Os horrores de saber seu lugar em “Them”

A Grande Migração aconteceu entre os anos 1916 e 1970 nos Estados Unidos. O movimento consistia na mobilização das famílias negras do país que saiam do sul, para escapar das leis racistas que ainda prevaleciam na época, para o norte. É nesse contexto que na minissérie “Them” conhecemos a família Emory. Em oito episódios, acompanhamos o que aconteceu durante dez dias vivendo em seu novo lar em Compton, na Califórnia.

Nesse contexto, seria redundante afirmar que um dos temas centrais é o racismo, mas nessa antologia de terror temos outros temas, dentre eles o sentimento de pertencimento.

Ao chegarem no seu novo lar, um condomínio de casas no auge dos anos 1950 onde o modelo de família ideal americana reinava. Os Emory já notam olhares desconfiados e hostis. Logo, vizinhos inconvenientes começam a tramar para tornar o ambiente desconfortável, fazendo os Emory achar que lá não é seu lugar e querendo com o que eles se mudem. Mas essa ideia de que os Emory não pertencem a este local não poderia estar mais errada.

O pai da família, Henry Emory, conseguiu um emprego de engenheiro aeroespacial em uma empresa de aviação. Sendo este um feito louvável para um homem negro da época e o que deu poder aquisitivo o suficiente para comprar uma casa em uma bairro nobre.

Outro que seria redundante levantar, mas se faz necessário, é a forte inspiração nos filmes de Jordan Peele. O criador de “Them”, Little Marvin, buscou uma clara influência nas obras de Peele mas sem perder sua originalidade. Claro que os temas sociais como racismo e disparidade de classe social são importantes, mas sem deixar de conversar com os elementos de terror da obra que a deixam perturbadora.

Além de ter que lidar com o racismo da vizinhança, os Emory também enfrentam assombrações, ilusões e traumas que destroem a família de dentro para fora.

Falando um pouco dos elementos sobrenaturais, as assombrações na série são representadas por figuras altamente características, o que dá para elas bastante personalidade. Temos aqui uma figura conhecida como “Da Tap Dance Man”, personagem conhecido por representar estereótipos do que se achavam ser um homem negro da época: bêbados, vagabundos, e com lábios excessivamente grandes. Essa assombração é focada em Henry, e está ali para atormenta-lo em seu ambiente de trabalho, onde tenta a todo momento se provar e se distanciar da imagem que seus colegas o julgam ter.

“The Black Hat Man” é a assombração que aparece para a mãe da família, Lívia Emory. Lívia de todos parece ser a primeira a notar que não é aceita no bairro, eu disse parece pois seu marido e filha mais velha tentam manter as aparências, mas Lívia não. Após passar por um trauma, que aconteceu alguns meses antes dos eventos da série, Lívia vive paranoica e até mesmo agressiva, sua assombração representa toda a perseguição que sofreu e continua sofrendo, sendo o motivo de não conseguir dormir ou de encontrar paz.

As filhas da família são Gracie e Ruby. Gracie é uma criança e ainda não entende muito bem o que acontece. Porém, a pequena é assombrada pela Dona Vera, personagem de um livro infantil onde ensina boas maneiras, mas essas boas maneiras são hábitos racistas como músicas que teor supremacista. Essa proposta de como Gracie sobre com as assombrações vem com a ideia de que ela é a mais nova e que pode ser facilmente corrompida.

Já Ruby não é perseguida por uma figura literal, mas sim por uma ideia. Por estar passando pela adolescência e estar frequentando a escola, a menina está numa fase complicada e tenta ao todo tempo se enturmar e entender seu lugar nisso tudo. Por ser a única pessoa negra na escola ela passa por todo o bullying que se pode imaginar levando sua saúde mental a um declínio até chegar no absurdo da menina se pintar inteira de branco.

Na época de seu lançamento “Them” foi alvo de polêmicas devido ao teor de suas cenas. Acusado de não ter sensibilidade e de ser um “pornô gráfico social” por alguns críticos, a obra não polpa nas cenas de violência contendo não só violência gráfica mas sexual também. Além de que temos a famosa cena do “gato no saco” uma brincadeira em que um grupo de pessoas amarra um gato em um saco e o joga de um lado para o outro, mas aqui não é usado um gato.

Apesar desse exagero parecer gratuito para algumas pessoas, eu considero “Them” assustador e perturbador o suficiente para atrair quem gosta de terror e que ao mesmo tempo levanta uma questão pouca explorada na história da luta contra o racismo, a questão do mercado imobiliário. O contexto da “grande imigração” é importante saber para entender os motivos das famílias se mudarem do sul, e também os motivos que fizeram sofrer essa segregação. Em um episódio somos expostos como o mercado imobiliário se aproveitou disso, superfaturando os bairros, empobrecendo as famílias e criando o que é conhecido hoje em dia como guetos. Aqui no Brasil seria mais ou menos como as favelas.

Enfim, passando por cima do horror e de situações de embrulhar o estômago, é possível sim extrair esse contexto histórico da obra. Basta permanecer até o final.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *