Uma das melhores produções da Netflix, sem dúvida, é o seriado documental “Mistérios Sem Solução”. Um fato que se pode observar sobre ele é que, pelo fato de ser antológico, não é necessário ver religiosamente todos os episódios em sequência. Ao ler a descrição de cada programa, dá para decidir se vale a pena ou não dedicar entre 40 e 50 minutos do seu dia para assistir. Os temas variados, desde true crime até sobrenatural, são um prato cheio para um público eclético, mas que tem algo em comum: a espinha dorsal do macabro (algo não muito diferente do que fazemos aqui no Cova Aberta).
Por mais que a produção tenha certo padrão de qualidade técnica em todos os episódios, é possível notar que alguns deles foram mal feitos. Basicamente, em alguns casos, os produtores só devem ter pego uma câmera, os entrevistados, feito algumas perguntas e depois montado tudo de forma mais ou menos coesa. Por vezes, não há qualquer senso crítico envolvendo os temas, ou bom senso ao tratar de certas pautas. É claro que alguém pode argumentar que “isso é proposital para que o expectador tire suas próprias conclusões”, mas não é isso que transparece em vários momentos. Isto porque, não raro, conseguimos pinçar episódios que são verdadeiras obras-primas de jornalismo investigativo – mesmo que os mistérios permaneçam insolúveis.
Deixando de lado os casos mais extraordinários envolvendo questões sobrenaturais, como ufologia e sobrenatural, as histórias envolvendo crimes verdadeiros são interessantes. E após tantas temporadas, podemos chegar a uma conclusão bastante lógica: tirando alguns casos excepcionais, a maioria dos mistérios ficaram sem solução por conta da incompetência da polícia. É evidente que alguns crimes podemos apenas aceitar que os culpados deram sorte de encontrar circunstâncias favoráveis. Porém, a maioria poderia ser facilmente resolvida caso as autoridades fizessem as perguntas certas. Isso fica evidente quando, ao acompanhar os casos, diversas questões que os expectadores levantam enquanto assistem sequer são feitas pela polícia.
Bom, parece que o lugar-comum de mistérios sem solução é a falta de senso crítico…
Pessoalmente, sou uma pessoa extremamente cética com relação ao sobrenatural e, principalmente, com questões envolvendo ufologia. Contudo, alguns dos meus episódios favoritos dessa série são justamente estes porque eu gosto de ver o quão longe uma pessoa pode ir. Não entenda errado: não nego a existência de vida fora do nosso planeta, mas o problema são os malucos que defendem ufologia com unhas e dentes. Com todo o respeito, mas não vi até hoje nenhum desses que não passasse a vibe de que tinha fugido do CAPS.
Enfim, o fato é que pedi ajuda aos meus parceiros para elencarmos os melhores episódios do “Mistérios Sem Solução”. A lista será aleatória e não é do melhor para o melhor ou algo assim. Então, esta é uma seleção de todos os membros que colaboram com o Cova Aberta.
Um corpo no aterro – T2E1
De longe, a segunda temporada é a melhor da série. E como se não bastasse, ela já abre com chave de ouro com um dos melhores casos já apresentados, pois envolve um crime, intrigas políticas, espionagem e um possível acobertamento por parte de agentes de autoridades governamentais. Este programa apresenta a história de um velho senhor importante dentro do governo-norte americano que foi encontrado morto em um aterro sanitário. Quando a polícia refez, minuciosamente, seus últimos passos, se descobriu uma série de acontecimentos estranhos envolvendo as horas finais do homem.
O que deixa esse caso ainda mais curioso, e até mesmo fascinante, é caso o expectador tenha conhecimentos teóricos sobre técnicas gerais de espionagem – e sim, fica implícito que o senhor tinha algo a ver com o serviço secreto dos Estados Unidos. Isto porque, conforme se observa os últimos momentos do homem, se percebe alguns fatos cruciais. O primeiro deles é que ele perdeu uma maleta da qual ele nunca se afastava (o que causou uma perturbação em sua rotina) e o mesmo estava sendo perseguido por alguém. A forma como ele encontrou de lidar com o perseguidor são procedimentos padrões de espiões, como remover os sapatos para andar em locais escuros, esperar em um local seguro por longas horas, tomar trajetos atípicos e longos para se deslocar. Até mesmo um suposto transtorno mental era alegado pelo mesmo e familiares, o que não é raro na hora de criar a “história cobertura” de um agente. Estes fatos não foram destacados no episódio muito provavelmente porque nenhum dos produtores e roteiristas devem ter se dado conta disso – talvez por ignorância do tema.
De qualquer forma, este episódio merece destaque como um dos melhores já feitos pela série, tanto pela qualidade do tema quanto pelo esforço em reconstruir todo o caso de forma coerente.
Morte em Oslo – T2E2
Outro episódio que envolve uma possível trama ligada à política internacional, espionagem ou, simplesmente, uma infelicidade encontrada por uma prostituta de luxo. Uma mulher fez um check-in em um hotel luxuoso em Oslo, na Noruega. Pouco depois ela foi morta com um tiro em um quarto. Ela não tinha documentos ou cartões de crédito que confirmassem sua identidade, o que fez com que seu real nome permanecesse desconhecido. Ninguém a reconheceu após a divulgação de seu rosto, sendo que a única evidência mais certa é o fato de que ela não era norueguesa.
Este caso é curioso e, ao mesmo tempo, perturbador. Ao contrário do primeiro episódio, na qual era possível deduzir uma trama política e secreta envolvida, o caso da mulher de Oslo tem várias possibilidades em aberto na qual não é possível deduzir nenhuma linha de investigação mais assertiva. Portanto, tanto a hipótese de ser uma espiã estrangeira, ou uma prostituta de luxo que encontrou um cliente perigoso, são possíveis. A condução do episódio é exemplar ao transmitir isso.
Corpo no porão – T4E2
Este é um daqueles casos que são misteriosos e angustiantes de ver o desenrolar. Além disso, quando tentamos procurar um culpado, simplesmente não conseguimos. Nem mesmo o mais “óbvio” é plausível, uma vez que todos seus álibis são sólidos e irrefutáveis. Além disso, como se trata de um caso criminal (ou não), não temos margens para teorias extraordinárias envolvendo alienígenas e o sobrenatural.
Após uma viagem de fim de semana para visitar sua mãe, um marido encontra a esposa morta no porão com muito sangue espalhado pelo local. A primeira teoria é que talvez o próprio havia matado a mulher, mas uma investigação minuciosa do caso e da cena do crime revelaram que isso não seria possível por uma série de fatores. Além disso, as possibilidades de o homem ter contratado um assassino de aluguel também são remotas. Apesar de tudo, a família da morta, que tinha desavenças com o marido dela, estava determinada em conectar o marido à morte. A polícia, inclusive, não descartou a possibilidade de ter sido uma morte acidental de alguma natureza. No final das contas, este caso permanece em aberto até os dias atuais. Não dá para culpar totalmente as autoridades de incompetência neste caso, pois as circunstâncias levaram a um beco sem saída.
Cabeça decepada – T4E3
Por outro lado… Este caso podemos culpar, sim, a incompetência e até mesmo passividade da polícia no caso. Uma cabeça decepada foi encontrada em um local público por um adolescente que rapidamente chamou a polícia. O resto do corpo nunca foi encontrado, bem como a identidade da vítima (que era uma mulher). Mas após uma investigação alguns fatos interessantes se revelaram. O vizinho mais próximo do local de descarte foi efetuado tinha atitudes suspeitas com relação ao caso. Além disso, ele possuía diversos comportamentos peculiares, como manter uma cachorra de estimação morta congelada em um freezer. Ele também tinha conhecimentos avançados com relação a uma prática conhecida como venda de corpos, algo peculiar, mas legalizado nos Estados Unidos sob determinadas condições. E como se nada disso bastasse, ele tinha uma desavença com o rapaz que encontrou a cabeça.
Como dito: a atitude do homem era suspeita, mas aparentemente a polícia, apesar de desconfiar dele, foi relapsa ao investigar o caso seguindo esta linha de pensamento. Além disso, ele inclusive passou por um detector de mentiras que apontou inconsistências em suas afirmações envolvendo o caso. Infelizmente, nunca saberemos a verdade por que o homem veio a cometer suicídio tempos depois.
Mutilações misteriosas – T5E3
Este, talvez, seja o episódio mais assustador da série e também um dos mais misteriosos. O programa mostra uma série de mutilações passadas por gado bovino ao longo de décadas em diferentes locais dos Estados Unidos. Os bois e as vacas são encontrados, sempre, sem a língua e as genitais, sendo que às vezes os olhos e parte dos lábios também desaparecem. De acordo com a descrição das testemunhas e donos de rebanhos, as remoções são cirúrgicas e precisas. Aparentemente, nenhum dos casos estão relacionados, apesar de serem idênticos. Além disso, um investigador entrevistado no episódio pesquisa o tema e descobriu, como já dito, que este caso é antigo e recorrente entre os criadores de gado. Alguns ainda relatam que animais carniceiros sequer se aproximam dos corpos dos animais.
Apesar de assustador (e as fotos mostrando cadáveres de bois não serem a coisa mais bonita de se ver), a direção do episódio não se empenhou em indagar o caso em nenhum momento. Assim, teorias envolvendo abdução alienígena e rituais satânicos foram trazidas à tona pelos entrevistados. Em nenhum momento foi pensada na possibilidade de ser algum tipo de doença ainda não catalogada ou algo do tipo – por mais absurdo que possa soar, é uma possibilidade mais “pé no chão” do que qualquer outra. De qualquer forma, este episódio é muito bom.