O uniforme de uma tirania

Quando se pensa na Segunda Guerra Mundial, diversas imagens vêm à mente: totalitarismo, bomba atômica, holocausto e nazismo. Este último, em particular, tem diversas imagens atreladas, como os campos de concentração, monstruosidade e suástica. Porém, algo também chama atenção dentro deste contexto: os uniformes dos oficiais. O mero ato de olhar para alguém vestido com tal roupa provoca uma mistura de sentimentos negativos, como apreensão, opressão e impotência. E isso não é à toa. Elas foram projetadas exclusivamente para causar essas emoções.

A mente por detrás da concepção dos uniformes dos oficiais pertenceu ao artista e designer Karl Diebitsch (1899 – 1985). Ele também foi o responsável por confeccionar outros símbolos nazistas, como o sabre cerimonial, além de ocupar um cargo de oficial no partido.

Aqui podemos observar a importância política que os uniformes tinham para os nazistas – e outros regimes totalitários ao longo da história. A explicação para isso está na propaganda da ideologia, uma vez que, para disseminar sua ideia para a população, as peças de divulgação “diretas” podem não ser suficientes. Em outras palavras, as pessoas também precisam ver e lembrar da ideia de outras formas que não apenas através dos meios de comunicação. Assim, os uniformes oficiais acabaram servindo muito bem. Tais roupas transpareciam a elegância e imponência para todos aqueles que o vissem, quase como uma forma de reforço indireto da disseminação do regime. Como disse o próprio ministro da propaganda nazista, Joseph Goebbels: “A propaganda se torna ineficaz a partir do momento que nos tornamos conscientes da mesma”.

Mas falando sobre as vestimentas dos oficiais em si, elas eram pretas, cinzas ou verde oliva e eram compostas por uma calça, túnica, bota de cano longo, chapéu e assessórios como medalhas e adornos. Esse conjunto foi pensado levando em conta a valorização de características corporais de quem estivesse vestindo. As botas alongadas davam a impressão de que o oficial era mais alto e esguio, por exemplo. Além disso, o fato de serem ligeiramente folgadas, mas com um corte que lembrava um “V” e ajustadas com um cinto, também acabavam causando a sensação de que o militar era mais atlético e imponente. Também foi pensado em suas utilidades práticas, pois o tecido era resistente e bem costurado para garantir mobilidade durante o serviço.

Vale ressaltar que os nazistas tinham certa fixação com uniformes como um todo e não apenas para seus oficiais. Basicamente, eles almejavam que todo o país tivesse algum tipo de roupa padronizada – tanto seus oficiais quanto os prisioneiros. Segundo o historiador militar Brian L. Davis (1935 – 2014), existiam pelo menos 240 tipos diferentes de uniformes na Alemanha durante o regime nazista que eram usados por mineiros, carteiros, secretárias, dentre outros.

Hugo Boss e empresas apoiadoras do nazismo

Apesar de ter sido desenhado por Karl Diebitsch, a fabricante das roupas foi a empresa Hugo Boss. E aqui vale um esclarecimento: ao contrário do que circula em diversos locais, ela não teve nenhum envolvimento na idealização e design das peças, mas sim apenas as costurava. Além dos uniformes oficiais, também produziam outros uniformes para trabalhadores de diversos setores.

Fundada em 1924 por Hugo Ferdinand Boss, a empresa antes e durante a Segunda Guerra Mundial se envolveu na fabricação de uniformes para as forças armadas alemãs. Após a guerra, a Hugo Boss enfrentou uma investigação por suas atividades e acabou sendo multada. Para se recuperar, ela teve que se reestruturar e na década de 1950, sob a liderança de Jochen Boss, o negócio começou a se concentrar na produção de roupas masculinas de alta qualidade, como ternos, casacos e roupas casuais – produtos que estamos acostumado até os dias de hoje.

Diversas empresas ainda existentes, como a Volkswagen, Bayer e BMW, apoiaram o regime de Hitler durante o período que ele esteve me vigor. Contudo, chamo atenção para que antes de desprezar ou cancelar esses empreendimentos, é bom lembrar que não faria o menor sentido punir os funcionários e gestores atuais desses mesmos negócios que, em sua grande maioria, sequer eram nascidos naquela época. Além disso, também é mais fácil ser a favor da liberdade e direitos humanos em uma democracia com economia de mercado do que em uma ditadura – será que um “cancelador” de Twitter teria tanto colhão se vivesse naquela época e visse alguém vestido com uniforme oficial do Terceiro Reich?

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