Uma breve história do sensacionalismo

Recentemente fizemos um episódio do Cova Aberta Podcast a respeito das bizarrices do jornalismo brasileiro. Porém, algo que talvez tenha ficado um pouco mal explicado é com relação ao que consideramos “bizarro” e se seria algo relacionado ao sensacionalismo.

Ao longo do programa, resolvemos tanto trazer casos de sensacionalismo quanto simples fatos inusitados que acabaram virando notícia. Mas talvez isso tenha ficado mal explicado. Portanto, como contamos com jornalistas em nossa equipe, resolvemos trazer alguns esclarecimentos que acabou virando uma nova pauta: uma breve história do sensacionalismo na imprensa.

Quando não gostamos de algum jornal ou notícia, tendemos a chamar de sensacionalismo. Porém, apesar de ser uma bravata comum, ela na maioria das vezes não está correta. Antes de prosseguirmos, é importante entender algo: sensacionalismo não é o mesmo que um fato bizarro que vira notícia – apesar de ambos se confundirem.

Fait Divers x Sensacionalismo

Dentro das teorias da comunicação, um acontecimento inusitado e que foge a regra é chamado de “fait divers” (termo francês que significa “fatos diversos”). Às vezes, um acontecimento é tão escabroso que ele por si só pode causar diversas sensações adversas no público, mesmo quando transmitidas de forma sóbria e séria. Portanto, ao ler uma notícia de embrulhar o estômago nas páginas policiais dos periódicos tradicionais, não costuma se tratar de sensacionalismo, pois são os próprios fatos pesados.

Porém, o sensacionalismo está mais próximo de algo chamado de “linha editorial”. Em outras palavras, este termo se refere a uma série de normas e princípios que os jornalistas de determinado veículo precisam seguir ao apurar, produzir e editar seus materiais. Um veículo pode ter uma postura mais popular, outro mais sofisticada ou técnica. As possibilidades são diversas. Dessa forma, o sensacionalismo está enquadrado como uma linha editorial de um periódico, e não necessariamente com algo relacionado a um fato trágico ou escandaloso.

Algumas das características de um jornal sensacionalista são: linguagem coloquial (com uso ostensivo de gírias, palavrões e interjeições), fatos mal apurados e muitas vezes inventados, narração dos acontecimentos de forma a “transportar” o público para o episódio e uso de imagens consideradas fortes, como cadáveres, veículos destruídos, dentre outros. Ao contrário do jornalismo “tradicional”, o sensacionalismo é algo voltado não necessariamente para informar o público, mas sim para “causar sensações” – de forma poética, é quase como se fosse aquela velha relação entre razão e emoção, sendo que o sensacionalismo se importa apenas com a emoção. Assim, por mais que o jornal sensacionalista esteja fundamentado em fatos (questionáveis ou não), suas intenções estão mais próximas do entretenimento, apesar de não se apresentarem de tal forma.

Outra característica que costuma ser bastante frequente em veículos sensacionalistas é o uso de ironias e piadas (muitas vezes de mau gosto) ao tratar suas pautas. Exemplo disso é o caso do jornal Notícias Populares, que operou entre outubro de 1963 e janeiro de 2001. Em uma de suas capas mais polêmicas, a manchete era “Quis Pipa Levou Nabo”, quando o caso retratado era de um garoto que foi abusado sexualmente por um homem que lhe prometeu uma nova pipa após ter perdido a sua.

É evidente que, em muitos casos, um fait divers pode receber cobertura de algum jornal com tal linha editorial – este, aliás, é o cenário perfeito. Porém nem sempre é possível identificar algo do tipo, então a solução adotada por tais periódicos é pegar fatos mais “corriqueiros” e descrevê-los de forma sensacionalista. Dessa forma, fatos envolvendo ações policiais, fatos políticos e econômicos, relações internacionais acabam sendo tratados da forma mais baixa possível, a fim de que o público acaba sentindo as mais diversas emoções – raiva, nojo, graça, dentre outras. Em outros casos, um veículo sensacionalista pode acabar também escrevendo matérias sobre temas irrelevantes para a sociedade, mas com tal tratamento que tem o mesmo fim.

Origem

Se tomarmos a decisão de levar ao pé da letra tais definições descritas acima, então o sensacionalismo existe desde o surgindo dos primeiros jornais. Exemplo disso é o jornal francês “Gazette de France”, que circulou entre os anos de 1560 e 1631, e que trazia notícias com elementos sensacionalistas tal como entendemos atualmente.

Porém, antes mesmo disso, existiam publicações em brochura chamados “occasionnels” que publicavam diversos fatos inverossímeis, exagerados ou até mesmo falsos – e você aí achando que fakenews são coisa da modernidade! Tempos depois, no século 19, existiam jornais de uma única página na França chamados de “canards” que traziam fatos chocantes narrados de forma inescrupulosa.

Porém, o viés sensacionalista mais “moderno” pode ser datado no final do século 19, sendo que os dois publishers responsáveis por isso foram os americanos Randolph Hearst e Joseph Pulitzer – o mesmo do prêmio mais cobiçado dentro do jornalismo mundial. Pulitzer era responsável pelo jornal “New York World”, que foi um marco na época, pois trazia páginas coloridas e utilizadas frases curtas nos espaços em branco entre as colunas (chamamos isso de “olho”). Já Hearst era filho único de um milionário que trabalhou como repórter justamente no jornal de Pulitzer e, eventualmente, acabou comprando o jornal que pertencia ao irmão do antigo patrão, o “Morning Journal”.

Uma concorrência acirrada entre os dois periódicos passou a ser traçada na imprensa nova-iorquina da época. Assim, uma das armas utilizadas por ambos era justamente o sensacionalismo. E como o jornalismo mundial tende a seguir as práticas adotadas pelos norte-americanos, o resto é história.

Porém, o ponto alto da guerra entre os dois veículos aconteceu durante a guerra entre os Estados Unidos e a Espanha, que começou em 1898 e durou apenas quatro meses. Como resultado do conflito, os norte-americanos acabaram tirando o domínio espanhol das Filipinas, de Cuba e de Porto Rico. E apesar de a guerra ter tido proporções pequenas na geopolítica mundial, os jornais acabaram causando certo pânico na população, principalmente após um navio dos Estados Unidos ter sido afundado próximo de Cuba. Inclusive, Hearst chegou a enviar um repórter e um ilustrador para Havana, mas o clima na cidade e na ilha estava tranquilo. Quando o artista enviou um telegrama pedindo para voltar, Hearst disse para que ficasse e mandasse ilustrações, pois ele ficaria responsável por “conseguir uma guerra para publicar”.

Jornalismo amarelo x jornalismo marrom

Além de chamar o jornal da qual não gostamos ou discordamos de sensacionalista, outro termo bastante usado é justamente “jornalismo amarelo” ou “jornalismo marrom (mais comum aqui no Brasil). Vale ressaltar que ambos significam a mesma coisa. Mas afinal de contas, o que essas cores tão inocentes têm a ver com uma prática jornalística tão questionável?

No caso do jornalismo amarelo, a expressão surgiu justamente no contexto da concorrência entre o “New York World” e o “Morning Journal”. Aos domingos, o jornal de Pulitzer publicava tirinhas de histórias em quadrinhos chamada “Hogan’s Alley”, desenhada por Outcault, na qual o personagem principal era um menino vestindo uma camisola de dormir na cor amarela.

Quando Hearst passou a dirigir seu próprio periódico, ele fez questão de conseguir os melhores profissionais e passes do concorrente – inclusive Outcault. Porém, Pulitzer seguiu publicando as tirinhas, que passaram a ser desenhadas pelo artista George Luks. Ambos passaram a usar o personagem, conhecido como Yellow Kid, em suas peças publicitárias. Dessa forma, a cor passou a ser associada ao sensacionalismo da imprensa. Ervin Wardman, editor do “New York Press”, foi o primeiro a usar o termo “jornalismo amarelo” para criticar a prática.

Enquanto isso, o jornalismo marrom tem uma origem um pouco diferente e mais imprecisa. Além disso, esse termo costuma fazer mais sentido aqui, uma vez que o Brasil teve, durante muito tempo, uma relação mais íntima com a França – logo vamos entender a relação. O mais provável é que “imprensa marrom” foi uma apropriação e, posteriormente, corruptela de uma expressão em francês para um procedimento não confiável.

O termo “imprimeur marron” na língua francesa significa algo como “impressão ilegal” e provavelmente veio do adjetivo “cimarron”, que era usado para se referir a escravos em situação irregular. Até hoje, na França, se utiliza o adjetivo “marron” para se referir a alguma profissão exercida sem qualquer registro ou permissão (“médecin marron”, “avocat marron”). Assim, em algum momento não especificado, o significado foi importado para o Brasil e ainda segue sendo usado quando se quer lançar dúvidas com relação a credibilidade de algum jornal.

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