França e o Labirinto: uma surpresa dentro dos podcasts nacionais

Uma vez ouvi alguém dizer que o podcast é uma mídia do futuro. Pessoalmente acho que, ao menos no Brasil, ele ainda é mal compreendido e seu potencial ainda não foi explorado. E falo isso com alguma propriedade, uma vez que meu trabalho de conclusão de curso em jornalismo envolveu o tema. Mas no final de agosto de 2023, podemos testemunhar um pequeno avanço. Estrelada por Selton Mello e produzida pelo Grupo Jovem Nerd, a audiosérie “França e o Labirinto” está disponível no Spotify, sendo uma produção original da plataforma.

O protagonista é o detetive cego Nelson França, que está investigando a morte de uma influenciadora digital que foi assassinada de uma forma muito semelhante a empregada pelo Assassino do Labirinto — um criminoso que o protagonista ajudou a prender 20 anos antes do início da história. Ou melhor: ele achava que tinha prendido, pois conforme a narrativa progride, mais dúvidas surgem sobre a real identidade do assassino.

Por se tratar de algo inédito no Brasil, não existem parâmetros para podermos comparar. Aliás, é muito provável que as futuras audioséries se baseiem muito em “França e o Labirinto”. O grande diferencial, pela própria natureza puramente sonora, é o fato de podermos ter uma ideia mais clara de como é conviver com a cegueira. Não existe qualquer narração e a história se desenrola através dos diálogos, dos sons ambientes e das “conversas” que o protagonista tem com o seu cachorro — um cão-guia chamado Bonaparte. Dessa forma, em diversos momentos, precisamos imaginar ou adivinhar o que está acontecendo e, por isso, a aflição do ouvinte é elevada principalmente em situações que o personagem está pondo o pé no barro. E como o trabalho foi feito utilizando da tecnologia de áudio 3D, o ideal é ouvir tudo de fone de ouvido para maximizar a experiência.

Mas apesar de “França e o Labirinto” surpreender e inovar quando se trata de formato, a narrativa não possui nada de novo. Diria até mais: se não fosse o fato de ser uma produção totalmente sonora, com a proposta de mergulhar o ouvinte na vida de um cego, provavelmente essa história passaria despercebida se fosse contada de forma mais convencional. Caso se tenha lido alguns livros de Jo Nesbø, ou a Trilogia Millennium, ou então assistido às séries “Castle” ou “The Mentalist” (estas que, por sua vez, tiveram muitas influências em outras obras clássicas da narrativa policial), provavelmente já vai saber o que vem a seguir. A receita está pronta há décadas: um protagonista em crise de meia idade, com relações pessoais conturbadas e que se vê diante de um grande mistério que dá um sentido para sua existência. Aliás, é interessante como esse script mostra como tanto o herói quanto o vilão são lados opostos de uma mesma moeda, uma vez que as falhas de caráter e personalidades são muito parecidas — algo que, novamente, “França e o Labirinto” não é pioneiro, mas sim só uma vítima das circunstâncias.

Pessoalmente passei por uma situação curiosa quando estava na metade da série. Já nesse momento, eu comecei a desconfiar de qual fosse a real identidade do Assassino do Labirinto, mas pensei comigo mesmo “não pode ser, seria tão óbvio quanto clichê”. Portanto, comecei a pensar em outras alternativas quando, na verdade, meu primeiro palpite era o correto. E assim que o grande vilão se revela, também nos é jogado mais um monte de clichês auto expositivos e cansativos do gênero da narrativa policial. Dessa forma, a empolgação que se tinha lá no começo vai minguando episódio após episódio.

Em alguns momentos precisamos nos forçar a aceitar alguns aspectos com relação aos sentidos aguçados do protagonista. O mais notável é capacidade de distinguir diversos cheiros ao mesmo tempo — coisa que seres humanos são incapazes de fazer, uma vez que nosso olfato só consegue sentir o cheiro mais forte no ambiente, mesmo em cegos. Fora que, como só contamos com os diálogos, monólogos e sons ambiente, fica bastante vago a forma como o personagem de Selton Mello chegou a diversas conclusões com relação a sua investigação, pois não temos acesso a seus pensamentos.

Não há o que reclamar com relação as atuações dos atores: como só temos suas vozes, e pelo fato de a maioria ser de dubladores experientes, os próprios conseguem dar conta de sustentar os episódios. A edição também é impressionante, com a tecnologia de som sendo bastante imersiva e convincente. Talvez a experiência seja ainda mais proveitosa caso se possa ouvir sozinho, no escuro — contudo, essa não é a forma que as pessoas costumam ouvir podcasts.

Vale dizer que a história não se encerra no 13º episódio de “França e o Labirinto” e, por isso, ficamos no aguardo para ver como os realizadores vão dar conta de não deixar a qualidade da narrativa cair mais ainda. Em contrapartida, do ponto de vista técnico só se pode tecer elogios.

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