Barba Azul: um sinistro conto infantil quase esquecido

Não é nenhuma novidade que as versões originais dos contos infantis eram muito mais macabras do que edições atualizadas. Como possuíam um aspecto moralizador, as narrativas no passado costumavam ser usadas para transmitir tais lições que eram importantes para as crianças. Sabiamente, os editores de histórias infantis foram suavizando os aspectos mais sombrios destas histórias conforme os séculos foram passando, mas sem perder o sentido norteador.

Contudo, existe uma história infantil que, atualmente, é quase esquecida, mas que também foi icônica. O mais provável é que este movimento foi “semi-intencional”, uma vez que sua versão original é tão sombria que há pouca margem para alterações sem que o sentido original da obra não fosse distorcido. Além disso, este é o típico conto de terror para assustar as criancinhas, uma vez que é muito difícil extrair qualquer sentido moralizador ou lição de tal narrativa – além de que, muitas pessoas, são a representação da mais fina e pura maldade.

Pois este é o caso do conto “Barba Azul”. Esta história remete séculos dentro do folclore europeu. Contudo, a versão mais popular foi escrita pelo autor francês Charles Perrault no século XVII.

A trama segue um homem rico e misterioso, conhecido por sua barba azul, que se casa repetidamente com jovens mulheres, apenas para fazê-las desaparecer de maneira enigmática. Ele oferece a suas esposas acesso a todas as riquezas de sua mansão, mas impõe uma única proibição: jamais devem abrir uma porta específica. A protagonista do conto, a nova esposa de Barba Azul, inicialmente resiste ao medo e à desconfiança que seu marido inspira. Contudo, a curiosidade a domina, e ela decide abrir a porta proibida.

Para seu horror, dentro do aposento secreto, ela descobre os corpos das esposas anteriores, todas brutalmente assassinadas. Apavorada, ela tenta esconder sua transgressão, mas um detalhe a denuncia: a chave que usou para abrir a porta fica manchada de sangue e, por mais que tente limpá-la, a mancha não desaparece.

Quando Barba Azul retorna e descobre o que aconteceu, ele decide que sua nova esposa também deve morrer. Desesperada, ela pede um tempo antes de sua execução e, com a ajuda de sua irmã, consegue avisar seus irmãos sobre o perigo que corre.

No último instante, quando Barba Azul está prestes a matá-la com sua espada, seus irmãos chegam e o matam, libertando-a do destino terrível que suas predecessoras enfrentaram. Assim, a protagonista herda a fortuna do vilão e segue com sua vida, livre do terror.

Durante muito tempo, o conto foi interpretado como uma metáfora para os perigos da curiosidade feminina, ou como uma narrativa sobre o controle masculino e a punição de mulheres que desafiam regras impostas. Contudo, algumas análises modernas destacam o enredo como um alerta sobre relações abusivas, onde a esposa, inicialmente seduzida pelo poder e mistério de Barba Azul, acaba descobrindo o verdadeiro horror por trás do encanto. A porta pode ser vista como um símbolo de segredos sombrios dentro de relacionamentos e da necessidade de escapar da opressão.

Não obstante, como se trata de uma obra infantil, fica muito difícil de extrair tais lições dessa narrativa, uma vez que essa mensagem fica muito diluída no horror apresentado tanto pelo personagem quanto pelo seu segredo. Dessa forma, faz sentido que a história de Barba Azul tenha sido, aos poucos, deixada de lado ao longo dos anos no “cânone” dos contos infantis. Só que não deixa de ser curioso analisar como os povos mais antigos enxergavam a infância.

Mesmo que seja deixado de lado, ao longo dos séculos, Barba Azul inspirou diversas adaptações, desde peças teatrais e óperas até filmes e literatura contemporânea. Além disso, uma das versões mais curiosas do personagem foi interpretada por Leandro Hassum no filme “Xuxa: Abracadabra” (2003). E sim, isso é no mínimo aleatório.

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