“Pecadores” é um excelente filme. Mas, mais do que isso, ele também é uma experiência curiosa e única. Escrito e dirigido por Ryan Coogler, ao qual repete aqui sua parceria com o ator Michael B. Jordan, Coogler expande seu currículo de realizador ao se aventurar pelo terror e faz disso sua arma para expor toda sua criatividade e versatilidade.
O longa se passa em 1939, no sul dos Estados Unidos. Dois irmãos gêmeos, vividos por Jordan, retornam para a cidade onde cresceram, querendo fugir do passado ao abrir um estabelecimento com música, bebida e dança. Porém, tudo muda ao descobrirem que um mal os seguiu até lá.
Antes de mais nada é importante saber como Coogler lida com esse conceito do “mal” e como isso está ligado ao contexto histórico do longa. Em 1939, o blues era proibido, ainda existiam leis que visavam a segregação racial, e a Ku Klu Klan estava em plena atividade. Sabendo de tudo isso, até parece errado que os negros na época tenham um lugar onde possam se sentir livres. Usando disso, a trilha sonora do longa soa como algo penetrante e maligno sendo elemento importante na construção do clima e na prática do terror, sendo usada inclusive como presságio.

Conforme a tensão aumenta, a música vai ficando mais estridente, quase desafiadora. Assim como as cenas, indo desde as de suspense até as de sexo, são montadas e intercaladas como se parecesse algo errado de se assistir, dando até mesmo um significado ao título “Pecadores”.
Ao interpretar gêmeos, era de se esperar que o ator Michael B. Jordan tomasse para si todo o desenvolvimento do longa. Jordan faz sim um excelente trabalho de atuação, ao ponto de conseguirmos diferenciar os gêmeos na medida que o longa avança, assim como os personagens no roteiro conseguem saber a diferença entre os dois logo que batem o olho neles.
Porém, o roteiro de Coogler é eficiente em tantos aspectos e o principal deles é o desenvolvimento e a apresentação de seus personagens. Cada linha de diálogo é em importante, cada personagem conta sua história e é cheio de personalidade. É difícil não se apegar a pelo menos um deles, ainda mais sendo tão bem escritos. O que torna o processo de tensão e transação para o terror tão doloroso, sim, transação.
A maior qualidade do roteiro de Coogler não está só no desenvolvimento dos seus personagens, mas sim em como ele harmoniza uma mistura de gêneros de uma forma única. É comum ver roteiros que contenham terror e comédia, ou terror e drama, mas que usam um dos gêneros como escada para o outro. Ryan Coogler tem uma história a ser contada e ao invés de usar um gênero como apoio do outro, ele usa o gênero como ferramenta narrativa.
No inicio do longa, sabemos que os irmãos eram gangsteres e resolvem seus conflitos como tais, esse é o elemento mais pé no chão da trama, após um certo tempo resquícios do sobrenatural é apresentado aos poucos, esperando seu momento de brilhar. E quando nos é revelado o principal vilão do longa, uma criatura clássica que aqui é usada para dar mais camadas ao terror. O tema central fala não só dos males da noite mas também de tradição, e ao introduzir vampiro na trama, Coogler consegue honrar e modernizar a criatura ao mesmo tempo que a liga com o contexto histórico de sua trama.

Características clássicas da criatura como, precisar de permissão para entrar em um local, a fraqueza a alho, estaca de madeira e a sedução, são usadas para o clima de terror, construir a tensão com o elemento claustrofóbico, é trazer a tona a sedução e falastrice do monstro. E claro, o gore tem seu espaço. O trabalho de maquiagem é algo notável, apesar de não ser grandioso e estar sempre ali como em outros longas de body horror, aqui é mais sutil e se faz presente em feridas abertas, rostos dilacerados e o sangue espirrando de pescoços. Tudo é feito para causar desconforto, de maneira nojenta e mais gráfica.
Tecnicamente falando, “Pecadores” é imbatível, seja no efeito dos gêmeos, a técnica de duplicar atores não é uma novidade mas uma detalhe fica na interação entre os dois, isso é algo raro de ver e logo no início vemos um Michael B. Jordan dividindo um cigarro consigo mesmo, seja também no efeito dos vampiros. No início é bem sutil, e o efeito de olhos brilhantes é usado à exaustão pelo diretor.
Já mencionei sobre a trilha sonora mas é importante frisar como ela se faz presente no longa. Afinal, “Pecadores” também é um musical, pois o blues também era um pecado. E usando isso a história é contada da maneira que a conhecemos com violência.
Em uma das melhores sequências do longa, passado e presente se misturam junto com a música. Mostrando sua habilidade nos planos sequência, Coogler não tem medo de ir para o lado mais lúdico em nome de sua mensagem. Vemos então aqui futuro, passado e presente representados de forma visual através da música, misturando também culturas e sendo canalizados da trama.
O tema de tradição é ancestralidade vem a tona. Pode parecer óbvio falar que o vilão, um vampiro branco, representa o racismo de forma grandiosa, mas não é só isso. O desejo de se recomeçar às raízes foi o que o levou até lá, mostrando também o desejo dele de se recomeçar com seu passado.
“Pecadores” usa a música, o terror, o drama, e até mesmo o sexo, como contribuintes de sua trama. Uma experiência que te instiga ao mal e desafia a assistir até o final, fazendo tudo parte de uma orquestra maligna que vai brincar com seus sentimentos, fazendo com que sinta medo, graça, tristeza. Sendo assustador e emocionante na mesma medida.
Fazendo paralelos entre os protagonistas e os vilões, tendo o contexto histórico como pano de fundo e a música como condutora. “Pecadores” honra não só a tradição dos vampiros e a tradição das festividades da comunidade negra, ele honra a liberdade como ato pecaminoso mas que vale a pena ser o último se necessário. Não é apenas uma história sendo contada, é a história sendo feita.