Nojento, asqueroso, me faz mal: o dia que eu assisti “Centopeia Humana”

Um ano antes de “A Serbian Film”, em 30 de agosto de 2009, era lançado “Centopeia Humana”. Polêmico e estranho são alguns dos adjetivos que podem ser atribuídos ao longa, além de, claro, nojento. Mas, em meio a tudo isso que fez essa franquia ter sucesso, algo por trás dela perpetua uma característica curiosa: a falta de honestidade na incessante busca por um sentido mais profundo.

O filme começa com duas jovens, Jenny e Lindsay, tendo problemas com seu carro no meio da estrada, até que decidem buscar ajuda. No meio desse cenário isolado elas encontram a casa do Dr. Heitir, buscando abrigo elas acabam se tornando cobaias do seu bizarro experimento. Para quem sempre evitou assistir o longa por medo das nojeiras que o tornou tão famoso, já fica aqui o aviso que, talvez por falta de orçamento, ele é mais focado na ficção científica do que no horror.

Por mais absurda que seja a ideia de ligar três pessoas por um sistema digestivo, colando a boca de uma no ânus da outra, a forma como o Dr. Heitir explica o processo e ilustra no seu quadro, vêm acompanhada de embasamento e justificativas que dentro do longa pode fazer sentido.

Ou até mesmo para o telespectador que não se importar muito com detalhes.

Com a justificativa de que o tal Dr. Heitir é um especialista competente, ele tem sucesso no seu experimento e consegue montar sua centopeia de maneira limpa. Não tem nada de gráfico e detalhado no processo, após a conclusão da ligação dos três indivíduos, o filme acompanha uma rotina perturbadora onde Heitir trata as três pessoas como seu animal de estimação.

O ator Dieter Laser interpreta o Dr. Heitir. Sua interpretação lembra muito o clichê de general nazista. O personagem é posturado, anda com os braços para trás e possui um olhar quase inumano, até robótico. Além disso, sua frieza o acompanha durante todo o momento, não demonstrando hesitação ou remorso quando atenta contra a vida alheia. As únicas emoções exaltadas pelo personagem são os momentos de empolgação com os sucessos de sua criação.

O resto do elenco é formato por Ashlynn Yennie, Ashley C. Williams e Akihiro Kitamura. Esses são as três vítimas que se tornam a centopeia humana, sinceramente, nada de muito relevante vale ser ressaltado sobre a atuação deles. Kitamura aparece poucos minutos antes de se tornar a centopeia humana e ele fica na frente, não temos tempo de conhecer seu personagem antes disso.

As outras duas, uma delas tenta fugir e como punição Heitir a coloca no meio da centopeia e o último lugar fica clara a restante. Ou seja: nenhuma possui falas desse ponto em diante, mas, atuam com os olhos e pequenos momentos de união entre elas nos mostra que a amizade ainda existe.

Após a criação da centopeia, o que se sucede é uma série de acontecimentos para o Dr. Heitir anotar para seu estudo. Ele passeia com suas vítimas, as alimenta e claro, as vê fazerem cocô. Por mais que seja difícil admitir, mas quando você bate o olho no desenho no quadro e vê que as pessoas vão ser ligadas pela boca e ânus, a maior curiosidade que temos é de quando elas vão fazer sua necessidade e o que vai acontecer em seguida.

Como já expliquei, nada é tão gráfico e tudo fica no campo da sugestão. Mas o diretor do filme Tom Six, parecia saber que sua premissa era tão absurda que ela por si só geraria a curiosidade do público, então o marketing e até a capa do longa dão a entender que tudo vai ser mais visceral do que realmente é. Porém, as coisas seriam um pouco diferentes na sua sequência, um pouco.

Como toda polêmica, foi se criando um burburinho e o marketing boca a boca foi feito. Logicamente em 2011 foi lançado “Centopeia Humana 2”.

É apenas um filme

Na sequência, “Centopeia Humana” é apenas um filme, e o protagonista do segundo longa é Martin, um fã obcecado pelo primeiro filme disposto a por em prática as teorias de Dr. Heitir.

Em “Centopeia Humana 2”, acompanhamos a vida de Martin, tendo que lidar com seus problemas mentais enquanto vive com sua mãe abusiva e com o preconceito no seu ambiente de trabalho. Falando assim o longa até parece mais profundo do que realmente é, e com a premissa de que o primeiro “Centopeia Humana” é apenas um filme, também se espera que ele vá fazer algum comentário metalinguístico, fazendo críticas ao próprio filme, indústria ou gênero, mais ou menos como a franquia “Pânico”, mas na verdade ele está mais preocupado em ser maior e mais impactante visualmente que o primeiro filme.

Martin, não é especialista e nem médico, o que já dá margem para algo mais gráfico que o primeiro filme, junta isso com o fato de que agora temos não apenas três pessoas mas sim doze. Bem mais violento que o primeiro, porém todo rodado em preto e branco, o que diminui um pouco o impacto das cenas, “Centopeia Humana 2” em determinado momento se define apenas como caos.

O filme não se preocupa em explicar em como Martin sequestrava e mantinha todas as pessoas em um galpão. Elas apenas estão lá. Tudo no filme se encaminha para seu terceiro ato e os elementos de drama estão lá para preencher tempo de tela.

Munido de estiletes, fitas adesivas e grampeadores, Martin começa sua operação da maneira mais pobre e bagunçada possível, suprindo a necessidade de quem foi assistir o primeiro filme esperando muito mais violência do que foi apresentado. Se a premissa já era o suficiente para se vender no primeiro filme, no segundo onde tudo é mais gráfico essa proporção ficou maior e seguindo um padrão o terceiro filme entrou em produção e foi lançado em 2015.

Destino pior que a morte

No terceiro longa, a franquia passa por outra mudança drástica.

Agora acompanhamos Bill Boss, diretor de uma prisão de segurança máxima que tem dificuldade em disciplinar seus presos, então seu parceiro Butler, sugere que usem a centopeia humana como forma de punição.

Assim como os filmes anteriores, “Centopeia Humana 3” busca se apoiar em um gênero secundário. Dessa vez aqui temos a comédia de humor negro para contar a história.

No elenco, temos a volta de Dieter Laser como o Bill Boss e de Laurence R. Harvey, o Martin do segundo filme, como Butler, o parceiro de Bill Boss. Laser está completamente surtado nesse terceiro filme, seu personagem fala ao berros, flerta com o canibalismo e é misógino, ao ponto de chamar sua secretária apenas pelo nome de suas genitalias.

Além disso, temos também a participação de Tom Six interpretando ele mesmo. Ele aparece como diretor dos dois primeiros filmes para explicar como funciona a centopeia humana, na cena ele é expulso pelo Bill Boss que retruca: “Eu não vou falar com este cineasta sobre seu fetiche com merda”.

Certo, avançamos bastante no terceiro filme, mas e a centopeia? Já na capa vemos que ela é a mais ambiciosa das três, já que na história ela é formado por quinhentas pessoas. Infelizmente, para quem se empolgou pela quantidade de pessoas, saiba que ela tem o menor tempo de tela entre todas as centopeias.

“Centopeia Humana 3” pode até ter em suas entrelinhas críticas sobre o sistema carcerário americano, mas nada faz com essa informação. O longa de Tom Six está mais preocupado em mostrar rebeliões e torturas na cadeia, que vão desde sufocamento com toalhas molhadas à castramento.

O longa ficou pronto em 2013, mas teve problemas com a censura e em encontrar um distribuidor corajoso. Essa questão  om censura passa longe de ser por conta da violência, mas sim de falas preconceituosas em seu roteiro, coisa que o diretor Tom Six entende por humor negro.

Na minha opinião é sempre bom ver o que de diferente podemos fazer com os gêneros. Se propor a fazer uma trilogia em que cada filme é uma combinação diferente de gênero com o horror é algo que me atrai, porém temos um grande problema com isso nessa franquia, o sentido nisso tudo. Por mais que a ideia não seja ruim, é necessário dominar ambos os gêneros com que se trabalha e o importante, fazer algo com eles em conjunto. No primeiro filme temos a ficção científica que, na verdade, se faz presente na explicação inicial e seu absurdo te convence a aceitar o que está sendo apresentado, mas após isso ela não volta mais.

O drama com terror e horror é uma combinação poderosa, ela serve para aprofundar a história e criar laços com os personagens. Six quase consegue isso com o segundo filme. Quando Martin sofre com as dificuldades e quando sabemos de sua deficiência mental poderia ser comovente se o próprio filme não usasse isso apenas para rotular o personagem de maluco antes de cair no horror puro.

Por último, o terceiro é o que mais sofre por casar os dois gêneros. Six não é bom em comédia mais do que no drama, é isso é refletido quando basicamente o terceiro “Centopeia Humana” são dois filmes em um. Temos uma clara divisão em que Six precisou para conseguir trabalhar os dois gêneros, uma pena que não em conjunto, mas sim separados, dando a impressão que a presença da centopeia não passou de uma obrigação inconveniente.

Tom Six já expressou a vontade de fazer um quarto filme, mas encontrou problemas de orçamento e não  conseguiu iniciar a produção. O quarto longa acompanharia uma centopeia humana formada por milhares de pessoas e seria a solução para o problema com a fome no mundo.

Apesar de tentar ser mais profunda do que parece, a trilogia passa por altos e baixos. Acredito que existem pessoas que podem se divertir de maneiras diferentes em todos os filmes, porém a minha recomendação é o segundo filme. Apesar de não ficar livre das críticas que fiz aos demais, o segundo filme é mais honesto em querer mostrar o lado gore da premissa e se ignorar as inconsistência e do caminho árduo que leva até o final, você pode se divertir com alguns absurdos presentes.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *