A verdade trágica das histórias apocalípticas

“Eu queria que tivesse um apocalipse zumbi para eu não precisar mais ter que ir para a faculdade e trabalho.”

Pensei em diversas formas de iniciar essa conversa. Porém, essa frase (adaptada) que uma pessoa disse para mim semanas atrás não saiu da minha mente. Questionei essa pessoa se ela tinha assistido “Zoom 100”, um anime que tem esse exato fio-condutor na história. Mas aparentemente nunca tinha ouvido falar antes.

De qualquer forma, acho que isso traduz com maestria o porquê de obras apocalípticas serem tão catárticas na modernidade. No fim, o que está por detrás do sucesso de algo pode dizer mais sobre o público que a consome.

Mas vamos por partes.

Quando um gênero ficcional entra em evidência ao ponto de saturar, o próximo passo dos ficcionistas é o escárnio deste mesmo gênero. Eventualmente, esse movimento é tão forte que se cria uma tendência nova.

Miguel de Cervantes, por exemplo, criou a literatura moderna ao escrever “Dom Quixote” – que foi uma crítica aos romances de cavalaria que dominavam o mercado editorial da época. Além disso, sua história envolvendo sua obra-prima é tão interessante que até mesmo uma disputa judicial por direitos autorais foi travada na época com a polêmica de uma continuação não autorizada. Esta, aliás, é considerada a primeira briga jurídica envolvendo direitos autorais que se tem notícias.

Mais recentemente na nossa história, o que podemos ver nos últimos anos é que tivemos diversos clichês em evidência na cultura popular. Super-heróis são exemplo disso. Desta forma, como um movimento de escárnio, surgem obras como “Invincible” e “The Boys”, que pegam todos os tropes conhecidos e criam uma versão burlesca do que já conhecemos. Contudo, isso é de uma forma tão bem feita que, por mais que saibamos no fundo que tais obras são um deboche, elas se sustentam não só por isso, mas também pela própria trama que apresentam.

Outro exemplo que podemos citar de obra que replica este mesmo escárnio é o anime “One Punch Man”. Na trama, podemos ver todos os clichês dos animes que fazem sucesso na cultura popular desde a década de 1990 e ainda aplica uma crítica existencial que é, no mínimo, válida. Porém, infelizmente, o público geral da obra parece muitas vezes não entender desta forma.

Por fim, outro exemplo deste movimento é o já citado anime “Zoom 100”. Com os mesmos aspectos burlescos que são comuns neste tipo de obra, ele traduz o motivo de obras envolvendo apocalipses zumbis serem tão cativantes: no fundo, nós gostaríamos de estar neste mundo mais simples pelo fato de estarmos presos a um cotidiano kafkiano – quase como se nós mesmos fôssemos os zumbis.

Se as pessoas realmente desejam tal coisa é algo que não sou capaz de responder.

Acredito que seria leviano dizer simplesmente que sim, pois nos últimos anos pudemos testemunhar uma pandemia, guerras eclodindo, instabilidade política e econômica e tantas outras coisas que nos aproximam de uma história apocalíptica. Porém, eu suspeito que também seria leviano dizer que as pessoas não gostariam disso justamente pelas dificuldades apresentadas pela modernidade. Afinal de contas, as coisas aparentemente seriam mais “simples” se tivéssemos que voltar para um estágio anárquico e selvagem para sobreviver.

A única coisa que eu posso afirmar sem medo de errar é que o apocalipse retratado na ficção provoca uma catarse doentia que revela um dos aspectos mais apodrecidos da modernidade. De forma curiosa, é como se uma obra de drama e terror pudesse refletir uma esperança sombria. E sim, tudo isso é paradoxal, no melhor estilo de Chesterton, pois são verdades incompatíveis que coexistem.

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