Bizarrices do jornalismo brasileiro

Uma das maiores máximas dentro do jornalismo é: “Se um cachorro morde um homem, não é notícia, mas se um homem morder um cachorro aí sim é notícia”. Só que às vezes um fato é tão inusitado que a notícia parece ser fruto da mente de um roteirista de cinema após o consumo de substâncias questionáveis. Fica difícil de acreditar que certas coisas acontecem, seja pela bizarrice, pela gravidade ou por tudo isso junto.

Inclusive, como o leitor já deve ter se dado conta pelo título desta matéria, resolvemos pinçar algumas das bizarrices que o jornalismo brasileiro já nos proporcionou. Essa própria curadoria foi uma tarefa difícil, pois temos tantos exemplos que fica difícil de escolher alguns poucos. Algumas dessas histórias são engraçadas, enquanto outras são revoltantes.

Jornalismo “tititi”

O jornalismo ao estilo “tititi” é um dos mais rentáveis dentro dos nichos da profissão. Isso acontece porque é barato de fazer, tem um apelo popular gigante e entretém sem dar qualquer informação realmente relevante para a vida das pessoas – e infelizmente, as pessoas às vezes não querem pensar muito. Basta ver o quanto as matérias sobre Big Brother Brasil rendem cliques para os portais de notícias…

Inclusive, dentro desse jornalismo tititi, uma das notícias que acabou virando meme no Brasil foi a publicada pelo portal Terra no dia 10 de março de 2011 que dizia assim: “Caetano Veloso Passeia pelo Leblon e Estaciona o Carro”. Logo depois dessa incrível matéria, a profissão foi tirada para chacota porque diziam que os repórteres e editores faziam esse tipo de coisa só para conseguir cliques – o que de fato é em muitos casos. Lembro que tive um professor na faculdade que trabalhou no Portal Terra que dizia que quando estava chegando perto de entregar os resultados dos acessos no site, e ainda faltava um bocado para atingir a meta, ele simplesmente colocava alguma foto de uma mulher seminua para conseguir mais acesso e o problema estava resolvido.

Porém quero chamar a atenção aqui para o fato de que nem sempre o jornalismo tititi é inofensivo. A busca insana por ibope pode acabar gerando tragédias, como no caso da Lady Di nos anos 1990 e, mais recentemente, o caso da Choquei que acabou acarretando na morte de uma menina. É bom que a gente nunca esqueça disso.

E falando em faculdade e em notícias “ultra relevantes para a sociedade”, isso me lembrou que certa vez o Cristiano William e eu estávamos conversando por WhatsApp sobre alguma coisa a respeito do EaD. Não vou entrar em detalhes sobre como exatamente como a gente chegou nesse assunto, mas aí ele mandou uma mensagem de áudio, quase chorando de rir, sobre a notícia de que a Gracyane Barbosa teve prisão de ventre em uma festa e o Belo chamou a polícia. Eu não conhecia essa história até então, mas depois eu entendi o porquê de ele estar chorando de rir. Bom, vamos entender tudo um pouco melhor.

Gracyanne Barbosa é uma fisiculturista e dançarina que ficou famosa por integrar o grupo Tchakabum. Ela foi casada com o cantor Belo entre os anos de 2011 e 2024. E o caso que virou notícia aconteceu em 21 de julho de 2016. Basicamente, ela afirmou na época que tem problemas crônicos para ir no banheiro, chegando a ficar vários dias sem conseguir evacuar. Aí, quando isso acontece, ela acaba ficando um tempo considerável sentada no vaso para finalmente se aliviar um pouco. (Não sei tem a ver com as quantidades industriais de ovos que ela come todos os dias, mas enfim.)

Segundo a Gracyanne, na manhã do dia que tudo aconteceu, já era o oitavo dia que ela não conseguia ir ao banheiro. Pelo fato de ter que fazer algumas fotos naquele mesmo dia, ela queria treinar na academia antes. Porém, logo pela manhã ela sentiu que conseguiria finalmente soltar a carga de mais de uma semana. Ela ficou sentada, esperando e se concentrando. Nesse momento, o Belo acordou para ir ao banheiro também e pelo fato de estar sonolento, ele não percebeu que a esposa estava ali também.

Ela acabou gritando para ele fechar a porta, mas, de acordo com o próprio Belo, ele entendeu que a Gracyanne tinha pedido para ele “descer e soltar” ela – seja lá como ele tenha entendido isso. O fato é que ela tinha pedido para ele fechar a porta do banheiro ao sair, pois ela precisava se aliviar, mas ele por algum motivo estava pensando que ela estava gritando por ajuda.

Ela relatou ainda que logo em seguida viu a cortina do quarto se mexendo e gente no telhado. Nisso, o Belo gritou perguntando onde ela estava e ela gritando que estava no banheiro. Foi aí que ela ouviu barulho de correria e os cachorros latindo. Nesse momento, ela o ouviu chamar a irmã da Gracyanne e falar para ela ir dentro do salão devagar, porque a Gracyanne supostamente estava presa dentro do salão porque tinha sido sequestrada. A grosso modo, o Belo estava desesperado com a possibilidade de a mulher estar sob a mira de bandidos e pretendia pegá-los de surpresa.

Foi aí que a Gracyanne desceu a escada da casa e encontrou o marido se tremendo todo em posição de alerta pensando que a esposa tinha sido sequestrada. Ele estava jurando isso porque quando ela gritou: “amor, fecha a porta”, ele ouviu, “amor, desce aqui e me solta”. Ele não tinha visto ela no banheiro porque estava quase sonâmbulo. Enquanto isso, ele já tinha ido ao telhado e chamado uma vizinha para ligar para a polícia. Nas próprias palavras de Gracyanne: “Ele tinha certeza que eu estava lá dentro com os bandidos e falou que ia me salvar. Eu só queria fazer cocô e acabei não fazendo”.

A perna cabeluda

Mas não é só de notícias Tititi que vive o jornalismo brasileiro. Temos também aquelas mais cabeludas. Literalmente. Vamos falar um pouco agora sobre a icônica perna cabeluda.

Ok, a pessoa que está lendo isso pode pensar: “mas a perna cabeluda foi uma crônica literária e não uma notícia”. E é verdade. Porém, esse fato circulou em Recife na década de 1970 como se fosse uma notícia. Não se sabe se isso foi por causa de um mal entendido do povo ou por mau-caratismo de alguém. Talvez tenha sido semelhante ao caso de “A Guerra dos Mundos” que, na década de 1920, as pessoas achavam que tinha uma invasão alienígena acontecendo de fato.

Ok, mas o que de fato foi a perna cabeluda? No dia 1º de fevereiro de 1976, o jornalista Raimundo Carrero publicou em sua coluna no Diário de Pernambuco a história de uma perna cabeluda e decepada que, de alguma forma, estava viva e assombrava as pessoas de Recife, agredindo e até matando pessoas com seus poderosos chutes e rasteiras.

O fato é que o texto, que era assinado declaradamente como uma ficção policial, repercutiu de tal forma que muitas pessoas acreditaram que era real e a perna cabeluda realmente era uma entidade que existia. Não se sabe que tipo de histeria coletiva que aconteceu por lá, mas o fato é que essa lenda urbana se espalhou de uma forma tão grande que virou parte da cultura local.

Anos mais tarde, o Raimundo Carrero contou como tudo isso surgiu. Segundo o próprio, em uma noite daquele ano, um colega de trabalho chegou afoito na redação do jornal e todos se perguntaram o que tinha acontecido. Esse colega afirmou que “tinha uma perna cabeluda debaixo da cama que dividia com a esposa”. Quando perguntaram sobre “o resto do corpo”, o homem disse que não tinha resto do corpo nenhum. Como é de se imaginar, provavelmente o sujeito não deve ter olhado muito bem para pegar o Ricardão no flagrante. Mas o fato é que a história acabou divertindo a todos as custas do colega que estava usando o chapéu de touro.

E como o Raimundo Carrero era responsável pela coluna policial que relatava casos absurdos, ele resolveu usar o espaço e a licença poética para criar uma história de ficção sobre a perna cabeluda. Ele afirma ainda que esse espaço do jornal surgiu como uma forma de preencher o periódico, uma vez que devido ao regime militar, muitas matérias acabavam sendo censuradas, o que acabava deixando um espaço em branco nas páginas.

A cidade que plantava maconha

Uma má interpretação sobre uma informação é capaz de gerar até mesmo uma das lendas urbanas mais bizarras de uma cidade. Só que alguns enganos podem ir muito além como vamos conferir na sequência – e curiosamente, esse caso também aconteceu no Nordeste brasileiro e tomou as manchetes dos jornais em 1996. Vamos falar agora sobre o caso da cidade de Cruzeta, no Rio Grande do Norte, onde os moradores plantavam maconha pela cidade inteira achando que era uma planta medicinal.

Uma reportagem da época conta que tudo começou quando a polícia recebeu a denúncia de que um rapaz estaria portando a droga em um bar. Quando as autoridades foram ao local, eles descobriram que de fato o jovem trazia consigo um pouco de maconha. Porém, o que chamou atenção dos oficiais é que ela parecia recém colhida e não devidamente tratada para ser consumida da forma convencional. Assim, ele afirmou que ele conseguiu a erva no pátio da casa de um idoso e até levou os policiais até o local.

Quando chegaram na dita casa, eles encontraram um pé de maconha de mais de três metros de altura. Ao ser questionado, o idoso dono do imóvel alegou que aquela erva era para fins medicinais e até mesmo apresentou para os agentes um tipo de chá que fazia com ela que o próprio havia criado no ano de 1988, quando plantou o pé de maconha que os policiais haviam encontrado.

Ao longo do tempo, os vizinhos do idoso descobriram as propriedades medicinais da planta e do chá e pediram mudas e passaram a plantar em diversos locais da cidade. Assim, a polícia passou a investigar e foram encontradas as plantações em diversas casas da cidade. Só que ninguém sabia que se tratava de maconha. Algumas das plantas, inclusive, mediam até seis metros de altura. No fim, todas as mudas foram cortadas e apreendidas, mas ninguém foi preso.

ET Bilu

Como podemos ver, algumas notícias são cabeludas, outras podem nos causar uma prisão de ventre e outras podem até nos deixar com um barato louco. Mas também têm aquelas que parecem ser coisa de outro mundo, quase alienígena. Pois é, uma das maiores produções jornalísticas do Brasil sem sombra de dúvidas foi o caso do ET Bilu. Então se preparem, pois a história é meio longa.

Tudo começou com ufólogo Urandir Fernandes de Oliveira, que é conhecido por aparecer na mídia de vez em quando alegando ter poderes paranormais e contato com extraterrestes. Ele foi o responsável por uma iniciativa chamada Projeto Portal, que começou por volta do ano de 2002. Basicamente, esse negócio era todo um esquema que incluía a construção de uma comunidade chama de Zigurats, que fica no município de Corguinho, no Mato Grosso do Sul.

Nesse lugar, que tem várias casas construídas em um formato de iglu, as pessoas podem ficar esperando e se preparando para o fim do mundo. Só que quando o caso ganhou atenção após a reportagem especial do Domingo Espetacular, em 2009, a maior histeria coletiva era para o suposto fim do mundo de 21 de dezembro de 2012. (Hoje em dia não sei qual apocalipse eles estão se preparando, mas ainda tem gente que mora por lá.)

De acordo com Urandir, além de as casas dessa comunidade serem capazes de aguentar todo tipo de desastre natural, elas foram construídas a partir da orientação de um alienígena que morava no local – o ET Bilu. Os moradores locais supostamente tinham contato com esse ser de outro planeta e lá também eram vendidos vários cursos para aprender o controle para enfim poder se comunicar com esses bichos de outro planeta.

Pode parecer muito bizarro, mas todo esse projeto era bastante lucrativo para o Urandir, sendo que chegava a movimentar cerca de R$ 4 milhões por ano na comunidade com turismo e venda de cursos para falar com os ETs. Além disso, o objetivo final desse projeto era construir uma pirâmide no centro dessa comunidade, pois supostamente foram os alienígenas que orientaram a construção das pirâmides do Egito e eles queriam fazer igual.

Ok, mas e onde o caso do ET Bilu entra na bizarrice do jornalismo brasileiro? Como já dito, em 2009, o Domingo Espetacular, da Record TV, fez uma reportagem de mais de 20 minutos sobre o Projeto Portal e a comunidade de Zigurats, mostrando como o pessoal de lá vivia. Lá pelas tantas, a equipe de reportagem se enfiou no meio do mato para supostamente conseguir contato com o ET Bilu. E convenientemente, eles não podiam ligar nenhuma lanterna e só podiam filmar com a câmera de visão noturna, pois o bicho não gostava de luz. O pior de tudo é que a reportagem teve todo um tom sério, mas o tema em si era ridículo.

E é essa a maior bizarrice que envolve todo esse caso: a equipe dos repórteres entraram em contato com o suposto ET Bilu, que tinha uma voz bem fininha e falava português perfeitamente, dizendo sua famosa frase: “Apenas busquem conhecimento”.

Quando o caso estourou, o programa humorístico da Band, CQC, resolveu fazer sua própria matéria sobre o Projeto Portal, sendo quase uma paródia da matéria do Domingo Espetacular. Dessa vez, o repórter era o humorista Danilo Gentili e toda a condução da matéria foi irônica e sarcástica. O pessoal do Projeto Portal fez o pessoal do CQC andar quase por uma noite inteira no meio do mato e chegou até dar uma discussão entre eles. Convenientemente, o Urandir, o mentor de tudo, não pode comparecer nessa noite porque “estava com a perna machucada”.

Em dado momento, o cameraman conseguiu avistar o suposto ET Bilu que era o próprio Urandir vestido com um moletom verde e o rosto pintado, com uns arbustos amarrados na roupa para dar a impressão de que ele se teletransportava de um lugar para o outro. Só que a equipe de reportagem ficou bastante assustada com isso, pois eles descobriram o maior segredo do Projeto Portal. E eles estavam no meio do mato e poderiam ser mortos ou sequestrados. Além disso, eles mal tinham sinal de internet e telefone.

Infelizmente eles não conseguiram captar nada com a câmera, pois a visão noturna não conseguiu ver o que eles viram a olho nu, mesmo com pouca iluminação. Por fim, eles terminaram de gravar e saíram de lá o mais rápido possível sem olhar para trás. No fim, eles não contaram para ninguém sobre o que eles tinham descoberto para não perder a graça, mas anos depois eles acabaram revelando em um podcast. Ainda hoje, o Urandir dá o que falar quando resolve aparecer na mídia. Só que o legado dele com relação ao ET Bilu e as reportagens produzidas vão ficar na história do jornalismo brasileiro como uma das maiores bizarrices.

Escola Base

Não pense que apenas um jornal declaradamente sensacionalista é capaz de fazer matérias bizarras e capazes de destruir a imagem de algo. O próprio jornalismo tradicional e mais sério também está sujeito a esse tipo de coisa. Vamos falar agora sobre o tráfico caso da Escola Base.

Tudo começou em março de 1994, no bairro da Aclimação, na cidade de São Paulo. Os proprietários da Escola Base, que era um local de ensino infantil, foram acusados injustamente de abuso sexual de crianças de quatro anos. De acordo com as informações preliminares, os donos do local, Icushiro Shimada e Maria Aparecida Shimada, a professora Paula Milhim e o esposo dela, o motorista Maurício Alvarenga aproveitavam o horário escolar para levar os estudantes para motéis, onde seriam filmados e fotografados nus.

Essa histeria coletiva começou após duas mães denunciarem um possível caso de abuso de seus filhos dentro da Escola Base. Após diversas inconclusões nas primeiras investigações, as mulheres foram à mídia e assim o caso estourou. A situação poderia ter sido freada pela imprensa ou pela polícia, mas ambas só colocaram mais lenha na fogueira. A verdade, revelada depois, é que não houve qualquer tipo de investigação ou apuração neste primeiro momento e todos compraram a versão delas.

Além disso, como se não pudesse ficar tudo pior, um laudo mal feito da perícia policial deu positivo para o abuso sexual de uma das crianças. O exame foi refeito depois, pelos mesmos profissionais, e dessa vez deu negativo, pois o “abuso” era, na verdade, marcas decorrentes da prisão de ventre da criança – é bizarro como nesta matéria temos dois casos de prisão de ventre que envolveu a polícia. Tocando em miúdos, por mais escatológico que seja, as lesões encontradas no reto da criança foram por causa de um fecaloma e não por qualquer tipo de penetração de qualquer natureza.

O fato é que antes da correção ser feita, a escola acabou sendo depredada e os acusados tiveram vidas foram destruídas da pior forma possível. Inclusive, a manchete do Notícias Populares, “Kombi era motel na escolinha do sexo”, traduz a forma como a imprensa estava lidando com o caso, principalmente porque não havia qualquer outro assunto na imprensa naquela época. Mas não é porque o Notícias Populares era sangrento que ele foi o único a abordar as coisas dessa forma. Como eu havia dito, até mesmo o jornalismo mais tradicional acabou se deixando levar por isso.

Além do sensacionalismo da imprensa, um dos maiores problemas deste caso foi a publicidade que o delegado Édelson Lemos acabou ganhando para si mesmo. Ele estava encarregado de investigar o caso e por algum motivo atuava de forma bastante arrogante e inquisitiva ao falar sobre a Escola Base. Só que alguns jornalistas começaram a perceber que tudo que se sabia de oficial sobre o caso vinha dele e ele não apresentava nenhum tipo de laudo ou prova material, dizendo inclusive que “o inquérito era a prova que todos precisavam”.

A teoria mais aceita é que ele deve ter visto essa situação como uma forma de brilhar na carreira e na vida e não queria admitir que havia errado e continuou sustentando a versão errada da história. E isso é bem perceptível nas entrevistas da época.

O fato é que os envolvidos tiveram suas vidas destruídas após isso tudo. O casal de donos da escola base já são falecidos atualmente e passaram os últimos anos de vida enfrentando problemas de saúde e financeiros. O outro casal de funcionários se divorciou e a professora nunca mais conseguiu trabalho na área. Muitos jornais foram processados por danos morais por conta deste caso, como a Globo, a Folha de S. Paulo, o SBT, a Veja, a Record, dentre outros. Algumas indenizações foram pagas, mas infelizmente não chegou nem perto de reparar os danos causados na vida dos envolvidos.

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