lisa tentando remover a acusação de sequestro, pois a criança “não poderia ser considerada uma pessoa enquanto não nascesse”. Ninguém aceitou essa ideia e a condenação se manteve.

Em janeiro 2021, Lisa Montgomery se tornou a primeira mulher a ser executada pelo governo federal dos Estados Unidos por injeção letal em quase 70 anos.

Dois anos depois, outro caso bastante chocante envolvendo roubo de feto aconteceu em Illinois, também nos Estados Unidos. Em setembro de 2006, Tiffany Hall assassinou sua amiga de infância, Jimella Tunstall, de 23 anos, para roubar o feto de seu ventre. Tiffany foi até o apartamento de Jimella e a espancou com um pé de mesa até que ficasse inconsciente. Depois, ela arrastou a mulher até a banheira, abriu sua barriga com uma tesoura e removeu o feto. Logo em seguida, Tiffany descartou o corpo de Jimella em um terreno baldio próximo. E vale destacar que o bebê não sobreviveu e, horas depois, Tiffany ligou para a polícia alegando que havia parido uma criança natimorta.

Três dias depois do assassinato, Tiffany visitou o ex-marido de Jimella. Por sinal, a vítima tinha outros três filhos com o homem e ele estava tomando conta de todos no momento do crime. Tiffany alegou que Jimella havia pedido para que ela levasse as crianças para sua casa e ficasse de babá. Como o pai conhecia Tiffany e confiava nela, além de que ela já havia ficado de babá outras vezes, não viu problemas. Essa seria a última vez que ele veria as crianças com vida.

Naquele mesmo dia, Tiffany levou as crianças até o apartamento da mãe e as matou na mesma banheira que havia assassinado Jimella. As autoridades disseram que as crianças foram mortas uma de cada vez, pois achavam que estavam tomando banho, como já havia ocorrido outras vezes antes. Logo em seguida, Tiffany escondeu os corpos dentro da máquina de lavar roupa e da secadora que haviam na residência.

O caso começou a ser desvendado uma semana após o assassinato de Jimella, quando Tiffany contou para seu namorado que ele não era o pai do bebê natimorto que ela supostamente havia parido. Ela confessou que, na verdade, havia matado sua amiga de infância e arrancado o feto de seu ventre. O homem entrou em contato com a polícia após a revelação e os corpos tanto de Jimella quanto de seus filhos foram encontrados. Tiffany Hall foi condenada à prisão perpétua pelos assassinatos e atualmente segue cumprindo a pena.

No Brasil

É importante reforçar novamente que o número total de casos de roubo de feto no Brasil é bastante incerto, pois muitos casos foram registrados de outras formas que não por “roubo de feto” ou qualquer outra coisa do tipo. Contudo, temos ao menos dois eventos que foram confirmados aqui em terras tupiniquins – três, na verdade.

Em 20 de outubro de 2019, Fabiana Pires Batista, de 23 anos, que estava grávida de oito meses, foi encontrada morta nas margens do lago de um loteamento de Porto Velho, no estado de Rondônia. Ela teve o ventre aberto e o filho roubado. Nas águas desse mesmo lago, foi encontrado o corpo do filho de sete anos de Fabiana, que morreu afogado. E vale destacar aqui, antes de continuarmos, que pelo fato de que os principais suspeitos serem menores de idade, os nomes não foram revelados pela polícia devido ao Estatuto da Criança e do Adolescente.

A delegada responsável pelo caso afirmou na época que a principal suspeita era a irmã de Fabiana, que tinha apenas 13 anos, e que ela teve ajuda de outros adolescentes na hora de cometer o crime. A investigação apontou que o roubo da criança surgiu de forma circunstancial, sendo que originalmente o objetivo era somente matar a mãe e o filho. Contudo, o outro adolescente envolvido no caso resolveu remover o feto e entregar para a mãe, uma vez que essa estava namorando um garimpeiro e pensou que essa criança “poderia ser uma forma da família ter melhores condições financeiras”. A criança foi encontrada posteriormente na casa desse adolescente e passava bem. Desde então, não se tem mais muitas informações sobre o desenrolar do caso, uma vez que os criminosos eram menores de idade.

Já segundo caso aconteceu na tarde dia 27 de agosto de 2020, na cidade de Canelinha, em Santa Catarina. Flávia Godinho Mafra, de 26 anos, estava grávida de oito meses quando foi atraída para o chá de bebê falso arquitetado por Rozalba Maria Grime, que era sua amiga.

Após o crime, Rozalba procurou o serviço de saúde alegando que havia dado à luz no meio da rua. Contudo, os médicos não se convenceram disso, pois viram que a criança tinha marcas de corte e a mulher não tinha sinais de que havia parido recentemente. A polícia foi acionada pelos próprios médicos e o corpo de Flávia foi encontrada na manhã seguinte. Rozalba então admitiu que havia planejado o crime, sendo que ela mesma havia dirigido e levado Flávia neste suposto chá de bebê. No meio do caminho ela fez um desvio até a fábrica abandonada, a atordoou com um tijolo e usou um estilete para extrair o filho de seu ventre. A criança sobreviveu e atualmente passa bem.

De acordo com relatos, Rozalba Maria Grime havia perdido a gravidez em janeiro daquele mesmo ano e desde então começou a planejar o crime. Inicialmente, o marido dela também foi acusado de ter sido cúmplice, mas a polícia descartou essa possibilidade após a confirmação que ele não teve qualquer envolvimento. Rozalba foi condenada a 56 anos de prisão pela Justiça de Santa Catarina e segue cumprindo pena.

Mais recentemente, no dia 15 de outubro de 2024, uma mulher de 42 anos chamada Joseane de Oliveira Jardim foi presa em flagrante em Porto Alegre acusada de ter matado uma grávida para roubar o bebê. Ela foi pega ao procurar ajuda médica para a criança, que acabou não resistindo. A investigação aponta que a mulher sonhava em engravidar e, nas últimas semanas, estaria simulando gravidez. Joseane teria convidado a amiga Paula Janaina Ferreira Melo, de 25 anos, para ir a sua casa com a promessa de que a presentearia com brinquedos e itens de enxoval. No local, a mulher teria cortado a barriga da amiga e retirado o feto.

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