O terrível experimento comunista de reeducação juvenil

Os horrores do século 20 deixaram uma cicatriz indelével na história da civilização humana. Guerras mundiais, tiranias, ditaduras, ameaça nuclear… E também avanço científico. Alguns que vieram a um grande preço.

Já algumas ideias eram apenas fruto de uma mente maquiavélica e pervertida.

Não é nenhuma novidade as atrocidades cometidas contra os prisioneiros dos campos de concentração nazistas. E também não é desconhecido o quão desumanas eram as condições dos gulags da antiga União Soviética – que muitas vezes deixavam os alemães no chinelo nesse quesito. E dentro desse contexto comunista, um problema era bastante comum nos países do Leste Europeu: a delinquência juvenil.

Devido a pobreza extrema e algumas campanhas que incentivavam a libertação sexual no início do século 20, o resultado foi uma série de jovens com propensão a criminalidade. Como resultado, em todo o antigo bloco soviético, jovens criminosos e rebeldes eram bastante comuns e um problema constante para a sociedade.

Nesse contexto que entra um episódio conhecido como O Fenômeno Pitesti, que ocorreu entre os anos de 1949 e 1952 na cidade de mesmo nome na Romênia. O local ficava a cerca de 100 quilômetros de Bucareste, capital do país. Vale lembrar que o país acabou sendo anexado pelo governo da antiga União Soviética após o fim da Segunda Guerra Mundial, então todo o contexto comunista se vale para a Romênia.

Basicamente, o fenômeno ocorreu dentro de uma prisão bastante moderna (para a época) e tinha como objetivo “reeducar” jovens que estavam imersos na delinquência juvenil. Porém, vale a observação que o jornalista romeno Virgil Ierunca fez de que não eram apenas criminosos que eram levados para o local: todos que eram considerados perigosos para o regime eram tratados da mesma forma. Assim eram inclusos diversos grupos, como ex-estudantes de teologia, seminaristas ou filhos de imigrantes.

Torturados também eram torturadores

O projeto foi concebido pelo chefe da Securitate (uma espécie de “polícia secreta romena”), Alexandru Nikolski para acabar com a resistência moral dos jovens detentos que eram presos políticos. Para liderar o projeto foi escolhido Alexandru Dumitrescu, que foi o diretor da prisão. Porém, vários dos próprios detentos acabaram se tornando grandes aliados do projeto, sendo um dos mais notórios Eugen Turcanu que era um jovem na casa dos 20 anos na época.

Aqui vale uma observação: o projeto conduzido em Pitesti não nasceu “do dia para a noite”. Ele foi elaborado com base nas ideias do pedagogo marxista Anton Makarenko (1888 – 1939), que pensava que o partido deveria conduzir um plano de reeducação nos dissidentes e coloca-los no “bom caminho”. A ideia era aniquilar totalmente e sem possibilidade de recuperação da juventude detida.

A grosso modo, a “reeducação” de Pitesti tinha quatro estágios, sendo um pior do que o outro.

Primeiro, o detento deveria mostrar sua lealdade ao partido, mesmo que sob tortura. Na segunda parte, o jovem deveria entregar companheiros que o tivessem ajudado de alguma forma.

Na terceira etapa, todo o passado do jovem deveria ser destruído e, dessa forma, sua identidade: a imagem que tinha de sua família e amigos era distorcida, bem como de suas crenças religiosas. Assim, o detento era obrigado a repetir diversas vezes (mesmo que inventadas) cenas eróticas envolvendo seus pais, pintando o pai como um monstro e a mãe como uma prostituta. Estudantes de teologia eram colocados para ministrar “missas negras”, com temas satânicos e sexuais de forma a quebrar suas convicções cristãs.

Por fim, no último estágio, o jovem deveria se tornar um dos torturadores, começando por seus próprios amigos. Dessa forma, se acreditava que se as próprias vítimas tivessem que sujar as mãos, sua moralidade seria ainda mais abalada. Afinal de contas, pensavam que também seriam julgados como cumplices.

A tortura era a chave da transformação

Todas as fases da “reeducação” eram conduzidas com torturas constantes e que duravam o dia inteiro. Alguns se tornavam cooperativos em questão de horas, mas alguns resistiam por mais de dois meses. Contudo, eventualmente todos acabavam se curvando.

Algumas das piores torturas foram elaboradas por Turcanu. Ele foi preso em 1948, foi julgado pelo seu envolvimento com a Guarda de Ferro do regime anterior e foi condenado a sete anos de prisão. Com a aprovação tácita da administração penitenciária de Pitesti, Turcanu formou um grupo de presos para obter informações e policiar as crenças ideológicas da população carcerária, recorrendo à tortura e à força letal quando necessário. Quando as suas atividades se tornaram de conhecimento público, as autoridades romenas o levaram a julgamento e execução em 1954 (morrendo aos 29 anos).

É presumido que Turcanu teria escrito mais de 2 mil páginas a respeito das torturas que desenvolveu, as análises psicológicas com base em categorias de homens e as melhores formas de se quebrar suas resistências. Contudo, as páginas nunca foram encontradas de fato.

Um dos relatos afirma que no natal de 1949, uma tranquilidade anormal reinava em Pitesti. Turcanu estaria na Câmara 4, onde ficava o hospital, que normalmente estava cheio de jovens e de gritos de dor e agonia. Ele permaneceu parado por exatas duas horas olhando pela janela no mais absoluto silêncio e todos que o observavam temiam o que viria a seguir. Passado o tempo, ele teria se voltado para os detentos e gritado:

— Bandidos, por causa de vocês não posso estar com minha esposa e com minha filha neste natal!

Espancamentos eram rotineiros na prisão de Pitesti. Afogamentos em baldes de urina e fezes eram empregados, algo que chamavam carinhosamente de “batismo”. Os detentos também eram obrigados a comer excrementos e, caso vomitassem, também deveriam engolir o próprio vômito.

Uma das torturas descritas consistia em deixar o preso pendurado por cordas ou correntes pelas axilas, com uma mochila cheia de pedras nas costas, e suspenso a alguns centímetros do chão. Choques elétricos eram usados e também agulhas eram inseridas debaixo das unhas. Um dos “esportes” mais comuns entre os detentos consistia em ver quem conseguia desmaiar uma pessoa com apenas um soco no fígado.

Além disso tudo, existiam outras variações de torturas.

Uma das mais comuns era a “entrada e saída do serpentário em 10 segundos”, que consistia em ser jogados para atravessar uma cela abarrotada de detentos se arrastando pelo chão e depois se apresentar em posição de sentido para Turcanu e seus capangas. O processo era repetido diversas vezes por dia. Se o detento desmaiasse, um balde de água gelada era jogado para despertar e prosseguir. Como resultado, toda a carne do corpo era lacerada, além dos constantes ossos quebrados devido ao pisoteio dos detentos. Não era incomum necroses tal como a de leprosos.

Como parte do sistema de desumanização, os jovens eram obrigados a se alimentar “como porcos”, pegando a comida com a boca em tigelas que eram colocadas no chão das celas.  Vários detentos tentaram tirar suas próprias vidas, mas sem sucesso. Um rapaz conseguiu fazer isso ao se arremessar entre o vão de uma escada em uma oportunidade, mas depois foram instaladas redes de proteção que impediam que os detentos repetissem.

O fim de Pitesti

Os horrores empregados em Pitesti foram sendo desmascarados aos poucos quando os jovens “reeducados”, como eram chamados, passavam a demonstrar um comportamento estranho do lado de fora. No livro de Ierunca não é especificado exatamente quais eram esses comportamentos, mas diziam que “um novo tipo de humano” nascia lá, mais sádico, calejado e indiferente.

Aos poucos, o escândalo foi sendo revelado tanto para a população romena quanto para a civilização do Ocidente. Além disso, crises políticas internas na Romênia aconteciam no início da década de 1950. Como resultado de todos essas fatores, o ministro do interior da época acabou sendo expurgado, bem como diversos de seus associados, dentre eles os envolvidos políticos e “técnicos” da prisão de Pitesti. Eles teriam sido conduzidos em um julgamento secreto e muitos foram condenados à morte.

É quase como se o caso todo fosse “varrido para debaixo do tapete”.

Como resultado do Fenômeno Pitesti, entre 100 e 200 detidos morreram, mas não se sabe o número exato de vítimas. Seja como for, as causas das mortes foram falsificadas nas certidões de óbito. Se estipula que um total entre 1 mil e 5 mil detentos passaram pela prisão.

2 comentários

  1. Joguei Outlast Trials o suficiente para saber o quão divertido esse experimento deve ter sido. Tirando a parte da ironia o jogo realmente se baseou neste experimento (em outros também, principalmente nazistas) para definir a sua “pegada”, tanto que em alguns documentos do jogo ele é citado como “os soviéticos estão fazendo a mesma coisa que nós na Romênia”. Infelizmente não importa quanto gore o jogo tenha ainda não deve se aproximar dos horrores da realidade.

  2. Excelente artigo. Parabéns covaberta.

    Com certeza esses criminais eram o próprio demônio, um ser humano por mais ruin que seja NÃO cometeria tais crimes .

    Ainda existem esses demônios, inclusive no próprio Brasil, onde matam e torturam na calada da noite e simuladamente…

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *