Qual é a aparência de Deus?

A subjetividade é o exercício da interpretação. Obras de arte, filme, livros, tudo isso pode usar a subjetividade para contar histórias ou brincar com a expectativa do consumidor. Porém, a subjetividade pode ser exercida em outros materiais. Digamos que até mesmo em figuras messiânicas. Afinal de contas, a figura de Deus, te confortaria ou te faria ter medo?

E se eu dissesse que existe uma pintura que se denomina “Retrato de Deus”. Essa obra na verdade é um desenho abstrato é todo mundo que a enxerga percebe coisas diferentes. Essa ideia é explorada no curta de terror “Portrait of God”, que está disponível no YouTube e é escrito e dirigido por Dylan Clark.

Temos aqui uma jovem se preparando para um trabalho, possivelmente na faculdade, sobra a tal obra que dá o nome ao curta. O que temos aqui é seu ensaio e repassando seu discurso de apresentação. Conforme ela recomeça toda a apresentação coisas estranhas vão acontecendo ao seu redor.

O nome da protagonista, Mia Reilly, é revelado no slide da apresentação. Nesta parte começa com ela citando as muitas interpretações da obra, que por sua vez parece uma tela em branco. Ao repassar os áudios temos diversos relatos: pessoas falando que seria um homem magro, alto, outras dizendo que ele parece usar uma máscara ou que o rosto parece estreito como se tivesse sido esmagado. E também relatos de pessoas desconfortáveis com a imagem.

Mia diz na apresentação que, para ela a imagem só parece uma tela em branco e ao ouvir os áudios questiona o motivo de Deus aparecer para essas pessoas. Enquanto ouve os áudios, Mia segura um crucifixo pendurado em seu pescoço. Esses pequenos sinais são essenciais para apresentar a personagem, e demonstram um roteiro muito bom em comunicar as coisas mesmo com pouco tempo de rodagem.

Com esse detalhe já podemos supor que Mia é religiosa, e pelo teor de seu comentário sobre Deus aparecer para algumas pessoas, que possa estar questionando sua fé, ou em busca de algum chamado. Enquanto a nossa protagonista ouve os relatos, algo tira a sua atenção e ela precisa repetir seu ensaio. Porém ao recomeçar, ela nota coisas diferentes na imagem, são detalhes mas algo sempre está diferente.

Essa intenção permeia o curta, pois, uma vez estabelecida, a cada nova tentativa de ensaio de sua apresentação já sabemos que algo novo nos espera. E essas mudanças vão escalonando se tornando menos e menos sutis, até ficarem literais. Mia, pode realmente estar vendo coisas, alguma presença pode realmente estar ali com ela, ou ela está sendo influenciada pelos relatos que ouve. Afinal a subjetividade pode ser manipulada, uma vez que você sabe de um ponto de vista, de algo que não está tão claro, você se força a aplicar a visão de outra pessoa ao consumir uma obra.

Essa ideia está presente quase como uma metalinguagem, pois nem sempre filmes têm o roteiro expositivo, e aqueles que não tem, você pode até não entender mas em algum momento fingiu entender. A busca pela resposta de qual é a imagem de Deus é tão subjetiva quanto os conceitos de alguns filmes como “A Bruxa”, “Hereditario”, “O Babadook” e “Corra!”. Esses são todos exemplos atuais mas em toda arte do cinema temos longas sem um sentido literal específico. E muitas vezes buscar por esse sentido pode atrapalhar de aproveitar a viagem.

Tecnicamente falando, o curta é excelente. Ele se passa todo em uma sala de projeção, onde é bem escura, mas temos a luz da tela de projeção onde nos permite ver, mesmo com pouca clareza. Além disso, o diretor, brinca com a nossa de perspectiva ao implantar pequenas pistas e elementos de presença que possa estar observando Mia. Assim como a Mia nunca tem certeza se existe algo na pintura, nunca temos certeza se a algo atrás dela.

A direção de Dylan Clark, parece ser consciente de seu público. Pensando no YouTube a rodagem do longa parece ser feito para ser assistida em um celular, desde a iluminação a pequenas coisas no cenário. Também no ápice do filme, nos momentos finais, temos o encontro de Mia com a incerteza de algo sobrenatural, que parece ser uma cena pensada para a baixa iluminação de um celular.

Curta-metragens costumam ser bem objetivos, até por conta de sua duração, mas além disso o que me atrai neles é saber administrar o tempo de duração com a história que quer contar. Apesar de ter um pouco mais de 7 minutos “Portrait of God” parece não ter pressa de nada e faz da repetição, sua maior qualidade.

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