Stephen King

A oscilação na obra de Stephen King

Quando pensamos ou falamos a respeito de livros de terror, normalmente um nome vem a nossa mente: Stephen King. E isso não é à toa. O estadunidense possui uma farta coleção de livros e contos de sua autoria, quase todos traduzidos para diversos idiomas e muitos até mesmo renderam filmes que marcaram gerações. Sua contribuição para a literatura americana lhe rendeu até mesmo a Medalha Nacional das Artes em 2015.

Mas apesar de seu mérito, raramente é falado sobre a grande oscilação de qualidade em sua obra – e o mais irônico disso é o fato do autor alegar no livro “Sobre a Escrita” que Murray Leinster tinha o mesmo problema e ainda afirmou que determinada obra do mesmo lhe foi o equivalente a vacina contra a varíola.

Eu pessoalmente seria um ingrato se não reconhecesse o peso que Stephen King teve em minha formação como escritor, pois li mais livros do mesmo do que qualquer outro. Só que como tenho o estranho vício de “me rebelar contra meus mestres”, não posso deixar de admitir o quanto sua influência na literatura de terror pode ser tóxica e prejudicial para novos autores e leitores que ainda não possuem muito senso crítico – e ouso dizer que tem até mesmo muito macaco velho com essa deficiência. Existe uma clara decadência de qualidade conforme cada novo título de Stephen King.

Um romance normalmente é avaliado por seus pontos fortes e fracos que depois são julgados para concluir se o saldo é positivo ou negativo – não existe livro tão ruim ao ponto de não ter nada de bom e nenhum livro tão bom ao ponto de não ter nada de ruim. Seus primeiros livros costumavam ter o saldo bastante positivo, mas o mesmo não pode ser dito dos lançamentos dos últimos anos. Mas vamos comparar dois títulos mais próximos para que o argumento fique mais claro.

Vamos analisar “O Iluminado” e logo em seguida “Doutor Sono”.

O primeiro é um livro com vários momentos marcantes e um desenvolvimento angustiante e tenebroso, sendo que poderia fazer um texto inteiro tecendo elogios – mesmo que exista momentos ruins. Porém, no segundo título, acontece o completo oposto: temos uma premissa muito interessante, que é o medo de repetirmos os mesmos erros que nossos pais cometeram em suas vidas e/ou em nossa criação, além de uma expansão no universo que abrange as crianças iluminadas. Só que rapidamente nos deparamos com um desenvolvimento medíocre em muitos momentos, com algumas referências pobres a acontecimentos do mundo real – como o atentado ao World Trade Center em 11 de setembro de 2001 – e o texto não replica nem de longe o mesmo tom de seu antecessor. Tudo isso sem contar alguns aspectos ultrapassados e mal estereotipados quanto aos pré-adolescentes e adolescentes. No entanto nem tudo é ruim na obra, pois diversos momentos envolvendo as “práticas” do grupo conhecido como Verdadeiro Nó para com suas “presas” são bastante perturbadores e demonstram com grande crueza o tipo de monstros que os mesmos são e precisam ser combatidos – apesar do desfecho pobre.

Posso afirmar com alguma segurança que muitos contos de suas coletâneas são infinitamente melhores do que vários de seus romances e, por algum motivo que ainda não entendo, não é dado muito destaque para suas obras menores – minhas duas preferidas se chamam “O Homem do Terno Preto” e “Vovó”. Talvez exista algum tipo de preconceito com relação a qualquer tipo de narrativa mais curta, tanto que uma vez ouvi de outro escritor que as pessoas costumavam associar contos com histórias para crianças – sem tirar o mérito das mesmas.

Mas o ponto é que até mesmo as pequenas narrativas de Stephen King apresentam coisas um tanto bizarras. Cito como exemplo o conto chamado “O Dedo Semovente”, cuja premissa é genial e até brinca com questões psicológicas da natureza do medo, como o fato de duas coisas sem nenhuma relação nos causar estranheza ao avistadas. Tente pensar como se sentiria caso encontrasse um dedo vivo saindo do ralo da pia de seu banheiro e começasse “explorar” a louça ao redor unicamente com o sentido do tato. Essa é, basicamente, a proposta da história e aí que entra a questão de duas coisas sem relação direta nos causar medo – pois é muito simples imaginar em colocar o dedo dentro de um ralo, mas ninguém nunca pensa como seria caso algum dedo saísse de dentro do buraco da pia. E apesar da proposta ótima, o desenvolvimento e a conclusão é pobre e medonha, quase como se fosse uma cena do jogo Plug & Play, de 2015.

A obra de Stephen King possui aspectos louváveis e questionáveis, sendo necessário um maior apuro na hora de formar sua própria opinião. Talvez o maior problema na hora de desenvolver o senso crítico quanto essas questões seja a abundância de títulos do autor no mercado literário, pois isso pode passar a impressão de referência e raramente fartura significa qualidade. Dessa forma sugiro que os leitores e autores busquem sempre outros escritores, tanto dentro do terror e horror como fora do gênero.

Se me for possível gostaria de sugerir clássicos do horror como os contos de Edgar Allan Poe, Ambrose Bierce e H. P. Lovecraft, “Drácula” de Bram Stoker, “Frankestein” de Mary Shelley, “O Rei de Amarelo” de Robert W. Chambers e – para não alegarem que não valorizo a literatura brasileira – “Noite na Taverna” de Álvares de Azevedo. Ler é uma das coisas mais importantes na vida de uma pessoa, mas não adianta consumir apenas um único tipo de conteúdo de qualquer nicho que seja.

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