Grand Guignol: o teatro francês que inventou os slashers do cinema

Existe um consenso dentro das artes que “nada se cria, tudo se transforma”. Isso, em certa medida, é verdade, uma vez que toda obra bebe muito das que vieram antes dela. Até mesmo os maiores artistas e escritores tiveram seus ídolos e sofreram grandes influências até se desenvolverem até chegar no ponto que conhecemos.

Com isso em mente, dá para imaginar que os gêneros cinematográficos que conhecemos tiveram suas origens em elementos predecessores. Não seria diferente dos slashers, que são um dos subgêneros mais conhecidos do terror no audiovisual. Nossos amados assassinos sanguinários e com visuais icônicos receberam referências pesadíssimas de uma origem pouco conhecida: o teatro francês.

Aqui no Brasil, o teatro não é uma expressão artística muito popular, sendo que grande parte dos brasileiros sequer assistiram a uma peça na vida – algumas pesquisas, como a do Sesc e da Fundação Perseu Abramo, afirmam 60% das pessoas no Brasil nunca foram ao teatro. Inclusive, não raro é possível ver pessoas estranhando o fato de ainda existir esse tipo de arte, como se fosse uma forma de “cinema primitivo”. Porém, na Europa e nos Estados Unidos, este ainda é um tipo de programa bastante consumido por parte da população. Assim, apesar de muitas pessoas não saberem, vários filmes têm bastante influencia teatral, uma vez que são duas artes que conversam uma com a outra.

Assim, grandes diretores de cinema do século passado encontraram inspiração no Grand Guignol para criar os slashers.

O Grand Guignol foi um teatro localizado em Paris que ficou conhecido por suas apresentações de horror gráfico e realista. Fundado em 1897 por Oscar Méténier, o teatro explorava histórias macabras e chocantes, muitas vezes inspiradas por crimes reais ou situações psicológicas extremas. Seis noites por semana e aos domingos, o público assistia a cenas de sangue, decapitações e torturas tão gráficas que médicos eram contratados para atender espectadores que desmaiavam ou passavam mal. Nas primeiras filas, os frequentadores eram literalmente “atingidos” pelos respingos de sangue cenográfico — e, ocasionalmente, real, proveniente de animais. A proximidade das cenas e o realismo das performances criavam um impacto visceral, levando muitos a experimentarem a angústia quase como se fossem parte do espetáculo.

Para os mais sensíveis, o teatro dispunha de salas especiais para que pudessem se retirar e recuperar o fôlego. Ainda assim, desmaios, vômitos e até crises de incontinência eram comuns entre o público. Curiosamente, figuras históricas tiveram reações marcantes às apresentações: o General George Patton, veterano da Segunda Guerra Mundial, teria confessado sentir-se profundamente desconfortável durante uma sessão, enquanto Hermann Goering, um dos líderes nazistas, era um notório admirador do Grand Guignol. Esse teatro, que misturava choque, curiosidade e um toque de morbidez, não apenas cativou audiências como também desafiou os limites da experiência artística e emocional de seu tempo.

Seu nome, que remete a uma figura grotesca do teatro medieval, refletia bem a essência do que era encenado em seu palco: tragédias intensas e terror visceral, que impressionavam os espectadores. Em seu interior, a arquitetura do teatro não permitia amplitude e, por isso, o palco era bastante próximo da plateia, sendo uma situação que aumentava a sensação de claustrofobia do lugar. Combinando maquiagem detalhada, efeitos práticos e performances intensas, as produções eram capazes de simular mutilações, assassinatos e outros atos horrendos de forma realista. A maquiagem era focada em ferimentos e sangue derramado, bem como jogos de espelhos, membros de borracha, facas e outras armas brancas com efeitos, além do uso de fumaça.

Apesar de o foco ser o horror, as peças também introduziam alívios cômicos, conhecidos como “cenas brancas”, para contrastar com a brutalidade e dar ao público “momentos de respiro”.

O teatro ficava no bairro Montmartre, que era tomado pela prostituição e pobreza. Algumas pessoas dizem que o local em questão foi instalado na capela de um antigo convento, mas isso nunca foi confirmado. O fato é que o teatro estar localizado em uma região sombria da capital francesa conseguiu estabelecer a sua atmosfera de clandestinidade, com doses de perigo, gerando assim o clima perfeito para reforçar o tom dos espetáculos.

As peças do Grand Guignol envolviam temas de insanidade, violência, traição e vingança, sendo consideradas revolucionárias para a época. As apresentações eram recheadas de insanidade, violência e tudo era muito bem feito. Dentre algumas das peças mais icônicas do Grand Guignol, alguns registros destacam histórias marcantes. Uma delas conta sobre uma babá que estrangulou crianças sob seus cuidados, outra que narrava o caso de duas bruxas em um manicômio, responsáveis por cegar uma bela jovem munidas de uma tesoura. Outra peça muito conhecida contava a trajetória de um médico que encontra o amante de sua esposa na mesa de cirurgia (dando a ele um destino horrível).

O Grand Guignol teve seu auge no início do século XX, mas sua popularidade começou a declinar com o avanço das guerras mundiais. Além disso, a a ascensão do cinema passou a dominar o entretenimento visual. Após décadas, o teatro encerrou suas atividades em 1962, mas ainda assim, seu legado persiste, influenciando gêneros como o cinema de terror, o teatro experimental e a literatura gótica. Hoje, o Grand Guignol é lembrado como um marco da teatralidade extrema e como precursor de formas modernas de entretenimento que exploram o macabro.

O estilo e a abordagem do Grand Guignol são ocasionalmente revividos por companhias teatrais ao redor do mundo que tentam homenagear ou reinterpretar o espírito do teatro original, mas não há nenhuma operação contínua que leve o nome ou a tradição direta do Grand Guignol em sua forma original. O teatro permanece como um símbolo histórico do impacto cultural do horror.

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