Seu escritor favorito provavelmente era um babaca

Não é raro esbarrar com comentários e publicações dentro da comunidade literária a respeito do racismo, xenofobia e preconceito de muitos autores consagrados. Exemplos recorrentes são nomes como Monteiro Lobato e H.P. Lovecraft e, de fato, não é necessário mergulhar muito a fundo nas obras de tais escritores para perceber isso.

Entretanto, o que quase todo mundo esquece é que tais autores eram seres humanos tal como seus admiradores.

Existe um tipo de aura mística em volta de escritores e artistas célebres que os colocam em um patamar à parte da humanidade, como se estivessem em um cume muito distante de nós, meros mortais. É quase impossível não ter essa sensação quando as obras dos mesmos nos evocam a catarse ou a tragédia.

Mas se deixarmos o trabalho de lado, o que resta para eles? Se essas pessoas nunca tivessem produzido nenhuma obra artística que seja, mas continuassem sendo exatamente os mesmos e vivessem próximos de ti, caro leitor, o que sobraria?

Voltando para o ponto da catarse e da tragédia, também tendemos a imaginar que as mesmas pessoas que foram capazes de nos causar isso sejam seres a frente dos seus tempos. Pensamentos nobres e cafonas são muito comuns de serem atribuídos inconscientemente aos mesmos. Mas vou contar uma coisa que todo mundo sabe e ignora: existe uma grande possibilidade de seus ídolos terem sido pessoas com pouca coisa para se orgulhar além da própria obra.

Muitos adotavam comportamentos e vidas autodestrutivas, enquanto outros deixavam de cuidar até mesmo da própria família em prol de uma causa supostamente nobre – Victor Hugo é um exemplo clássico –, o que é profundamente hipócrita se formos analisar. É aquela velha história de que se queres mudar o mundo, comece arrumando seu próprio quarto.

Vale destacar brevemente também sobre o contexto temporal. Existe um termo em alemão chamado “Zeitgeist” – em tradução livre significa “Espírito da Época” – para definir um conjunto de pensamentos, comportamentos e discursos compartilhados pela intelectualidade de um tempo. A arte e a intelectualidade estão intrinsecamente vinculadas e, de uma forma ou de outra, cada obra tem muitas referências de seu tempo. Mas, como todos devem estar bem cientes, os tempos mudam e a mentalidade também.

Muitas coisas que nossos artistas preferidos pensavam, hoje em dia, estão ultrapassados e podem ser considerados absurdos. E com certeza, em um futuro não tão distante, muitas das coisas que são produzidas e pensadas atualmente vão ser olhadas com os mesmos olhos que hoje se vê tais aspectos do passado.

E tudo isso tira o valor das obras desses grandes mestres? Responder que sim demonstraria certa ingenuidade. Artistas, de uma maneira geral, são pessoas desprezíveis que conseguem criar algo de bom a partir disso. Essa é a essência da expressão mais profunda da alma. A arte, muitas vezes, expressa exatamente aquilo que a humanidade de pior e o que o artista tem de ruim enquanto individuo.

E apesar de ter essa conotação nobre, nenhuma obra tem a obrigação de mudar o mundo ou deixar a vida mais justa. No máximo, mais reflexiva e bela. E um dos requisitos para haver esses dois é o contraste entre dois opostos, nesse caso, as virtudes e pecados de cada gênio criador.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *