A escola que espionava os alunos pela webcam

Ser acusado de um crime é uma situação delicada. Agora, ser acusado de um crime que você não cometeu é algo ainda mais grave. Teria como ficar pior? Bom, na verdade tem sim: descobrir que essa acusação está sendo feita com base em uma invasão que sua própria escola fez na privacidade de sua casa. E como a instituição fez isso? Fácil: ela simplesmente instalou um software que espiona todas as webcams dos MacBooks distribuídos para seus alunos.

Este foi o caso de Blake Robbins, um estudante de 15 anos que, no início de 2010, foi chamado na diretoria da escola que estudava no estado da Pensilvânia, nos Estados Unidos. As autoridades escolares apresentaram uma foto do seu quarto com ele engolindo o que parecia ser algum tipo de entorpecente, como ecstasy. Ao ver a imagem, o garoto se defendeu que eram apenas balas – o que de fato eram –, mas o mais preocupante era a forma como conseguiram flagrar aquele momento.

Foi aí que uma investigação inicial feita pelo próprio garoto revelou que ele estava sendo espionado pela webcam do MacBook disponibilizado pela própria escola para que os alunos pudessem estudar. Blake contou aos pais o que havia acontecido e, logo em seguida, uma ação judicial foi movida. O caso ficou conhecido como o “Escândalo do WebcamGate”.

Tudo começou quando o distrito escolar emitiu um programa que fornecia as máquinas para os 2,3 mil alunos do ensino médio entre os anos de 2009 e 2010. Os MacBooks eram para serem usados tanto na escola quanto em casa. Porém, os equipamentos estavam embutidos com um software de rastreamento chamado TheftTrack.

E aqui vale ressaltar que, de acordo com a investigação da época, esse software não era padrão dos MacBooks e o programa que fornecia das máquinas ofereceu essa possibilidade para as autoridades escolares. Eles aceitaram essa alternativa e, assim, os funcionários da escola teriam acesso a fotos que o programa tirava a cada 15 minutos enquanto o laptop estivesse ligado. O distrito escolar não divulgou que essa medida estava sendo tomada e, além disso, tentou ocultar ao máximo.

Especialistas jurídicos na área cibernética afirmaram na época que para algo do tipo ser feito, a escola precisaria, no mínimo, ser transparente e afirmar que as webcams teriam a capacidade de tirar fotos do ambiente. Além disso, os alunos e responsáveis precisariam também concordar com isso através de algum tipo de termo de responsabilidade. Porém, como já foi dito, nada disso foi feito e a escola ainda tentou ocultar essa medida.

Após essa descoberta inicial de Blake Williams, o caso acarretou em diversas revoltas na comunidade escolar. Muitos alunos disseram que estavam em posse das máquinas em seus quartos e a deixava ligada inclusive em momentos íntimos, como quando trocavam de roupa após o banho. Além disso, isso também significa que diversos aspectos pessoais da vida dos alunos e de suas famílias estava sendo monitorada pelos funcionários da escola que estavam incumbidos da tarefa de revisar as imagens captadas.

Em outubro daquele mesmo ano, o distrito escolar concordou em pagar um total de US$ 610 mil em indenizações e custos jurídicos tanto para a família de Blake Robbins quanto para outros alunos que também moveram processos. Além disso, as autoridades da escola também se comprometeram em revisar sua política de uso de tecnologia e implementar salvaguardas para garantir a privacidade dos alunos.

Um dos principais pontos contra a escola era o fato de que as máquinas também eram usadas nas casas dos estudantes, o que poderia comprometer a privacidade de toda a casa – algo que fere diretamente a Constituição dos Estados Unidos, que garante este direito. Em um comentário na época, o jurista norte-americano Witold “Vic” Walczak destacou inclusive que essa medida “poderia fomentar a pornografia infantil”, pois os alunos começam a explorar sua sexualidade em ambientes privados e estavam sendo flagrados nesses momentos.

Diversas fotos tiradas pelo programa de vigilância escolar foram divulgadas tanto na mídia tradicional quanto nas redes sociais. Uma das mais famosas mostrava Blake Robbins dormindo sua cama no quarto de sua casa.

O caso gerou um amplo debate sobre os limites éticos do uso da tecnologia de vigilância em escolas, sendo um dos mais citados dentro deste assunto. A partir de então, muitas escolas e distritos escolares dos Estados Unidos reavaliaram suas políticas de uso de tecnologia para garantir a proteção da privacidade dos alunos. Esse incidente também destaca as complexas questões de privacidade que surgem quando as instituições escolares incorporam tecnologias avançadas em suas práticas cotidianas, especialmente quando se trata de dispositivos pessoais fornecidos aos alunos.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *