Como os desaparecidos das caixas de leite entraram para a cultura popular

Quando uma pessoa desaparece, é comum ver seu rosto estampado em cartazes ou murais. Mais recentemente, na era das redes sociais, também podemos ver tais divulgações na internet. Só que estamos falando do Brasil. Em diversos países do mundo, mais especificamente nos Estados Unidos, existe uma outra prática um tanto curiosa para divulgar pessoas desaparecidas: caixas de leite.

Este hábito começou nos Estados Unidos na década de 1980 como uma tentativa de usar um objeto cotidiano, e amplamente consumido, para aumentar a conscientização sobre crianças desaparecidas e mobilizar a comunidade na busca por elas. Não se tem total certeza de qual foi o primeiro caso, mas o marco inicial é atribuído aos casos de Etan Patz, um menino de seis anos que desapareceu em Nova York em 1979, e de Johnny Gosch, um entregador de jornais de 12 anos que desapareceu em Iowa em 1982. Ambos os casos receberam grande atenção da mídia e motivaram a criação de novas estratégias para localizar crianças desaparecidas.

Assim, em 1984, dois produtores de laticínios de Iowa tiveram a ideia de imprimir fotos de crianças desaparecidas nas caixas de leite, acreditando que o alcance diário dos produtos poderia ajudar na busca. O programa começou oficialmente em dezembro daquele ano, com as fotos de Johnny Gosch aparecendo nas caixas. A campanha ganhou notoriedade nacional e foi adotada por diversas empresas de laticínios. As caixas de leite passaram a exibir informações como fotos, descrições e dados para contato, tornando-se uma espécie de “boletim público” sobre desaparecimentos.

Embora a iniciativa tenha sido inovadora e tenha gerado conscientização, ela também enfrentou críticas. Algumas pesquisas mostraram que as fotos nas caixas de leite raramente não resultavam no reencontro das crianças. Além disso, algumas pessoas questionaram o impacto emocional sobre as famílias e sobre outras crianças que viam os anúncios. O hábito perdeu força no final dos anos 1980, com a evolução de novas tecnologias e sistemas de alerta, como o Amber Alert, que substituíram esse método como ferramentas mais eficazes para encontrar desaparecidos. Ainda assim, o uso das caixas de leite como meio de comunicação permanece um símbolo cultural e histórico na luta contra o desaparecimento de crianças.

No Brasil, a marca de laticínios Piracanjuba está lançando uma campanha semelhante a adotada no estrangeiro. Utilizando da Inteligência Artificial para realizar progressão de idade, a ação busca divulgar os rostos dos desaparecidos através das caixas de leite, além de uma breve descrição sobre os fatos do desaparecimento. O projeto é realizado em parceria com a ONG Mães da Sé, que atua na busca de desaparecidos desde 1996, localizando mais de 5 mil pessoas desde então.

Casos notórios

A estratégia se provou efetiva em diversos casos. Um dos exemplos mais notórios foi no de Bonnie Lohmann. Nascida nos Estados Unidos, ela foi sequestrada por sua mãe biológica e seu padrasto aos três anos de idade, em um caso que desafiou as autoridades por vários anos. Durante esse período, ela foi levada a viver em locais isolados e sob condições restritivas, com os sequestradores fazendo de tudo para mantê-la fora do alcance de seu pai biológico e das forças policiais.

O detalhe mais impressionante desse caso foi o momento em que Bonnie, então com sete anos, reconheceu sua própria foto em uma caixa de leite. Ela e seus sequestradores estavam em uma loja quando Bonnie avistou a foto de crianças desaparecidas estampada na embalagem. Sem entender completamente a situação, ela pediu para guardar a foto como uma lembrança. Os sequestradores, não percebendo o risco que isso representava, deixaram que ela recortasse e guardasse a imagem.

A reviravolta aconteceu quando Bonnie, acidentalmente, mostrou a foto a um vizinho. Intrigado com a situação, o vizinho reconheceu que se tratava de uma criança desaparecida e alertou as autoridades. Graças a essa coincidência, Bonnie foi resgatada e devolvida ao pai biológico. O caso ganhou grande repercussão na mídia na época, destacando a importância e o impacto do uso das caixas de leite para divulgar fotos de crianças desaparecidas.

Porém é impossível falar no assunto sem lembrar do já mencionado Etan Petz, que ficou conhecido como “O Garoto da Caixa de Leite”. Em 25 de maio de 1979, Etan, com apenas seis anos, desapareceu enquanto caminhava sozinho pela primeira vez até o ponto de ônibus escolar, em Manhattan, Nova York. Seu desaparecimento provocou uma mobilização sem precedentes na cidade, transformando-o no rosto de uma geração de crianças desaparecidas e gerando mudanças significativas na forma como esses casos eram tratados.

Os pais de Etan, Stanley e Julie Patz, iniciaram uma campanha incansável para encontrar o filho, espalhando cartazes com sua foto por toda a cidade. Em 1984, o caso de Etan foi um dos primeiros a ser destaque nas caixas de leite, uma iniciativa que visava alcançar um público amplo com informações sobre crianças desaparecidas. A foto de Etan, um menino loiro de olhos expressivos, tornou-se um símbolo nacional, mobilizando a atenção pública e a mídia. A partir disso, o Dia Nacional das Crianças Desaparecidas foi criado nos Estados Unidos, sendo celebrado anualmente em 25 de maio, em homenagem ao desaparecimento de Etan.

Por décadas, o caso de Etan permaneceu sem solução, embora houvesse suspeitas e investigações ao longo dos anos. Somente em 2012, Pedro Hernandez, ex-funcionário de uma mercearia no bairro onde Etan desapareceu, foi preso e confessou o crime. Hernandez afirmou ter atraído o menino para o porão da loja, onde o estrangulou e descartou o corpo em um saco de lixo. Apesar da confissão, o caso ainda foi cercado de controvérsias, especialmente pela ausência de provas físicas concretas. Em 2017, Hernandez foi condenado à prisão perpétua.

O desaparecimento de Etan Patz deixou um legado duradouro. Ele não apenas sensibilizou o público sobre a importância de proteger crianças, mas também levou à criação de novas políticas e sistemas para lidar com casos de desaparecimento, como a introdução de linhas de emergência específicas e o sistema Amber Alert. O caso também trouxe à tona o impacto emocional de crimes desse tipo, lembrando a todos a fragilidade da infância e a necessidade de constante vigilância para garantir a segurança dos pequenos.

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