“Code Geass”: um anime feito para ser sucesso

A cultura dos animes acabou fixando um arquétipo muito específico de personagem: o famoso anti-herói “frio e calculista”. É claro que isto não é algo exclusivo de desenhos japoneses, pois temos diversas outras mídias que apresentam este mesmo tipo de protagonista, como a série “Peaky Blinders”. Além disso, como não raro os fãs de animes são pessoas com comportamentos peculiares (que por sua vez são reflexos de uma mentalidade questionável), é fácil ver como este tipo de obra pode acabar criando uma “identificação forçada” no público. Isto é: muitas vezes, uma obra cujo protagonista é “frio e calculista” é consumida por pessoas com uma percepção distorcida de si mesmas, que acabam utilizando tais personagens como uma referência que está longe da realidade. Na maioria das vezes não passa de piada, noutras o simples passar do tempo é suficiente para resolver o problema.

Dentre os animes com este tipo de protagonista, alguns se destacam. “Code Geass” é uma das joias da coroa e grande parte do sucesso que ele tem é justamente devido ao arquétipo de Lelouch, o personagem principal de toda a trama. A mitologia do universo do anime é interessante, mesclando vários dos “lugares-comuns” da cultura popular tanto oriental quanto ocidental. É uma história que foi feita para “não dar errado”: agrada estes otakus mais “esquisitões”, fãs de mechas, apreciadores de uma trama mais política e até mesmo para quem gosta de drama adolescente. Ao longo dos episódios, alguma coisa vai te agradar nisso tudo porque tudo foi feito pensando no consumidor.

Mas primeiro vamos a um breve contexto: “Code Geass” é um anime de ficção científica e mecha que mistura intrigas políticas, ação e temas filosóficos. A história segue Lelouch Lamperouge, um príncipe exilado do Império de Britannia que ganha um poder especial chamado Geass, capaz de controlar a mente das pessoas. Com essa habilidade, ele assume a identidade de Zero e lidera uma revolução contra o império, buscando vingança e liberdade para o Japão, rebatizado de Área 11, após sua conquista.

Continuando. É compreensível o movimento de mercado de criar produtos culturais focados na aceitação do público, pois, todos temos contas a pagar e ambições a saciar. Normalmente, o público que o consome não percebe que não estão diante de obras genuínas feitas pelas mãos de artistas apaixonados – ou pelo menos não se importa. Contudo, quando se observa com mais atenção estes mesmos produtos, é impossível deixar de perceber certas fragilidades. Mas que fique claro: uma obra feita por um artista mais apaixonado pelo próprio trabalho pode ter até mais falhas, mas mesmo tais imperfeições aparentam ser mais “charmosas” ao serem observadas. “Code Geass” também comete faltas, porém, como já dito: normalmente são bem escondidas ou ninguém liga pelo fato de ser um produto a ser consumido.

Um dos principais problemas deste anime como um todo é justamente no aspecto “frio e calculista” do protagonista. A fim de gerar identificação no público, ele não foi retratado como um anti-herói perfeito e extremamente eficiente, tal como ocorre em “Death Note”, por exemplo, cujos planos e estratégias são perfeitas. Lelouch comete vários erros durante a execução de seus planos e estratégias. Porém, com o passar dos episódios e o desenrolar da história, fica difícil engolir a imagem de “gênio” que tentam pintar dele. Observando com algum cuidado, a conclusão que dá para se ter é que Lelouch é um personagem favorecido pelo roteiro e pelos contrapontos apresentados que realçam suas habilidades intelectuais.

Talvez uma das analogias mais precisas para exemplificar isso seja um recurso altamente explorado ao longo de “Code Geass”: o xadrez. É quase como se o roteiro tivesse uma ideia inicial de como começar, mas não de como terminar. Dessa forma, os acontecimentos foram sendo desenvolvidos com base nas consequências apresentadas pela própria obra e, talvez, pelos humores do público e dos executivos. Seria como se os fatos da história e as movimentações de Lelouch fossem conduzidas por um enxadrista menos habilidoso do que ele mesmo acredita, mas que possui bastante sorte e um mínimo de atenção para se agarrar às oportunidades que as circunstâncias geraram.

É possível afirmar isso porque na maioria das batalhas e confrontos do anime, nós podemos nos deparar com situações nas quais Lelouch não teria como levar a melhor… Quer dizer, não levaria se não fosse o roteiro. Aí, no final, nos deparamos com uma risada triunfante do nosso anti-herói, como se tudo tivesse ocorrido conforme o planejado, quando na verdade teve sorte.

Outro problema de “Code Geass” é o fato de o roteiro ser pouco corajoso. Até mesmo em momentos nos quais as ações de Lelouch, principalmente sob o alterego de Zero, trazem consequências para sua vida. Porém, isso até certo ponto. De resto, ele parece ter liberdade agir conforme seus próprios caprichos e ambições sem qualquer problema maior. Ao longo dos mais de 50 episódios, apenas duas personagens importantes morrem, mas suas perdas não são sentidas com tanto impacto quanto deveriam. Nem mesmo a própria morte de Lelouch, ao fim do anime, é tão impactante. E isso ainda é defenestrado quando, posteriormente, é lançado um filme mostrando sua ressureição.

Porém, nem tudo é problemático no anime. A relação de Lelouch com C.C., a misteriosa garota que lhe concedeu os poderes de controlar as mentes das pessoas, é interessante, criando quase um clima de tensão sexual entre ambos em diversos momentos. Os conflitos internos e (posteriormente) externos com relação a Suzaku, o amigo de infância de Lelouch que se torna seu arqui-inimigo e, depois, seu maior aliado, é uma das maiores surpresas da obra. Além disso, apesar de utópico, é bonito o desejo do protagonista de criar um mundo na qual sua irmã mais nova, Nunnally, possa ser feliz, mostrando uma relação fraternal bonita.

O desenrolar da trama também é, no mínimo, curiosa. Somos instigados a continuar assistindo para ver como tudo vai acabar. Portanto, a direção é competente para criar um mínimo de tensão e mistério neste sentido. Além disso, algumas reviravoltas também pegam de surpresa a maioria dos expectadores – apesar de serem resolvidas com a sorte de Lelouch. Por fim, acredito que todo fã de animes deve dar uma chance para “Code Geass”.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *