“Espíritos”: como se manter viral e relevante

No final dos anos 1990 e início dos anos 2000 houve uma explosão de filmes de terror japoneses. Conhecidos como J-horror, produções nipônicas ganharam espaços no resto do mundo nessa época com alguns dos longas tendo suas versões ocidentais, como “Ringu” que conhecemos aqui por “O Chamado” e “Ju-on”, conhecido por aqui como “O Grito”. Mas não foram só produções japonesas que ganharam destaques nessa época. Em 2004, uma produção tailandesa caiu nas graças do público.

“Shutter”, ou “Espiritos”, como ficou conhecido aqui no Brasil, é um filme que hoje em dia é lembrado pela sua reviravolta final, mas que reassistindo hoje é possível notar que ele merecia ser lembrado por bem mais que isso. A trama tem uma premissa bem simples: após sair de um casamento do seu amigo, o jovem Tun e sua namorada, Jane, atropelam uma mulher na estrada; eles fogem sem prestar socorro e, um tempo depois, descobrem estarem sendo perseguidos por uma força sobrenatural.

O verdadeiro foco é mostrar como essas aparições se manifestam através de fotografias. Tun é um fotógrafo que tem seu trabalho arruinado pelas aparições de espíritos em suas fotos. Inclusive, houve uma ampla campanha de divulgação, anunciando que o longa usava fotos reais e com menção e agradecimentos aos familiares que cederam as imagens para a produção.

O filme é escrito e dirigido por Banjong Pisanthanakun e Parkpoom Wongpoom, que fizeram do longa seu currículo. A dupla aqui parece querer mostrar tudo que sabem fazer, na questão de técnica de direção temos do suspense ao jump scare. E essa mistura é feita de maneira concisa, com cada uma das partes tendo seu momento.

Não demora para as coisas assustadoras acontecerem, mas, ao invés de apelar para os jump scaries, algo que aconteceria em produções norte americanas, o foco no primeiro momento é no suspense. E esse início mais devagar é usado como contraste, pois o longa vai escalonando gradativamente até chegar no seu ápice final.

O uso do recurso de jump scare precisa ser exaltado. Eu não sou fã desse recurso, acho saturado, barato e preguiçoso, mas saber fazer em momentos certos é uma qualidade que não se vê muito. Nesse longa, os diretores fazem questão de fazer você saber em que momento ele vem, para ser pego de surpresa mesmo sabendo do susto que está por vir.

Uma outra cena que me surpreendeu, e que faz parte da salada de técnicas dos diretores, é quando eles brincam com a noção de tempo e espaço. Em determinado momento, Tun foge pelas escadas do prédio mas não sai dos mesmos andares, sem saída, ele tenta fugir por fora, na escada de incêndio, o que resulta em um dos melhores jump scaries que eu já vi. Invertendo a noção de perspectiva, o fantasma aparece de cabeça para baixo na escada, em movimentos que parece estar “subindo para baixo”.

Apesar de acertar em boa parte de suas técnicas de direção, apenas um momento de tropeço que é quando o gore tenta encontrar seu espaço. A sequência de sonho parece gratuita demais, e o sangue muito falso, talvez a única parte que os diretores não dominem tanto.

Falando do roteiro, me incomoda um pouco que ao passar dos anos, tenha viralizado o plot twist final, sendo reduzido a uma cena. Isso, pois, o roteiro do longa possui uma veia de crime e mistério, tendo inclusive outras reviravoltas menores no meio, que levam até essa final. Claro que aqui também tem um pouco da diversidade da dupla responsável pelo longa. Existe aqui momentos pontuais de comédia, personagens céticos que debocham e situações inusitadas, aproximam a jornada da realidade e de certa forma, da um leveza que ajuda a acompanhar o longa até seu final.

“Espíritos” é tão icônico quanto parece. É tão difícil encontrar um filme com temática sobrenatural com um poder narrativo tão grande, assim como inventivo nas suas cenas assustadoras. A combinação desses elementos o tornam inovador até os dias de hoje, por mais que possa parecer datado, por se apoiar tanto nas fotografias analógicas, o fio condutor que te acompanha na jornada não te desprende da experiência.

A sequência que nunca foi

Algum tempo depois, em 2007, Banjong Pisanthanakun e Parkpoom Wongpoom lançaram seu novo projeto, “Alone”. Aqui no Brasil esse longa foi associado como sequência de “Espiritos” sendo nomeado aqui como “Espiritos 2: Você não está sozinho”. Apesar de não ser uma sequência verdadeira, “Alone” tem sim muitas semelhanças com “Espíritos”. Talvez Banjong Pisanthanakun e Parkpoom Wongpoom tenham tentado replicar o sucesso do longa anterior e mantiveram a veia de investigação do primeiro filme, assim como uma reviravolta impactante e a motivação da assombração.

Em “Alone”, Pim mudou-se recentemente para a Coreia do Sul com seu marido Wee, mas uma presença maligna ligada ao seu passado retornar para assombra-la. Aqui os diretores refizeram muitos dos seus passos anteriores, mas dessa vez o foco é bem mais na entidade, fazendo aparições clichês. O que, entrega um pouco da reviravolta, principalmente tendo o primeiro filme em mente, sabendo que vão seguir o mesmo modus operandi.

Apesar de ser menos original que o anterior, “Alone” ainda assim carrega muitas qualidades, ainda mais se você estiver buscando um longa de terror com mistério igualmente envolvente e.com uma reviravolta impactante, e que não seja “Espiritos”, nesse caso fique com “Espiritos” mesmo.

O Legado que ficou

Eu não consigo deixar de achar irônico que “Espiritos” seja um viral até hoje em dia. Mesmo sendo um longa de 2004 e tendo alguns elementos datados, a reviravolta segue chamando atenção até mesmo dos mais jovens. Ainda que o longa possua diversas outras qualidades, o impacto da cena foi o que manteve sua reviravolta relevante até hoje em dia.

Uma pena os diretores não terem conseguido o mesmo feito, de expandir seu trabalho e ganhar visibilidade mundialmente, “Alone” exerceu essa função mas aproveitando o embalo do longa anterior.

Outro sucesso de mesma proporção só viria em 2021, 17 anos depois com “A Médium”. Este filme foi a vez de os diretores se aventurarem no found footage, gênero que nessa altura já estava saturado, mas ao abraçarem o estilo documental deram uma sobrevida a ele. Dessa vez não temos reviravoltas impactantes, apenas a linguagem e o desenvolvimento. “A Medium” dedica boa parte de rodagem apresentar todo o conceito sobrenatural, de uma forma convincente, chegando no ponto de que nos 30 minutos finais, estamos tão imersos que nos convencemos de tudo que acontece.

Sendo vendido com o documentário e atraindo alguns desavisados, “A Médium” conseguiu novamente a distribuição mundial merecida, mas não o vejo tanto em reels e vídeos curtos, talvez seja pesado demais para a geração Tik Tok.

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