Sociedade blindada em “Propriedade”

Em 2023, um filme brasileiro ganhou uma certa visibilidade no exterior ao ser selecionado para dois festivais de cinema muito importantes. “Propriedade” é um longa dirigido pelo pernambucano Daniel Bandeira, onde é abordado uma vertentes muito recente do gênero do terror, o terror social.

No longa, acompanhamos um casal de classe média alta que decide viajar para sua fazenda no interior do estado para passar uns dias e descansar. Tereza (Malu Galli) está traumatizada pelo assalto à mão armada que sofreu recentemente e Roberto (Tavinho Teixeira), seu marido, faz de tudo para acalmá-la, até mesmo comprar um carro blindado de última geração.

Ao chegar no local, Roberto imediatamente nota algo estranho e não demora muito para ser revelado que os trabalhadores tomaram a fazenda e armados com motosserras, espingardas, e até mesmo paus e pedras, buscam reivindicar seus direitos. O longa busca, de uma forma não linear, mostrar dois pontos de vistas antes de entrar na área do terror.

Ao conhecermos melhor a rotina de Tereza e Roberto, onde somos expostos a fortes elementos do terror psicológico, por conta do trauma de Tereza, o filme volta um pouco no tempo, minutos antes do casal chegar na fazenda, para sermos contextualizados sobre os motivos que criaram o clima de tensão.

Nesse momento, o filme apresenta um terror mais gráfico, mostrando assim o domínio do diretor nos dois gêneros. A partir desse momento, o longa abraça a violência e entrelaça as duas formas de terror ao termos ao mesmo a parte visceral da violência e o elemento de horror psicológico, já que Tereza fica aprisionada em seu carro blindado.

Dois lados da mesma moeda

Algo que eu valorizo muito em um bom roteiro é a forma de contar uma história sem ser expositivo demais. Aqui temos uma aula de como “mostrar” ao invés de “falar”.

Ao decorrer do segundo ato, com pequenas falas subjetivas, entendemos melhor o que ocorre no local, nos mostrando que a tensão é de longa data. De fato não precisa ser dito que os trabalhadores vivem em situação precária, pois é mostrado, assim como sua natureza violenta e dependência de manter o emprego vem de uma certa opressão.

Algumas cenas podem mostrar supostas situações de escravidão. Nunca é dito, mas é no mínimo estranho ter idosos e crianças trabalhando em uma fazenda e algumas terem marcas nas mãos e nos rostos.

Tudo isso faz parte da crítica social do filme, que também está presente no núcleo do casal, onde Roberto faz pouco caso da condição de Tereza. Apesar de fazer tudo para manter a esposa a salvo, o marido parece não entender a ajuda que era necessária para ela se curar do trauma, o que resulta na viagem dos dois para a fazendo nesse momento específico.

Tal traço de característica do personagem de Roberto, coloca ele como marido abusivo sem os clichês de machista agressor que estamos acostumados a ver. Talvez por isso seja difícil de perceber o paralelo traçado entre a dependência de Tereza com o marido e a dependência dos trabalhadores com o emprego, ambas levaram a situação ao extremo.

Tenho certeza que ao abordar assuntos tão sensíveis, a ideia não é criar um vilão óbvio. Apesar de que, pode parecer que o lado dos trabalhadores assume esse papel, por conta de que foram eles que começaram a parte de violência do filme, a posição de patrão do Roberto e melhor condição financeira, colocam a responsabilidade em cima do casal.

Bandeira faz o máximo que ele consegue com os elementos que tem. É nítida a vontade de extrapolar para um dos lados, mas o medo do filme ficar violento demais ao ponto de se tornar irreal e caricato, assim como o medo de ficar apenas no psicológico e a crítica se perder por ficar muito abstrato é perceptível.

No cálculo total, eu diria que é satisfatório e diferente o suficiente para entreter. Capaz de agradar do mais casual ao mais sínico do público, “Propriedade” acima de tudo cumpre a tarefa de se tornar desconfortável e agonizante, seja graficamente quanto psicologicamente.

Repercussão e visibilidade

O filme chegou aqui através da Netflix apenas em 2024, mas começou a colecionar prêmios desde 2022. O longa foi selecionado para o Festival do Rio onde ganhou prêmio de melhor montagem, no mesmo ano recebeu o prêmio de som, direção, figurino e direção de arte no Fest Aruanda do Audiovisual Brasileiro.

Mas, em 2023, ganhou notoriedade internacional, onde recebeu os prêmios mais importes, os de melhor filme no Fantastic Fest em Austin no Texas.

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