“Halloween”: como fazer, retomar e destruir um clássico

Em 1978, um filme foi responsável por moldar o subgênero hoje conhecido como slasher. “Halloween” de John Carpenter, apesar de não ter sido o primeiro a introduzir um vilão mascarado, muitos dos elementos apresentados foram fundamentais para o começo de uma tendência nova no cinema. O longa começa na fatídica noite de halloween, com uma câmera em primeira pessoa, uma pessoa armada com uma faca assassina uma jovem que que estava se arrumando na frente de uma penteadeira. O assassino então, desce as escadas e vai para rua onde encontra duas outras pessoas, essas pessoas são seus pais.

Eles tiram a máscara do assassino e a câmera afasta, ficando em terceira pessoa vimos que o algoz se trata apenas de uma criança. O pequeno Michael Myers é internado em um manicômio e nunca mais falou após esse ocorrido. Esse início lúdico, parecendo quase um sonho, não contem falas e apenas com ações e a expressão apática do pequeno assassino John Carpenter conta uma história.

Essa característica de contar muito com pouco vai se estender por todo o filme e é de longe sua mais notória qualidade. Sabemos pela expressão apática que aquele ato foi irrelevante para o garoto, talvez o fizesse por uma curiosidade mórbida, assim como sabemos que a vítima por estar de pijama morava na casa e por ser jovem talvez seja sua irmã e, por fim, sabemos pelas roupas de seus pais que, no mínimo, a família era de classe média. Tudo isso em três minutos de uma cena inicial sem diálogos.

Após a introdução, anos se passaram e em uma noite chuvosa Michael escapa, fugindo em um carro roubado e indo em direção à sua cidade natal. É comum estranhar essa cena, afinal alguém ensinou o personagem a dirigir o que possibilitou a sua fuga. Essa e outras perguntas são respondidas quando Dr. Loomis, médico responsável por acompanhar a recuperação de Michael, interage com o policial responsável pelo caso. Em determinado momento é dito que os pacientes são estimulados com exercícios tanto físicos quanto mentais, como por exemplo aulas de direção, para auxiliar na recuperação.

Pequenas pistas como essa sobre o tempo do Michael no manicômio ajudam a construir o personagem, e precisa ser bem feito já que ele não fala e não vemos o rosto dele. Então quando um profissional como Loomis cita que Michael possui uma expressão vazia e olhos de demônio, já fica implícito sua capacidade de fazer o mal. Essa característica apática é muito bem refletida no visual do personagem. Michael Myers não possui nada de espalhafatoso, sua máscara é apenas uma expressão neutra com olhos negros, sua roupa é um macacão velho de mecânico e sua principal arma, uma faca de cozinha.

Não ter nada de monstruoso no assassino faz ele ter uma aparência “normal”. Sabendo disso, antes dos assassinatos começarem vemos cenas dos personagens interagindo de forma casual, porém, a presença de Michael está sempre ao fundo, sempre observando.

“Halloween” também foi o longa que catapultou a carreira de Jamie Lee Curtis. A personagem Laurie Strode é, até hoje, um modelo do que conhecemos como final girl. Típica protagonista de slasher, simpática, inteligente, tímida, e claro, virgem.

No entanto, essas características servem bem para a trama, pois o fato de Laurie ser mais certinha que suas amigas possibilita que ela fique dizendo seu trabalho de babá, ao invés de sair para uma festa ou escapar para transar com algum namorado. Esse comportamento isola a personagem, e permite que suas amigas se tornem vítimas primeiro.

Falando das mortes. Aqui não temos nada de inventivo nelas, pois na época esse não era o foco. Aqui, o foco está na imprevisibilidade e na casualidade que elas acontecem. Afinal, Michael é só um homem e os personagens vítimas dele, são apenas vítimas. Não existe um motivo plausível para os atos de Michael, o que condiz com as palavras de Dr. Loomis, chamado Myers de monstro. Isso deixa tudo mais assustador, pois literalmente qualquer pessoa poderia ser vítima de Michael sem motivo algum. Esse fator infelizmente se perdeu com o tempo.

Um remake necessário?

Com o tempo, diversas continuações foram feitas sem o John Carpenter e com a intenção de ampliar a mitologia de franquia vários conceitos foram inventados. Laurie se tornou uma irmã perdida de Michael Myers, e Michael persegue ela pois seu objetivo é matar sua família. Agora existe uma seita e uma entidade toma conta de Michael na noite de halloween e isso desperta seu instinto assassino, tudo isso tira a essência da obra original, buscando apenas uma maneira de fazer continuações, uma atrás da outra.

Após isso, em 2007 houve um reboot, dirigido por Rob Zombie o longa foi chamada de “Halloween – O Início”. Quem já viu pelo menos cinco minutos de qualquer outro filme de Rob Zombie já sabe como sua fórmula funciona. Zombie foca no pior lado da humanidade, tudo é sujo e precário, sua ideia de terror é mais voltado pro gore e a estética é soturna e lembra muito o rock dos 1980.

Como o título sugere, “Halloween – O Inicio” se propõe a contar as origens de Michael Myers. Porém, isso dura mais ou menos 15 minutos iniciais do longa e o restante é só um remake do original. Nesses 15 minutos iniciais, somos apresentados ao Rob Zombie diretor de filmes. Aqui vemos Michael Myers com sua família, um ambiente tóxico, sujo e todos são bizarramente ridículos. Longo no início, na mesa do café da manhã sua irmã mais velha faz uma piada de masturbação, comportamento tão absurdo que acaba ficando caricato.

Aqui o longa de Zombie segue a cartilha da representação de um psicopata no cinema. O jovem Michael Myers sofre bullying por ser muito recluso, agride animais e é indiferente com a violência. Algo que, mais um vez, se distancia da ideia original, fazendo com o que perca sua essência, a simplicidade, a apatia e toda aquela questão da dúvida que fazia Michael assustador foi por ralo abaixo.

40 anos depois

Felizmente, David Gordon Green, teve a chance de lançar sua continuação de “Halloween” em 2018. Dessa vez sob a supervisão de John Carpenter, esse longa é uma continuação direta do filme original, descartando tudo que veio depois, ou seja, nada de seita sobrenatural e nada de parentesco entre Michael e Laurie. Já nos primeiros minutos, Green demonstra entender a essência da franquia. Em um diálogo rápido entre médicos do manicômio e jornalista, entendemos o que aconteceu com Michael durante todo esse tempo.

Laurie está traumatizada e passou sua vida se preparando para quando Michael fosse atrás dela novamente, mas, vale ressaltar, isso faz parta do trauma da personagem pois, nada indica que Michael tenha questões pessoais com a personagem. Aqui já entramos no campo das mortes criativas, expondo toda a maldade do assassino ao fazer vítimas aleatórias, retomando aquele sentimento que isso poderia acontecer com qualquer um.

Uma pena que, sua continuação, “Halloween Kills”, apesar de ter uma ideia boa, todo o conceito da cidade estar cansada da violência e tentar ir contra seu algoz, é algo que poderia dar certo e poucos filmes slasher lida com consequências. Mas a maneira como é feita, beira a comédia. Com mortes sem fundamentos e personagens burros, “Halloween Kills” se torna uma enorme barriga, sendo relevante apenas na sua conclusão, onde acontece a única morte relevante do filme e se perde quando, por algum motivo difícil de entender, tenta apresentar o elemento sobrenatural.

“Halloween Kills” claramente foi feito com o intuito de fechar uma trilogia. Trilogia essa que chegou ao seu fim com “Halloween Ends”. E a nova leva de filme do Michael Myers, que começa brilhantemente termina de forma deplorável. Ao começar que o início de “Halloween Ends” não casa com o final de “Halloween Kills”, reforçando a ideia que “Halloween Kills” existe apenas para fechar uma trilogia.

Diferente das 1h51 de duração de “Halloween Ends”, eu não vou enrolar a conclusão e serei direto. Esse filme é um golpe, tendo a ideia de apresentar um lado de influência de Michael Myers, onde um jovem se inspira nele para cometer assassinatos, o filme deixa de lado seu personagem mais importante, sem qualquer pensamento lógico que justifique tal ação. Um tempo que poderia ser usado para desenvolver o conflito final entre Laurie e Michael, é ocupado por um jovem sem carisma tentando ser um serial killer mascarado. Uma ideia que seria melhor aproveitada em um terror de comédia autoconsciente onde, o protagonista tentaria ser um vilão de filme slasher e falharia miseravelmente.

Qual é o saldo?

Em suma, “Halloween” é uma franquia que passou por altos e baixos. Analisando mais de perto é estranho notar como uma obra que ajudou moldar todo um subgênero de terror foi decaído conforme foi tentando se reinventar.

Isso acontecer na verdade pois, se reinventar nem sempre é sinônimo de originalidade. Ao longo de seus filmes com a troca de tantos realizadores a aposta foi sendo se adaptar com tendências da época. O surgimento de um culto com explicação sobrenatural, talvez tenha vindo com o sucesso de “Sexta-feira 13” e “Hora do Pesadelo” ambos slasher sobrenaturais.

Uma pena que, com o avanço da franquia a tendência era cada vez fazer mais e maior, e foi aí que se perdeu aquele aspecto mais contido e sutil, que fazia o original tão assustador.

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