“Obediência”: o poder da Manipulação

Com uma trama simples, mas intrigante, “Obediência” é um longa de 2012 que ganhou um novo fôlego em 2025 ao chegar no catálogo do Prime Vídeo. Dirigido por Craig Zobel, na trama acompanhamos uma gerente de uma rede de fast-food que recebe um telefonema de um policial alegando que uma de suas funcionarias é suspeita de um crime. O homem no telefone então, passa instruções para a gerente pedindo para isolar a funcionária e fazendo ela passar por situações humilhantes.

Não demora muito para percebermos que tem algo errado. A ligação não passa de um mero trote e o que vemos a seguir é uma demonstração de passividade e manipulação. Juntamente com a direção, que é calma e silenciosa, o que aumenta a sensação de desconforto, o roteiro faz um bom trabalho em expor a mente dos personagens enquanto avança a trama.

A pessoa no telefone manipula Sandra, a gerente, fazendo elogios e intercalando eles com ameaças de prisão. Sandra, por sua vez cai no papo, demonstrando ser narcisista ao mesmo tempo que, como qualquer pessoa que queira evitar problemas, medrosa e cautelosa.

Além disso, passamos o início por uma contextualizada. Para mostrar a correria do dia a dia do trabalho, vemos os problemas do lugar como, o freezer que ficou aberto na noite passada, dando prejuízo e estragando alguns alimentos, e a presença de um possível fiscal de qualidade disfarçado de cliente. Essas coincidências colaboram para mostrar como Sandra estava atarefada, o que pode ter influenciado em suas decisões questionáveis. Beck, a funcionária, por medo de ser presa, perder o emprego e querer provar sua inocência, também cai no papo do golpista. Depois desse ponto as coisas vão de mal a pior, com Beck sendo obrigada a ficar nua e passar por uma visita íntima.

As sequências de eventos vão escalonado de maneira gradual, nos fazendo pensar a cada cena que não tem como ficar pior, mas é claro que sempre pode piorar. Com o envolvimento de mais pessoas, como um outro funcionário da lanchonete, e até mesmo o noivo de Sandra, Beck passa por sessões de maiores constrangimentos e abuso físico e mental.

A direção sabe trabalhar a subjetividade. Ao fazer planos sutis, Zobel, brinca muitas vezes com nossa imaginação, ao mostrar pouco mas o suficiente para entendermos o que está acontecendo, ele mostra a tensão da situação sem parecer uma exposição sádica da tortura passada pela jovem. Sobre as atuações, assim como a direção são sutis. Beck quer parecer tranquila, para não dar o ar de culpada, enquanto Sandra precisa cooperar para a situação acabar logo. A qualidade está nos olhares, na inquietação e nas pequenas as lágrimas que rolam, apesar de ninguém dar o braço a torcer.

“Obediência” é um suspense lúdico e desconfortável, não temos aqui nenhuma cena de ação ou um momento de embate físico. Porém, o que reina é o clima de silêncio constrangedor, misturado com o sentido de que querer se envolver, todo acabam envolvidos.

O caso real

Apesar do quão absurda seja essa situação passada no longa, pior é saber que ela realmente aconteceu. Em 2004, os fatos retratos em “Obediência” aconteceram em um McDonald’s, localizado em Mount Washington, uma cidade no estado de Kentucky nos Estados Unidos.

A vítima, retratada no filme como Beck, é Louise Ogborn, que havia acabado de completar 18 anos e estava no seu primeiro emprego, há apenas quatro meses. Em entrevistas, Ogborn justifica os fatos por ser criada em uma família de militares e ser acostumado a obedecer ordens. Na ocasião, Donna Summers era a gerente e, em entrevistas, ela mencionou os vários obstáculos do dia, como o freezer aberto e a visita do fiscal, justificando sua falta de atenção com o muito trabalho que tinha pela frente.

O caso foi tema do documentário “Não atenda o telefone”, da Netflix. Nele temos cenas da câmera de segurança que registrou todos os acontecimentos daquela noite, com direito a momentos piores que os do longa, envolvendo abuso sexual. Apesar do filme mostrar que uma investigação se iniciou, ele não mostra o culpado sendo preso. Isso pois, dois meses após, David Stewart foi preso, mas inocentado por falta de provas.

Três anos depois, Louise processou o McDonald’s e ganhou uma indenização de US$ 6 milhões. Donna Summers foi presa, mas conseguiu liberdade condicional em um ano, porém seu noivo, Walter Nix Jr, se declarou culpado de abuso sexual e foi sentenciado a cinco anos de prisão. Com a repercussão desse caso, foram descobertos outros 72 trotes do mesmo calibre em diferentes estados dos Estados Unidos.

O poder da manipulação

Com tantos registros do que aconteceu na fatídica noite, sendo vídeos, entrevistas e processos com altos públicos. É correto afirmar que o longa de 2012 se manteve fiel aos fatos. E não só isso, mas expôs na prática o experimento de Milgram. Stanley Milgram, foi um psicólogo que nos anos 1960 conduziu um experimento científico que tinha como objetivo, testar o quão dispostas as pessoas estão de obedecer figuras de autoridade, mesmo que ultrapasse o bom-senso.

O experimento consistia em um aluno, um professor e um pesquisador. Tanto a figura do aluno, quanto do pesquisador eram atores de Milgram, sendo o professor o único voluntário. O aluno ficava em uma sala amarrado em uma cadeira elétrica e precisa decorar uma série de palavras, toda vez que erra o professor, pessoa testada, precisava aplicar um choque que ia ficando mais forte a cada erro.

Além disso, toda vez que a pessoa testada se recusava a aplicar o choque, o ator do pesquisador precisava proferir quatro frases de apoio, sendo três frases solicitações e somente a última sendo uma frase direta. O que vemos no caso de “Obediência” é bem parecido. O fraudador em nenhum momento se demonstrava hostil de início, pelo contrário. O personagem, autonomiado de Daniels, era gentil e firme na medida.

Se homem do outro lado do telefone era um entusiasta do experimento de Milgram, ou apenas um manipulador nato, nunca saberemos. Por mais assustador que possa ser o fato dele nunca ter sido pego, e ainda mais sinistro o fato do quão longe a situação chegou. Tudo isso munido das palavras certas e da confiança.

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