Aghori, os monges canibais da Índia

Comidas típicas preparadas com uma higiene duvidosa faz com que a Índia seja um dos países mais famosos da internet mundial. Contudo, sem dúvida este é um dos lugares mais interessantes do mundo. Sua história remonta tempos muito antigos e sua influência no mundo até os dias modernos é inegável. Inclusive, existem estimativas de diversos bancos ao redor do mundo apontando que a Índia supere a China e se torne a maior potência mundial dentro de alguns anos – pode soar estranho, mas é uma realidade que se avizinha.

A Índia também é um país conhecido por sua riqueza cultural que se reflete na religião, língua e costumes. E por falar em religião e práticas, este é um lugar que se pode encontrar crenças como o budismo, hinduísmo e siquismo. Mesmo sendo de matrizes distintas, existe algo em comum entre elas: ascetas. Estas pessoas optaram por uma elevação espiritual maior e por isso rejeitam prazeres e necessidades básicas, vivendo uma vida de penitência, pobreza e reclusão.

Porém, dentre todos os ascetas que podem ser encontrados na Índia, um grupo peculiar se destaca pelas práticas extremas: os Aghori. Curiosamente, essa palavra em sânscrito significa “não assustador” – o que é bastante distante das práticas deles.

Os Aghori são adoradores do deus Shiva (a divindade da destruição que faz uma trindade com Vishnu e Brahma) e têm como objetivo transcender as leis da pureza para alcançar a iluminação espiritual. Até aqui, nada muito diferente de outras visões dos demais grupos ascetas encontrados ao redor do mundo. Porém, como já dito, suas práticas a fim de alcançar essa elevação envolvem meditar e fazer sexo perto de cadáveres em crematórios a céu aberto – muito comuns na Índia. Também é possível encontra-los meditando em cima de corpos, comendo as próprias fezes e carne humana e usando crânios humanos como tigelas. Além disso, eles esfregam as cinzas dos mortos em seus corpos e sempre estão nus.

Basicamente, os Aghori quebram os tabus, rejeitando assim as noções normais de “bom e ruim”. Estes homens considerados sagrados na Índia, mas que vivem à margem da sociedade, acreditam que fazendo essas coisas que os outros evitam vão alcançar um estado aprimorado de consciência.

O termo “aghori” ganhou força na sociedade indiana a partir do século 18, mas
a origem do grupo não é muito clara, datando provavelmente do final da Idade Média. Contudo, segundo o professor James Mallinson, que ensina sânscrito e estudos indianos clássicos na Escola de Estudos Africanos e Orientais, em Londres, os costumes do grupo são semelhantes aos dos kapalikas (literalmente, “portadores de caveiras”), que são documentados no século 7. Ainda de acordo com Mallinson, dentre as práticas dos kapalikas estavam incluídos sacrifícios humanos, mas atualmente o grupo não existe mais.

De forma geral, os Aghori costumam vir das castas mais baixas da sociedade indiana. No entanto, existem relatos inclusive de pessoas com ensino superior que abandonaram a vida na sociedade normal para integrar ao grupo dos monges canibais. Eles podem ser encontrados especialmente ao longo das margens do rio Ganges e em locais sagrados, como Varanasi, na região de Uttar Pradesh. Inclusive, Varanasi é considerada uma cidade sagrada pelos hindus e possui crematórios ao ar livre, onde os Aghori realizam muitos de seus rituais e práticas espirituais. No entanto, eles também podem ser encontrados em outras partes da Índia, como Uttarakhand e Madhya Pradesh.

Apesar de sua má reputação devido às práticas incomuns, os Aghori são respeitados por muitos hindus como sábios espirituais e mestres ascetas. Eles são vistos como guardiões dos mistérios do Tantra e como professores que podem ajudar os outros a alcançar a iluminação espiritual. No entanto, eles também são frequentemente marginalizados e estigmatizados pela sociedade em geral.

Um fato curioso é que os Aghori são tratados muitas vezes como uma atração turística dentro da Índia. Porém, o fato é que são pouquíssimas pessoas que realmente adotam essas práticas e a maioria dos Aghori encontrados em festivais apenas fingem para entreter os turistas e lucrar – os genuínos, inclusive, são indiferentes ao dinheiro. Inclusive, os verdadeiros membros costumam ser reclusos e não mantém contato nem com a própria família.

Os Aghori não são muito organizados como outras ordens do hinduísmo, o que significa que podem existir particularidades entre diferentes subgrupos. Prova disso é que mais ao norte da Índia apenas homens são aceitos, enquanto que em áreas próximas de Bengala, ao leste, também podemos ver mulheres praticantes. Porém, elas costumam usar roupas, ao contrário dos homens.

Depois de saber tudo isso, provavelmente o leitor pense que as comidas feitas em ambientes insalubres sejam uma das coisas mais tragáveis deste curioso país asiático. E talvez seja mesmo.

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