Conheça a história dos primeiros massacres escolares

Uma das reações mais comuns dos internautas diante de qualquer fato é a criação de memes. Os brasileiros podem ser considerados um dos povos mais criativos na hora de elaborar suas próprias peças – e não à toa já fomos chamados de “o câncer da internet”. E dentre essas piadas, algumas podem ser consideradas de mau gosto. Uma das mais recorrentes é aquela de que os estudantes dos Estados Unidos, ao se formarem, podem deixar de usar seus coletes balísticos e jogarem para o alto como se fossem chapéus de toga.

Essa brincadeira revela uma verdade assombrosa que faz parte dos temores da vida moderna: os tiroteios em escolas. Porém, apesar de ser algo visto como fruto dos tempos atuais, suas origens remontam um passado relativamente recente.

Segundo os autores Michael H. Stone e Gary Brucato em “Cruel: Índice da Maldade”, entre os anos de 1857 e 2018 foram registrados 333 casos de massacres de todos os tipos que tiveram alguma atenção da imprensa – o que, consequentemente, puderam ser minimamente estudados. Deste total, 22 aconteceram em escolas e 12 destes foram registrados só nos Estados Unidos. Quase todos esses massacres foram orquestrados por meninos, representando 97% dos casos. Uma das poucas exceções apontadas pelos autores foi o caso de Laurie Dann, que abriu fogo em um grupo de crianças do jardim de infância em um subúrbio de Chicago, matando uma delas e, ao final do ataque, cometeu suicídio.

De forma curiosa, o primeiro ataque a uma escola que pode ser considerado um massacre não foi feito com armas de fogo, mas sim com explosivos. Além disso, até hoje permanece insuperado no número total de vítimas fatais neste tipo de crime. Em 18 de maio de 1927 no Michigan, Estados Unidos, um fazendeiro e engenheiro eletricista chamado Andrew Kehoe detonou explosivos que havia colocado na Escola Primária de Bath, o que acabou resultando em 44 mortes e pelo menos 58 feridos.

Andrew Kehoe atuou como tesoureiro da junta escolar de Bath Township por muitos anos e também era conhecido por suas habilidades em eletricidade, sendo que frequentemente ajudava na manutenção elétrica da comunidade. Ele costumava se vestir de modo impecável e os registros fotográficos dele comprovam essa vaidade. Contudo, os vizinhos apontavam que ele era uma pessoa impaciente e costumava a ser agressivo com aqueles que discordavam de suas opiniões. Além disso, era notória sua predileção pelo trabalho com maquinário ao invés de produzir insumos agrícolas. Também existem relatos de que ele era bastante violento com seus animais, chegando a espancar um cavalo até a morte.

As investigações da época apontaram que ele começou a comprar materiais para a fabricação de bombas e a planejar seu ataque com meses de antecedência. Ele realizou trabalhos voluntários na escola, o que acabou rendendo acesso às instalações para implantar os explosivos. Até que, finalmente, ele detonou os artefatos primeiro em sua fazenda no dia 18 de maio de 1927, destruindo sua casa e celeiros. Depois, ele se dirigiu até a escola e detonou os demais explosivos já previamente preparados. As motivações de Andrew Kehoe para o ataque não são claras. Questões financeiras e descontentamento com os impostos escolares foram considerados fatores, mas suas ações foram tão extremas que muitos aspectos permanecem desconhecidos.

Contudo, como já dito antes, quando se fala de massacres escolares, as primeiras imagens que nos ocorrem são as de tiroteios. E de fato, essa realidade tende a ser bem mais comum do que o trágico incidente envolvendo explosivos arquitetado por Andrew Kehoe. E como dito no início, por mais surpreendente que possa parecer, esse tipo de incidente não é um fenômeno tão novo quanto se pressupõe. O primeiro registro do uso de uma arma de fogo para assassinar alguém em ambiente escola remonta o ano de 1856, na cidade de Florence, no Alabama. O diretor de uma escola matou um de seus alunos por estrangulamento após o menino matar seu pardal de estimação. O pai do menino, revoltado, foi até o local e se vingou do diretor o matando a tiros.

Ainda no século 19, nos Estados Unidos, foram registrados outros casos de uso de armas de fogo em ambiente escolar. A maioria envolveu alunos ou pais querendo se vingar de professores ou colegas devido expulsão ou reprovação. Contudo, até este momento, o número de mortes neste tipo de incidente não passou de uma única vítima fatal. Essa situação permaneceria assim durante a maior parte do século 20, com a evidente exceção do incidente de Bath já mencionado. Além disso, até o momento, os casos sempre envolviam algum tipo de vendeta ou ressentimento entre as partes envolvidas na tragédia.

Isso viria a mudar a partir de 1966 com o ataque da Universidade do Texas. Em agosto daquele ano, um estudante de engenharia chamado Charles Whitman subiu até uma torre do campus armado com espingardas, pistolas e rifles. Durante mais de uma hora e meia, ele atirou em alunos aleatórios que avistava do alto dos 28º andar. Ele acabou matando um total de 14 pessoas e ferindo outras 32 durante o ataque, além de ter matado a própria mãe e esposa com golpes de faca horas antes de iniciar o tiroteio. Whitman acabou morrendo após um policial conseguir alvejá-lo com tiros durante um confronto.

Após este incidente, os tiroteios em ambientes educacionais, como escolas e universidades, acabaram tomando um novo rumo. Contudo, parece imprudente afirmar que o caso da Universidade do Texas tenha servido como uma espécie de “divisor de águas” neste tipo de evento. Apesar disso, é possível identificar criminosos que se inspiram em outros episódios registrados anteriormente, o que pode indicar uma correlação entre o massacre realizado por Whitman e os demais que viriam nos anos seguintes.

Apesar dos memes conterem a dura realidade de que grande parte dos tiroteios escolares serem registrados nos Estados Unidos, este não é o único país que esse tipo de ataque acontece. Em março de 1996, um homem chamado Thomas Hamilton atacou a escola primária de Dunblane, na Escócia, matando 16 crianças e uma professora antes de cometer suicídio. Ao longo dos anos, ele atuou como diretor de clubes juvenis e esteve envolvido em polêmicas, como a acusação de tirar fotos de meninos seminus. Além disso, alguns dos casos não envolvem questões clássicas como bullying e problemas sociais e psicológicos, mas sim foram parte de uma ação terrorista. Exemplo disso é o Massacre de Peshawar, no Paquistão, ocorrido em dezembro de 2014, quando um grupo militante talibã atacou uma escola, o que resultou na morte de mais de 140 pessoas, a maioria delas crianças, além de muitas outras feridas.

No Brasil, dois casos ficaram marcados como os mais emblemáticos quando se trata de massacres escolares. O primeiro aconteceu no dia 7 de abril de 2011 no bairro do Realengo, no Rio de Janeiro, quando um homem chamado Wellington Menezes de Oliveira invadiu a Escola Municipal Tasso da Silveira e abriu fogo contra os estudantes, matando 12 deles e cometendo suicídio ao final do ato. Já o segundo foi registrado em 13 de março de 2019, quando dois ex-alunos invadiram uma escola em Suzano, em São Paulo, abriram fogo contra os estudantes, deixando 10 mortos e dezenas de feridos. Eles também tiraram a própria vida ao fim do ataque.

Como pudemos verificar, os massacres escolares são marcas sombrias na história, recordando sempre da vulnerabilidade das instituições que deveriam ser os pilares de aprendizado e desenvolvimento. Cada tragédia é um lembrete de que devemos permanecer vigilantes em relação à saúde mental, segurança nas escolas e acesso a armas – apesar de que, ao longo deste texto, nos distanciarmos ao máximo de julgamentos de valor. No entanto, é impossível não pensar que questões como cuidado saúde mental e melhores estruturas nos diversos níveis da sociedade poderiam evitar este tipo de evento. Quem sabe, desta maneira, os memes envolvendo os coletes balísticos possam um dia ficar em um passado sombrio da história.

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