Torture Porn: o gozo na violência

Com o passar dos anos, tendências no cinema vão sendo criadas.

Os anos 2000 foi marcado por estéticas sombrias, couro preto, e pela violência. A narrativa no cinema foi ficando mais acelerada e o público exigia cada vez mais apelo gráfico. Sendo assim, em 2004 foi lançado “Jogos Mortais”. Dirigido por James Wan, o longa foi o principal responsável pela criação do termo “torture porn”. Apesar disso, olhando em retrospecto, o longa de Wan não é tão violento quanto obras anteriores e posteriores, sendo muito mais um thriller de investigação e carregando o DNA dos anos 2000 na sua edição rápida e estética suja.

Ao se referir ao filme de Wan, o crítico David Edelstein usou o termo “torture porn” na revista New York. Apesar do termo ter se popularizado e, hoje em dia, ser usado aos montes, ele surgiu como conotação negativa. Edelstein escreveu que a violência era gratuita e desnecessária, indo longe demais de propósito e buscando pescar o público expondo um lado sádico da curiosidade. Ele incluiu a palavra “porn” no termo fazendo referência a filmes pornográficos, já que nesses tinham história que era apenas uma desculpa para chegar onde mais importa.

Apesar de entender o motivo que fez Edelstein usar essa analogia como ponto negativo, a generalização me incomoda um pouco. Como explicado, “Jogos Mortais”, apesar da violência é um filme de investigação que se passa, na maior parte em um ambiente apenas, ou seja, o roteiro não ficou em segundo plano. E até mesmo filmes que vieram antes de “Jogos Mortais” e que são considerados “torture porn” conseguem ter um roteiro afiado.

“Salò ou 120 dias de Sodoma” ,longa de 1975, acompanha um juiz, um padre e um político, torturando jovens durante 120 dias, fazendo referência a opressão e impunidade dos poderes econômicos, parlamentares e religiosos na sociedade.

“Holocausto Canibal”, de 1980, acompanha um grupo de documentaristas estadunidenses que são presos, torturados e comidos por uma tribo canibal na floresta Amazônica após eles terem depredado o local e matado alguns animais. Apesar do resto do longa ser mais raso que o anterior, a premissa faz referência a colonização e exploração das terras de povos nativos.

Agora vamos um pouco mais longe.

Caso não tenha ficado claro ainda, o foco do “torture porn” não é necessariamente a violência em si, mas a dor. Saber o que significa sangue e dor é o diferencial de um “torture porn”. Sendo assim, é correto afirmar que o subgênero não se limita a obras de horror e terror, sendo usado em produções que precisam desse aspecto para contar uma história.

Lançado no mesmo ano que “Jogos Mortais”, em 2004, chegava nos cinemas “Paixão de Cristo”. Para quem já viu pelo menos uma cena do longa dirigido por Mel Gibson, já entendeu como ele se encaixa. Gibson optou por uma visão nada óbvia ao contar a história de Jesus Cristo. Com a justificativa de testar a fé, o longa foca em todo o sofrimento passado pelo personagem antes, durante e depois de sua crucificação, usando a tortura enquanto conta a história é reflete sobre a humanidade.

Outro ponto que vale ressaltar, e que foge do eixo do terror, é “Irreversível”, do argentino Gaspar Noé. Considerado sua obra prima, o filme francês é um thriller de investigação sobre vingança. O filme acompanha Marcus que, ao lado de seu amigo Pierre, buscam vingança contra o estuprador de sua namorada, e aos poucos, vão se adentrando no submundo das ruas de Paris. Apesar das cenas tradicionais de horror e tortura, “Irreversível” faz uma espécie de tortura social, ao mostrar pessoas agonizando em um cenário à beira da sociedade, seja por violência física ou mental.

Apesar dos anos 2000 ser conhecido como a ascensão do “torture porn”, com filmes como “Jogos Mortais” e “O Albergue”. Vimos que essa vertente já foi explorada antes mesmo de ter uma nomenclatura.

Tendo isso em vista, chega a ser engraçado que a origem do termo tenha sido com uma intenção depreciativa, e ainda mais quando pensamos que temos um filme assim chegando nos cinemas, em pleno circuito comercial.

Mais recentemente, o maior expoente do “torture porn” sem dúvida é “Terrifier”.

Conhecido no Brasil como “Aterrorizante” o longa acompanha o palhaço Art, e sua sede de sangue em uma noite de Halloween. Tendo um orçamento de apenas 35 mil dólares, o filme de Damien Leone não precisa de muito para tornar memorável.

Leone é técnico e especialista em maquiagem e efeitos práticos, sabendo que isso seria o ponto forte de sua obra decidiu focar todos os seus esforços nessa parte. Ou seja, temos aqui muita tortura e a criação de um novo ícone do terror. Sua continuação, “Terrifier 2”, fez sucesso em cima de uma polêmica onde, pessoas passavam mal e vomitavam durante sessões exibidas em festivais de cinema, o resultado disso foi uma arrecadação 15 milhões para um filme que custou 250 mil.

Em outubro de 2024, “Terrifier 3” irá chegar inclusive em cinemas brasileiros, tendo um alcance incrível para um produção desse porte. Apesar desse sucesso todo de “Terrifier”, eu associo isso muito mais ao marketing boca a boca, do que ao “torture porn” propriamente dito. Afinal vender o gênero apenas por ele mesmo, seria insustentável, você não pode usar cenas de tortura e dor em propagandas na televisão por exemplo.

Afinal das contas é importante afirmar que, “torture porn” sempre esteve, e está, vivo. Seja pegando o público por um interesse sádico ou desafiando ele a ver essas cenas. Eu sinto falta apenas de filmes que, pelo menos, fingiam ter algo mais por trás da violência, que me instigavam a pensar no sentido de tudo aquilo, mesmo que nem tenha.

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