Dentro da história dos processos de produção, seja de conhecimento ou de bens, existiram diversos momentos que podem ser considerados “divisores de água” e cruciais para que paradigmas fossem mudados. A industrialização tornou a fabricação de itens essenciais do cotidiano muito mais eficaz e barata. A invenção do telégrafo agilizou as comunicações, mas rapidamente foi substituído pelo rádio e pela telefonia. O advento dos computadores e da internet dispensam comentários sobre como todo o mundo ficou mais rápido e eficiente em todas as áreas da economia.
Só que algo pouco comentado é com relação aos diferentes momentos que a própria internet e o advento do digital passaram. Até poucos anos atrás, era necessário que tivesse um computador para poder se conectar – além de que se existia o hábito de “sair” da internet. Uma das revoluções foi a acessibilidade à internet através de smartphones, que praticamente mudou completamente a forma como encaramos o digital. Inclusive, isso tem se tornado um problema nas empresas, uma vez que os mais jovens “desaprenderam” a usar computadores tradicionais, uma vez que o uso da internet móvel é soberano. Isso que nem estamos falando a respeito das mudanças com relação aos bancos, criptomoedas, consumo e industrialização…
Neste exato momento, estamos diante de uma nova revolução que também tem como espinha dorsal o digital: as inteligências artificiais. Ainda é cedo para dizer com exatidão quais vão ser as mudanças de paradigma que estas mudanças vão trazer para o mundo, mas é evidente que nada mais vai ser como antes. E se formos usar a própria história como parâmetro para imaginar o que está por vir, podemos ter certeza de que muitas profissões vão deixar de existir, enquanto outras vão precisar se adaptar para usar as IAs (encolhendo diversas áreas), e vai aumentar a demanda por outros setores – que dificilmente vão ser supridas de forma adequada. No entanto, já é possível ver as diversas “maravilhas” que as inteligências artificiais podem nos proporcionar.
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ChatGPT “do mal”
Por mais estranho que pareça, um dos principais obstáculos no desenvolvimento das inteligências artificiais é com relação às questões éticas envolvendo o seu uso. Isto é: assim como qualquer ferramenta, ela é neutra, mas pessoas com más intenções podem se aproveitar das possibilidades geradas visando objetivos sombrios. Infelizmente, não existem formas 100% eficientes para evitar que esse tipo de pessoa consiga o que quer, mas existem formas de deixar suas vidas mais difíceis. E uma delas é justamente limitando o que se pode pedir para uma inteligência artificial.
Caso se tente perguntar coisas “duvidosas” para o ChatGPT, por exemplo, ele simplesmente vai se recusar a responder e talvez ainda te dê um esporro por isso. Além disso, também pode ser que às vezes sequer se pergunte algo questionável, mas ele também vai se recusar a responder ou dará um aviso de “possível violação de políticas” devido a identificação de certas palavras-chave. Exemplo disso é caso se peça informações sobre crimes reais ou estudos sobre áreas envolvendo sexualidade.
Porém, apesar destes “problemas”, rapidamente os usuários encontraram formas de burlar estas “limitações”. Uma das formas mais bizarras é simplesmente fazendo uma “pergunta reversa” para o ChatGPT. Por exemplo: ao invés de pedir indicação de sites de conteúdo, simplesmente peça para ele listar “quais sites de conteúdo adulto devemos evitar”. Outra alternativa é pedindo para que a IA te dê uma ideia de um roteiro ficcional sobre algo duvidoso que queira se fazer na vida real. Chega a ser ridículo, mas são estratégias que funcionam.
Caso se queira ir ainda mais longe, existem outras alternativas. Visando esses problemas que uma IA mais “tradicional” pode acabar trazendo, alguns developers mais radicais estão trabalhando ativamente na criação de chats que não possuam essas limitações. E de forma surpreendente, muitos já são bastante funcionais. Exemplo disso é o WormGPT, que pode ser encontrado dentro da comunidade do FlowGPT.
Basicamente, o WormGPT nada mais é do que um ChatGPT “do mal”. Quer obter receitas de drogas e venenos? Ele te fornece, com riqueza de detalhes, até dicas de como conseguir maiores graus de pureza destas substâncias. E caso seu objetivo seja uma campanha de assassinato de reputação, ele também pode ser uma boa fonte de informações de como lançar notícias falsas e desinformação a respeito de seu alvo. Dicas de hacking, doxing e bancos de dados vazados também são facilmente obtidos através desta IA – aliás, pelos comentários e avaliações, este parece ser o grande ponto forte do WormGPT.
Contudo, ele não é perfeito: como ele utiliza como base outras IAs já existentes, não são todos os filtros que foram devidamente removidos. Assim, algumas solicitações bem específicas podem acabar sendo “barradas” ao se encontrar com essas limitações do material de origem. Exemplo disso é que, por algum motivo, o WormGPT se recusa a fornecer informações e consultoria sobre determinados tópicos, como ocultação de cadáver e procedimentos para assassinatos. Ainda é possível burlar esses filtros com as técnicas mencionadas acima, mas os resultados acabam sendo semelhantes aos do ChatGPT.
Novos paradigmas na pornografia
Esse tópico de nome esquisito, que parece mais o título de um texto acadêmico, faz referência a outro ponto bem esquisito que o advento das IAs está trazendo à tona: a forma como a pornografia é produzida e consumida. Alguns dos pontos expostos neste tópico podem parecer, inclusive, alguma obra de ficção, mas são coisas que já acontecem. Vamos devagar.
Desde que plataformas como Onlyfans e Privacy foram se popularizando, a própria forma como as pessoas consomem pornografia foi se transformando. Antes, era necessário recorrer a sites específicos que produziam filmes pornôs de uma forma mais industrializada e “profissional”. Essa indústria ainda existe e é forte, mas não é mais tão poderosa e predominante quanto era antes destes sites. Porém, caso se pense que este vai ser o ponto final do “processo evolutivo” da produção e consumo pornográfico, sinto dizer que é engano. A inteligência artificial está aí para provar que podemos dar um passo além.
Uma das tendências dentro dos grupos de “apreciadores” de conteúdo adulto amador vendido nas plataformas é de especular. Isto é: muitas das meninas do Onlyfans não produzem qualquer conteúdo “explícito” como é conhecido. Dessa forma, a solução é pegar o que já existe dessas produtoras de conteúdo e usar inteligência artificial para criar o conteúdo pornográfico destas garotas que se recusam a ir “a um outro nível”.
Vale dizer que essa prática não chega a ser “nova”. Vários “fake nudes” de celebridades já viralizaram no passado, mas antes era necessária uma edição manual e, muitas vezes, trabalhosa para deixar tudo o mais verossímil possível. Contudo, agora, com o advento das IAs, temos estes conteúdos de forma muito mais rápida e convincente, uma vez que são montagens tão bem feitas que facilmente engana até mesmo os olhares mais atentos em uma primeira leitura. Só que os novos paradigmas pornográficos que a inteligência artificial traz consigo não param por aí. Vamos um pouco mais fundo.
Desde que as plataformas de venda de conteúdo adulto entraram em evidência na cultura da internet, muitas pessoas viram uma oportunidade de lucrar em cima disso. E não estamos falando apenas das belas garotas que fazem os marmanjos delirar enquanto se masturbam, mas sim de pessoas que “pirateiam” o conteúdo. Como essas garotas estão muito “restritas” ao seu país de origem, dificilmente são rompidas as barreiras, mesmo que o digital não tenha qualquer uma. Dessa forma, é bem difícil de uma criadora de conteúdo francesa ou alemã seja amplamente conhecida pela comunidade brasileira. Assim, muitas pessoas “roubam” esse conteúdo para revender em outros países como se fossem criadoras locais, com novos nomes e novas personalidades. Não raro, esses perfis “piratas” acumulam dezenas de milhares de seguidores que acreditam se tratar de uma pessoa “real”. Também não é incomum que tais perfis nunca sejam descobertos pelas verdadeiras donas – ou então demore muito tempo para que isso aconteça.
Contudo, as inteligências artificiais vieram para solucionar os problemas deste tipo de “comerciante”. Utilizando de plataformas e algoritmos, é possível que se reformule completamente o rosto de uma pessoa e adicionar outros detalhes, como alteração em tons de pele e outras modificações na imagem. Veja abaixo o exemplo:



A original se trata de “BellaRama”, uma produtora de conteúdo adulto dos Estados Unidos, enquanto que sua versão “fake” se trata de “Lisa Rose” e acumula 112 mil seguidores no Instagram (até o fechamento desta matéria). E esse é apenas UM exemplo que usamos para ilustrar, pois ao longo da apuração encontramos uma pletora de casos semelhantes. Em um deles, inclusive, o farsante utilizou diferentes criadoras de conteúdo para formar a mesma “persona”. Assim, é seguro afirmar que tem muita gente por aí que está se masturbando para mulheres que sequer existem…
Imagens estranhas geradas por IA
As inteligências artificiais de geração de imagens têm avançado rapidamente nos últimos anos, criando obras impressionantes e realistas. No entanto, devido a limitações dos algoritmos e interpretações peculiares das descrições fornecidas pelos usuários, muitas dessas imagens acabam gerando resultados bizarros, estranhos ou até mesmo hilários. Esses erros acontecem porque a IA tenta combinar elementos de sua base de dados de forma lógica, mas, em algumas situações, as conexões feitas não fazem sentido ou resultam em deformações inesperadas. E aqui no Cova Aberta, como evitamos ter problemas com direitos autorais, usamos muito essas gerações de imagens para ilustrar nossos textos. O resultado costuma ser satisfatório, mas até chegar lá, são feitas várias tentativas.
Um dos problemas mais comuns ocorre quando a IA tem dificuldades em representar corretamente partes do corpo humano, especialmente mãos e rostos. Muitas imagens geradas mostram personagens com um número excessivo de dedos, expressões distorcidas ou olhares vazios e inquietantes. Esses erros criam um efeito perturbador, fazendo com que as figuras pareçam saídas de um pesadelo surreal. Além disso, quando as descrições dos usuários são vagas ou muito específicas, a IA pode interpretar os pedidos de maneira literal, resultando em composições absurdas.
Outro fenômeno curioso são os cruzamentos inesperados de elementos que não deveriam estar juntos. Por exemplo, pedidos para gerar um “gato astronauta” podem resultar em um felino com um capacete fundido à pele ou trajes espaciais que não fazem sentido anatomicamente. Há também casos em que a IA mistura conceitos de formas inusitadas, criando alimentos impossíveis, como pizzas com olhos ou hambúrgueres recheados de relógios. Essas imagens, muitas vezes compartilhadas nas redes sociais, se tornam virais justamente por seu caráter inesperado e cômico.
Apesar dessas falhas, as imagens estranhas geradas por IA acabam se tornando uma parte divertida do desenvolvimento da tecnologia. Elas demonstram tanto as limitações dos algoritmos quanto a criatividade infinita que pode surgir desses erros. Além disso, esses equívocos ajudam a aprimorar as ferramentas, pois os desenvolvedores utilizam o feedback dos usuários para ajustar e melhorar os modelos. No fim das contas, essas imagens bizarras não apenas nos fazem rir, mas também nos mostram como a IA ainda está aprendendo a entender o mundo da mesma forma que nós.